Por Juca Guimarães
Cursar Medicina pode custar até R$ 12 mil por mês; 55% dos formados buscam capitais, pelas condições e salários maiores
A maior parte dos médicos prefere trabalhar nas grandes cidades e região central. De acordo com o estudo “Demografia Médica no Brasil 2018”, coordenada pelo professor Mário Sheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o Brasil contava em janeiro de 2018, com 452.801 médicos, o que corresponde à razão de 2,18 médicos por mil habitantes.
Conforme o levantamento, as capitais das 27 unidades da federação reúnem 23,8% da população e 55,1% dos médicos. Ou seja, mais da metade dos registros de médicos em atividade se concentra nas capitais onde mora menos de 1/4 da população do País.
Esse descompasso entre a demanda e a oferta de médicos no Brasil tem relação com a falta de recursos e de estrutura para trabalhar nas cidades menores, valores de salários e outras garantias.
A contratação de médicos é responsabilidade das prefeituras e os salários oferecidos, muitas vezes, não são atrativos. De acordo com a receita da cidade e os repasses vindos da União e estado para a área de saúde, os salários variam entre R$ 3 mil e R$ 11 mil, segundo a médica Daniela Santos.
“A remuneração não é um ponto preponderante para a baixa fixação médica no interior. A possibilidade de cursar uma especialização, uma pós-graduação com especialização em serviço, é um fator determinante, assim como a infraestrutura do ambiente onde o médico será inserido”, disse Stephan Sperling, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.
O modelo mercantilista, predominante nas escolas de medicina, e a concentração dessas instituições em poucas cidades, ainda têm forte peso na distribuição desigual de profissionais.
Formação para o mercado
No Brasil, 57,45% das escolas de medicina são privadas e o valor das mensalidades varia entre R$ 3,6 mil e R$ 12,7 mil, conforme mostra o site Escolas Médicas no Brasil. Além disso, as 326 instituições de ensino de medicina do Brasil (públicas e privadas) estão localizadas em 206 cidades, ou seja, em menos de 3,6% dos 5.570 municípios brasileiros.
“Não é cultura das universidades promoverem a atenção primária como solução dos problemas de saúde da população. É preciso criar um novo olhar sobre a saúde brasileira e a formação desse médico”, disse Daniela Santos, médica especialista em Saúde da Família e Comunidade, que cursou a Escola Latino Americana de Medicina (Elam), em Cuba.
Daniela trabalhou no programa Mais Médicos, entre 2015 e 2018, na cidade de Januária, Norte de Minas Gerais. Um município com aproximadamente 70 mil pessoas.
“Quando se tem um médico trabalhando numa cidade com este perfil, o cenário muda bastante. As pessoas não vão morrer mais de diarreia ou de pneumonia, como morriam nos anos 1990, por falta de um diagnóstico precoce”, afirma.
Ana Paula Dias de Sá, que atua há 11 anos na saúde pública e foi supervisora do Programa Mais Médicos, concorda. A formação acadêmica dos médicos no Brasil, em sua opinião, falha ao focar na especialização em detrimento da escuta, do reconhecimento das condições de vida, do exame clínico do paciente.
“No final da década de 1950, o Brasil foi fortemente influenciado pelo chamado modelo Flexneriano, que fragmenta a medicina em especialidades onde o que importa é saber cada vez mais de menos”, completa Dias de Sá.
Ela lembra que as transformações ocorridas no modelo de medicina brasileiro e perfil profissional começaram a ter algumas transformações nos governos do PT.
“É uma profissão elitista e os governos do PT é que ousaram mexer na ferida. Se a formação de médicos não é pautada em valores humanitários, em modificar as condições de saúde do povo, como é que teremos médicos imbuídos disso?”, questiona.
Prejuízos
A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) divulgou carta aberta sobre a retirada dos profissionais cubanos do Mais Médicos, onde destaca a importância do programa na redução do déficit de médicos na Estratégia Saúde da Família – responsável pela redução da mortalidade infantil à diminuição de internações por condições sensíveis à Atenção Primária à Saúde.
“Em um ano do programa alcançou-se uma cobertura de mais de 90% do quantitativo de profissionais demandados inicialmente pelos municípios e reduziu-se na ordem de 75% no número de municípios com menos de 0,1 médico por mil habitantes”, diz a carta.