Por Marco Weissheimer/Sul21

 

De um total de 9.072 focos recentes de queimadas na Amazônia (áreas em vermelho), 5.112 ocorreram em áreas indígenas com incidência mineral. (Foto: Divulgação/MAM)

No dia 1° de outubro, o presidente Jair Bolsonaro recebeu, em Brasília, uma comitiva de representantes da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada, do Pará, que foram pedir proteção contra investidas da Vale em uma área explorada por eles. Neste encontro, Bolsonaro proferiu uma frase que acabou ganhando repercussão internacional. “O interesse na Amazônia não é no índio, nem na porra da árvore, é no minério”, disse. O presidente brasileiro também reafirmou o interesse de seu governo em liberar a mineração em terras indígenas. Bolsonaro já defendeu a abertura de várias “mini Serras Peladas” na região. O Ministério das Minas e Energia anunciou que pretende concluir até o fim deste mês a proposta que prevê mineração em terras indígenas. Essas áreas, na verdade, já vêm sendo objeto de cobiça do setor minerador que vê nos territórios indígenas um obstáculo para ampliar a exploração de uma série de minérios, entre eles o ouro.

De um total de 9.072 focos recentes de queimadas na Amazônia, 5.112 ocorreram em áreas indígenas com incidência mineral, mostra um mapa elaborado por Victor Salgueiro, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e mestrando em Desenvolvimento Territorial da América Latina na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Na avaliação do MAM, há uma corrida pelo ouro em curso globalmente que ajuda a entender os ataques à floresta e aos povos indígenas.

“Com a crise de 2008 no sistema capitalista financeiro, os bancos centrais passaram a comprar muito ouro. No caso do Brasil, há o ouro que sai do país contabilizado pelas transnacionais, que é declarado oficialmente, mas também há um mercado clandestino. Segundo um estudo do Ministério Público, somente da região da Bacia de Tapajós, no Pará, nos últimos oito anos, saíram clandestinamente 670 mil toneladas de ouro do país”, assinala Márcio Zonta, da coordenação nacional do MAM.

Não há, acrescenta Zonta, um controle sistemático, do ouro extraído nesta região. “Não há fiscais ou um controle organizado. É algo totalmente esdrúxulo. Parte desse ouro está sendo comprado por bancos centrais e parte está indo para países como China e Estados Unidos. Se olharmos para o mapa das queimadas recentes, veremos que uma grande quantidade delas está localizada em áreas que hoje são vedadas à mineração, como territórios indígenas, áreas de preservação ambiental e áreas de nascente. A maioria desse fogaréu, portanto, atingiu essas áreas com incidência mineral, sobretudo de ouro”, destaca.

Márcio Zonta, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Cerca de 50% dos pedidos de mineração, hoje, no mundo, sobretudo na América Latina e África, estão relacionados ao ouro. Márcio Zonta lembra que, com as legislações que existem hoje, sobretudo em relação à Amazônia, um projeto leva, em média sete ou oito anos para ser liberado. “As empresas não querem se submeter a isso. Um exemplo disso é o projeto da Belo Sun, no Pará, que está atropelando todas formas de legislação e violando direitos de povos indígenas para implantar uma mineração de ouro”, exemplifica.

O militante do MAM lembra outros ciclos de exploração mineral que já ocorreram na região, chamando a atenção para o mais recente deles, envolvendo a extração de ouro:

“A região amazônica teve um primeiro pico mineral, impulsionado pelos Estados Unidos, na região da Serra do Navio, no Amapá, nos anos 50. O ferro daquela região foi enviado para as fábricas da Ford, em Detroit, em um processo de exploração marcado por conflitos com povos indígenas e uma destruição ambiental gigantesca”.

Depois, prossegue Zonta, houve a dobradinha Estados Unidos-Vale na região de Carajás. “Na década de 70, havia mais de 225 geólogos norte-americanos na região, que fizeram um mapa mineral da Amazônia brasileira. Também tivemos capitais coligados ao Japão que implantaram a indústria de alumínio na região de Barcarena. Essa indústria depois passou para o capital norueguês e, recentemente, tivemos o episódio dos dutos clandestinos que lançavam rejeitos tóxicos toda vez que a barragem enchia. Agora, temos essa corrida pelo ouro na região patrocinada por empresas transnacionais, mas também por essa via do mercado clandestino com o recrutamento de garimpeiros da região”.

Mais recentemente, aquele sistema de garimpagem tradicional, do garimpeiro com a sua bateia, passou a ser disputada também por verdadeiras máfias, associadas a milícias, grupos paramilitares e do narcotráfico. Esse fenômeno, destaca ainda o integrante da coordenação do MAM, é mais intenso em países como Venezuela, Brasil, Peru, Colômbia e Equador, que têm o maior número de áreas interditadas para a mineração na região amazônica.

“A bateia começou a ser substituída por dragas que perfuram os rios e utilizam uma grande quantidade de mercúrio para extrair o ouro, ocasionando uma grande quantidade de doenças na região. Grupos de garimpeiros passam a ser recrutados para trabalhar nesta cadeia de produção do ouro que sai do país de maneira lícita e ilícita. Esses cinco países que citei são os mais prejudicados com essa exploração de ouro. Imagine o que o Estado do Pará deixou de recolher em impostos nos últimos anos?”, questiona Zonta. Ele adverte, por fim, que a intenção do setor minerador avançar sobre territórios indígenas deve aprofundar o quadro de conflitos, de destruição ambiental e de violação de direitos na região.

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