A produção audiovisual brasileira amadureceu junto com a democracia. E o projeto estimula linguagem do cinema em tradicional espaço de resistência: o bar
por Gabriel Valery, da RBA publicado 05/10/2018 16h10
WIKKICOMMONS
‘Com o empoderamento da extrema-direita corremos um risco real’
São Paulo – No dia em que os brasileiros comparecem às urnas, o projeto Cine Birita propõe aliar três elementos que se conversam: eleições, cinema e cerveja. Após fechadas as urnas neste domingo (7), às 17h, o coletivo que promove sessões de filmes independentes em bares de São Paulo exibe quatro produções no bar Zero 11, que fica no Jardim Paulista, centro da capital. O bar abre logo que a votação termina e os filmes começam às 19h30.
“Seu candidato se elegeu? Venha tomar uma para comemorar! Seu partido do coração ficou de fora do segundo turno? Venha afogar as mágoas!”, afirmam os organizadores. Um deles, o jornalista Danilo Motta, conversou com a RBA sobre a mostra que chega à sua segunda edição. Ele lembra que o cinema, assim como outras expressões artísticas, são dependentes de liberdade de expressão, uma característica da democracia, que pode estar ameaçada neste pleito.
Isso, porque o candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSL), flerta com movimentos autoritários e defende abertamente a ditadura civil-militar (1964-1985), que oprimiu e censurou movimentos artísticos, incluindo o cinematográfico, naqueles anos sombrios. “Eu acredito que estamos em uma encruzilhada face à possibilidade da ascensão ainda mais violenta de uma extrema-direita obscura e autoritária, o que não combina em absolutamente nada com o ambiente de liberdade de pensamento que a arte exige”, disse.
A natureza de regimes autoritários atenta contra a diversidade, um cenário que o país já começa a vivenciar, como argumenta Danilo, que estuda cinema e está produzindo seu quarto curta-metragem.
“Hoje já temos exposições de arte sendo censuradas, livros sendo rasgados e tantas outras formas de cerceamento. Com um eventual empoderamento desses grupos de extrema-direita, corremos um risco real de episódios como esses serem cada vez mais recorrentes.”
O objetivo do projeto é justamente promover a pluralidade da produção audiovisual brasileira, que vem crescendo exponencialmente na última década, tanto em qualidade, quanto em variedade e importância.
Muito disso fruto de incentivos do Estado, com a promoção de políticas públicas criadas em governos petistas, como a Lei da TV Paga, de 2011, que prevê que 30% da programação de canais estrangeiros no Brasil precise ser de produções nacionais, e o Condecine das Teles, também de 2011, que direciona parte de impostos recolhidos de empresas de telecomunicações para o incentivo ao audiovisual.
Danilo ressalta a variedade da produção nacional. “Desde que abrimos as inscrições do Cine Birita, dia 31 de agosto, já recebemos mais de 210 curtas. Isso mostra o quanto é extensa e diversificada a produção independente atual. Recebemos filmes políticos, histórias de amor, curtas experimentais, animação, documentários, etc… Cada um com uma estrutura diferente de produção, equipamentos e orçamentos. Então, temos uma cena extremamente rica que exige cada vez mais espaços de exibição e o Cine Birita surge para somar como mais uma opção para dar vazão à produção.”
Serviço
A primeira edição aconteceu no dia 26 de setembro, no Café dos Bancários, no centro da cidade. Após o segundo encontro de domingo, já está sendo organizada uma nova edição para o dia 14.
Conheça os filmes que serão exibidos
O bar Zero 11 fica na Rua Peixoto Gomide, 155, Jardim Paulista, São Paulo
Lugar de quê? – Dir. Karina Orquidia – Cinco pessoas são convidadas a responder sobre o lugar delas no mundo. Filmado em Estúdio de Cinema, esta tarefa se torna estranha quando há uma postura ambígua na relação entre a diretora e os entrevistados.
A estranha velha que enforcava cachorros – Dir. Thiago Morais – Inspirado no conto Pio Oficio, do escritor amazonense Carlos Gomes, retrata a relação de um homem com uma estranha beata, em uma pequena trama que envolve um imaginário fantástico.
Agora se vira, meu bem – Dir. Elisa Aleva – O filme, baseado nos textos de Lígia Gomes, mãe da diretora, traz o fluxo de pensamentos da personagem, que questiona a origem do sofrimento. A dor sempre acompanhou o ser humano, e cada indivíduo aprende a usar esse termo através de suas experiências anteriores.
Love Frames – Dir. Gustavo Santos – Um criador desenha a garota perfeita de seus sonhos e ela se torna real. Com o tempo ela toma controle de seu lápis e se volta contra ele. Agora o mesmo precisa retomar o controle sobre sua criatura antes que seja tarde demais.