“Uma polícia que seja cidadã e garantidora de direitos, será uma realidade quando a sociedade civil tomar para si a responsabilidade de sua construção”
A segurança pública foi um dos grandes temas das eleições de 2018. Para entender mais sobre o assunto a Pressenza Brasil entrevistou Alexandre Felix Campos, investigador de polícia em SP, membro do Movimento Policiais Antifascismo.
Pressenza Brasil – O que é o movimento Policiais Antifacismo?
O movimento Policiais Antifascismo é um coletivo não institucionalizado que se propõe a ser uma ponte entre a sociedade civil e o interior das instituições policiais, a fim de debater e construir uma nova política de segurança pública, baseada na promoção dos direitos humanos e garantia da cidadania.
Pressenza Brasil – Quais são os principais problemas do atual sistema de segurança pública que vigora no Brasil?
A segurança pública no Brasil se assenta sobre 2 pilares: o militarismo – as polícias são treinadas para simular uma guerra – e a criminalização – sendo este personificado na figura do delegado de polícia que exerce papel inquisitorial e criminalizador, sendo uma figura anacrônica e dispensável ao exercício Policial. Talvez esse seja o maior problema na gestão da segurança pública, pois aí reside a configuração de um híbrido de juiz de instrução e chefe de polícia, que já teve seu lugar, num passado, porém não se justifica mais, nos dias atuais.
Infelizmente ainda estamos presos ao modelo arcaico onde por falta de juiz de instrução suas funções eram “delegadas” para alguém com notório saber jurídico para atuar na tríade de autorizar medidas excepcionais (em especial Mandado de busca e apreensão) até a CF 88), FISCALIZAR o trabalho policial e FORMALIZAR os atos para encaminhamento à justiça.
Hoje a função de DELEGADO perdeu o caráter de autorizar medidas excepcionais (que fica ao cargo do juiz com opinião do MP), não tem mais a função de fiscalizar o trabalho policial (incorporada ao Ministério Público) e se restringe a formalizar os atos realizados. Isso até tinha alguma razão quando os “agentes” eram pessoas analfabetas, truculentas e sem domínio da escrita formal.
Hoje predomina as mais diversas formação de ensino superior no cargos de agente (e assemelhados), todos com notório saber jurídico prático (para aplicação da lei, não discussões de teorias ou jurisprudências) comprovado por difícil e concorrido concurso público.
Realmente se faz necessário um cargo para servir apenas como formalizador do trabalho dos verdadeiros executores da atividade fim policial? Aos promotores e procuradores que já tiveram acesso às “grandes operações” da PF, será que os policiais que elaboram os Autos Circunstanciados não conseguiriam (em conjunto com o MP) realizar autonomamente seus trabalhos sem interferências de atravessadores? Isso torna o sistema de segurança pública, oneroso e ineficaz.
Além disso, as instituições policiais cumprem apenas parte do trabalho policial, num ciclo fracionado de polícia, ou seja, uma polícia faz o policiamento preventivo (ostensivo) e uma outra polícia faz a parte da investigação criminal, gerando uma ruptura e consequente letargia na conclusão eficiente do trabalho policial.
Soma-se ainda o fato de que as polícias, exceto a polícia rodoviária Federal, é composta por castas. Os dirigentes ingressam já como dirigentes, sem experiência na carreira policial, enquanto as bases permanecem nas bases e jamais chegam às direções. Isso causa insatisfação e desestímulo.
P. – A militarização e a flexibilização da legislação que versa sobre o porte e a posse de armas é uma forma de reduzir os índices de criminalidade?
A. ao contrário, ao promover uma flexibilização da posse e porte de armas para os cidadãos, o estado delega a responsabilidade pela segurança das pessoas para o cidadão comum. Sendo que a segurança pública é função e Responsabilidade inalienável do estado. A posse e porte de armas concedido para pessoas que não têm preparo técnico e psicológico, e aqui não falo das regras legais para a obtenção de armas, falo do preparo para lidar com situações de garantia de direitos, paz pública de forma impessoal, que só é possível a um agente público, investido do poder de estado, é um erro que pode acabar causando um aumento da violência, por conta da sensação de poder, o cidadão, cometer o justifiçamento. Quanto à militarização, essa é uma abordagem que jamais deve ser aplicada à segurança pública, pois o treinamento militar é voltado para o combate a inimigos, o que não se aplica à segurança interna de uma sociedade. A militarização acaba por determinar uma simulação de guerra em que irmãos violentam e exterminam irmãos.
P. Quais mudanças poderiam ser feitas nas polícias brasileiras, e no sistema de segurança pública ?
As polícias brasileiras precisam passar por um reinvenção. Uma polícia deve ser cidadã, educada para a garantia dos direitos, da paz pública e participar na promoção dos direitos fundamentais (direitos humanos).
Essa polícia deve ser fruto de convenções sociais, com a efetiva participação social, desde a sua concepção, passando pela formação, atuação e controle social.
Acredito que uma polícia que seja cidadã e garantidora de direitos, será uma realidade quando a sociedade civil tomar para si a responsabilidade de sua construção, retirando o poder espúrio dos que se locupletam desse sistema em vigor.
O policial de se reconhecer e ser reconhecido como o que ele é: um TRABALHADOR.
E assim, a polícia deve ser desmilitarizada, cumprir o ciclo completo de polícia e estruturada em carreira única, com entrada única. Garantindo evolução na carreira, satisfação profissional e melhor prestação social.
P. Há algo que queira acrescentar?
A. A polícia é parte integrante da gestão das cidades. A polícia é e deve ser do povo para o povo. É preciso ocupar esses espaços.