*Por Franck Petit, Paris*
**Seis meses após as primeiras eleições na Tunísia, o governo liderado pelo partido islâmico Ennahda tem uma política global para a justiça transicional?**
É muito cedo para falar sobre uma clara política global. De qualquer forma, o que nós testemunhamos desde dezembro são muitos indicadores de que há uma política séria para lidar com o passado. Um Ministro para os Direitos Humanos e, especificamente, para Justiça Transitória, foram estabelecidos. Estima-se que a Assembléia Nacional Constituinte adopte uma lei de justiça transitória no final do ano.
Uma conferência nacional foi convocada para lançar um “diálogo nacional” para ajudar a elaborar a lei no mês passado. A “troika” – presidente da República, Assembléia Nacional e Primeiro Ministro – pede uma estratégia abrangente. Uma vez que todos os participantes desse diálogo, destinado à sociedade civil, às vítimas e à população que vive fora da Tunísia tiverem sido consultadas, podemos ter uma ideia clara de como serão as políticas de justiça transicional.
**Isso pode ser visto como uma maneira de atrasar o processo?**
Muitos tunisianos estão frustrados com relação à duração do processo. De qualquer forma, o diálogo está progredindo em uma velocidade razoável, comparando-se com outros aspectos da transição. O diálogo nacional precisa acontecer, o governo precisa entender as expectativas, as necessidades das vítimas e da sociedade civil – e isso não pode ser sacrificado sobre o pretexto de agilizar ou fazer o processo ser encaminhado rapidamente.
**Os julgamentos já começaram, especialmente contra o ex-presidente Ben Ali e outros indivíduos poderosos. Eles são satisfatórios?**
Alguns julgamentos foram iniciados antes dos tribunais civis e militares, mas em alguns casos de tortura as sentenças foram consideradas muito baixas por muitos tunisianos. Isso tem a ver principalmente com o fato de que a legislação tunisiana precisa ser revisada. Por outro lado, também é necessário haver medidas que restabeleçam a confiança no judiciário, através do veto judicial, por exemplo.
**E aqueles que se mantém no poder ainda estão protegidos?**
O regime anterior colapsou. De qualquer forma, ainda há queixas sobre agentes de segurança envolvidos em abusos no passado e que estão imunes. Um ex-ministro do Interior teve de renunciar no ano passado depois de ser atacado fisicamente por agentes de segurança em retaliação à medidas adoptadas pelo Ministro do Interior por excluir ex-perpetradores. Isso é preocupante e será a parte mais difícil da transição.
**Muitas medidas foram colocadas em prática logo após a revolução, mesmo de uma maneira errônea. Elas podem ser utilizadas para uma possível comissão da verdade?**
Duas comissões de inquérito foram estabelecidas no ano passado, uma sobre corrupção, cujo relatório foi publicado em novembro, e a outra sobre as violações que aconteceram durante a revolução, cujo relatório foi publicado há algumas semanas. Elas fizeram um trabalho realmente importante que realmente deve ser levado em conta e incorporado ao trabalho de algum mecanismo futuro para estabelecer esse tipo de comissão da verdade.
**Como os tunisianos vêem isso?**
Ouvimos algumas reclamações na Tunísia de que tem faltado comunicação e abrangência no que vem sendo feito na área de justiça transitória. Não há suficientes explicações sobre os processos judiciais e julgamentos, como por exemplo, que os suspeitos possuem direitos que precisam ser respeitados, que isso demora muito etc…
Esta é parte do motivo das frustrações. Agora que o diálogo foi iniciado, é uma oportunidade importante para comunicar e informar o público sobre justiça transicional, especialmente fora da Tunísia e no interior do país.
**A justiça transicional pode trazer vantagens políticas?**
Ninguém disse aos tunisianos que eles precisavam de justiça transicional. A demanda veio da sociedade civil e dos partidos políticos. Mesmo se eles possam tirar vantagem política disso, não é necessariamente um problema. Claro, a justiça transicional não pode ser um pretexto para atrasar outros aspectos da transição. Deve ser feita em harmonia com todos os aspectos, como a elaboração constitucional ou as políticas económicas e sociais.
**A Tunísia é um modelo para os países vizinhos?**
É com certeza inspiradora para outros na região, bem como a revolução o foi. Apesar de todos os problemas e desafios relacionados ao processo transitório, um diálogo foi lançado. Isso é muito importante. Nenhum dos países em transição na região já iniciaram esse tipo de diálogo.
Transições são períodos muito bagunçados e frágeis durante os quais é preciso restituir a confiança entre as instituições e por aí vai. No Egito, por exemplo, há um misto de falta de vontade política e tensões políticas que atrasaram a justiça transicionais. Marroquinos falam com seus colegas na Tunísia e Egito.
A experiência marroquina teve um impacto na região apesar do fato de que o contexto marroquino é muito diferente das atuais transições na região. Tenho certeza que a Tunísia terá um impacto importante na área da justiça transicional em outras sociedades na região.