Por Léo Rodrigues

Novos relatórios produzidos pela consultoria Ramboll apontam a existência de problemas estruturais nas escolas que estão sendo frequentadas temporariamente pelas crianças a adolescentes que viviam nos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, ambos destruídos pela lama que vazou após o rompimento da barragem da mineradora Samarco em novembro de 2015. O documento aponta ainda que a reconstrução das duas comunidades, que inclui as obras de novas escolas, está com o cronograma atrasado.

A Ramboll foi uma das consultorias contratadas conforme acordo firmado em janeiro de 2017 entre o Ministério Público Federal (MPF), a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton. As mineradoras aceitaram custear perícias especializadas para avaliar os impactos da tragédia nas dezenas de municípios da bacia do Rio Doce e o andamento das ações de reparação.

“Mesmo após quatro anos do desastre, a Fundação Renova ainda mantém escolas temporárias que apresentam problemas estruturais para acolher os alunos das escolas de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo. Essas não possuem estrutura acessível e espaço para atividades de tempo integral”, registra um dos relatórios a que a Agência Brasil teve acesso. Segundo o documento, desde 2017, cerca de 1,2 mil alunos de Mariana (MG) estão sem direito ao ensino em tempo integral

A Fundação Renova foi criada como desdobramento do Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC) celebrado em 2016 entre o governo federal, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Samarco, a Vale e a BHP Billiton. Cabe a ela gerir todas as medidas de reparação dos danos causados na tragédia.

Os documentos da Ramboll elencam outros problemas das ações conduzidas pela entidade. No distrito de Gesteira, que pertence ao município de Barra Longa (MG) e também foi devastado pela lama, a escola definitiva já foi reconstruída. No entanto, a nova instalação apresentou problemas como vazamentos e infiltrações. Já no distrito de Povoação, em Linhares (ES), a ampliação prevista para a Escola Municipal Penha da Costa não foi realizada até o momento.

Há ainda, em um dos relatórios, uma avaliação do projeto de formação voltado para educadores que atuam nas comunidades atingidas. Uma proposta foi apresentada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que prevê 6 mil vagas em cursos de aperfeiçoamento, 72 em especialização, 36 em mestrado e 18 em doutorado. No entanto, nenhum curso teve início. Por enquanto, de acordo com o documento, foram investidos somente 4% do previsto para ações de capacitação na bacia do Rio Doce.

Procurada pela Agência Brasil, a Fundação Renova informa que a formação dos educadores deve começar em abril de 2020. A fundação também diz que as escolas temporárias de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo estão de acordo com a legislação educacional e em consonância com a demanda que se tinha no período. “Entre os anos de 2016 e 2018, o atendimento do tempo integral de Mariana estava suspenso e, portanto, essa não foi uma demanda colocada anteriormente”, registra em nota.

De acordo com o texto, a retomada da jornada de tempo integral no município ocorreu no segundo semestre desse ano e, perante a demanda, já foram providenciados os imóveis para o funcionamento do contraturno escolar. “Os projetos executivos e obras de adequação e construção começarão em breve e, no próximo ano letivo, as escolas contarão com novos espaços para abrigar exclusivamente o tempo integral”, acrescenta a entidade. A Fundação Renova diz ainda que está em tratativas para atender ao pleito do município de Mariana referente ao pagamento das despesas para a ampliação do Programa de Tempo Integral.

Além disso, a entidade sustenta que a Escola Municipal Gustavo Capanema, em Gesteira, foi construída logo após o rompimento da barragem para suprir de forma ágil às demandas do momento mais crítico e que intervenções vêm sendo realizadas para corrigir eventuais problemas, como vedação de esquadrias e impermeabilização da laje. A Fundação Renova também afirma que busca, junto à prefeitura de Linhares, a melhor solução técnica para a ampliação da Escola Municipal Penha da Costa.

Demandas

Os relatórios da Ramboll fazem ainda apontamentos relacionados às demandas dos atingidos. Os documentos sinalizam que não foram reconhecidos como vítimas os indígenas de uma comunidade auto-identificada como povo botocudo, situada no distrito de Areal, em Linhares (ES). O levantamento revela também que os canais de relacionamento da Fundação Renova captam informações importantes associadas às necessidades dos atingidos, mas elas “não são comunicadas corretamente e não se traduzem em ações efetivas de reparação”. Além disso, segundo a consultoria, 19% das respostas dadas nos últimos 12 meses extrapolaram o prazo de 20 dias.

“Na avaliação da Ramboll, a Fundação Renova tem priorizado a defesa de sua reputação na comunicação dirigida à população atingida, o que a leva a investir em uma comunicação institucional focada em propaganda e marketing na maior parte das suas publicações. E, nelas, busca defender a marca da organização em vez de mostrar, de forma transparente, a posição contrária das pessoas que ainda não tiveram seus direitos reparados. Esse tipo de comunicação eleva o risco de conflitos nas áreas atingidas e estimula críticas nas redes sociais”, acrescenta a consultoria.

A Fundação Renova diz receber uma média de 30 mil ligações por mês em seu canal telefônico de relacionamento e dispor de 20 centros de informação e atendimento, além de já ter envolvido aproximadamente 104 mil pessoas em reuniões de diálogo coletivo. A entidade afirma ter destinado R$ 6,87 bilhões para as ações de recuperação e compensação e executado mais de 1,4 mil obras ao longo do território atingido. Mais R$1,90 bilhão teriam sido pagos em indenizações e auxílios financeiros emergenciais. Em relação à comunidade dos botocudos de Areal, a Fundação Renova sustenta que ela não está na área de sua atuação que foi definida pelo TTAC.

Outra conclusão da consultoria é de que, em apenas cinco dos 39 municípios considerados atingidos na tragédia, tem havido enfoque na contratação de mão de obra local para as medidas de reparação. De acordo com a Fundação Renova, nas obras dos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, 70% dos trabalhadores são de Mariana e a priorização da contratação local está prevista no TTAC.

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