Havana (Prensa Latina) Meio século após o inesquecível discurso de Martin Luther King, o racismo persevera em ser uma matéria pendente para os Estados Unidos, onde estão ativas leis discriminatórias tanto no âmbito federal como nas jurisdições estaduais.
O mais famoso dos líderes negros norte-americanos pronunciou seus célebres quatro palavras (“I have a dream”) em 28 de agosto de 1963 em um auditório de 250 mil compatriotas que se reuniram no Lincoln Memorial ao final da Marcha pelo Trabalho e a Liberdade.
Foi um discurso carregado de força emocional e política, dirigida a uma comunidade afro-americana que quase havia perdido a esperança e a um século do final da escravatura, continuava vivendo sob indignas variantes desse flagelo.
Luther King liderou aquela demonstração histórica poucas semanas depois que chocantes cenas de atropelo foram registradas em Birmingham, Alabama, onde policiais sob as ordens do delegado Theophilus Connor agrediram com cães manifestantes negros.
Foi o mesmo verão em que o presidente John F. Kennedy, que não podia evitar o racismo em sua própria terra, pronunciou seu também famoso discurso de Berlim. Falou em alemão e exortou ” garantir a liberdade individual das pessoas” depois da chamada Cortina de Ferro.
A March on Washington for Jobs and Freedom foi sobretudo uma manifestação de pacifismo cívico, uma das principais pautas programáticas de King, e ainda que esteve monitorada sempre por 19 mil policiais, só quatro manifestantes (todos brancos) foram presos.
Desde o boicote contra o transporte de Montgomery iniciado por Rosa Parks em dezembro de 1955, na orientação ideológica da comunidade negra também tiveram impacto outros líderes políticos como Malcom X, Stokely Carmichael, H. Rap Brown, Eldridge Cleaver e Bobby Seale.
No entanto, 50 anos após aquelas lutas sociais, os sonhos de Luther King cumpriram-se só pela metade, apesar de que o primeiro presidente afro-americano, Barack Obama, planeja homenagear a data na próxima quarta-feira 28 de agosto.
Junto ao palco atual de um Chefe de Estado negro na Casa Branca, persistem no norte país leis racialmente intrusivas e localmente discriminatórias nos estados sulistas como as duas Carolinas, Arkansas, Texas e Flórida.
Uma organização não governamental de Syracuse, Nova York, anunciou que estará com Obama no dia 28 em Washington para relembrar Luther King e, ao mesmo tempo, denunciar a situação de pobreza, insalubridade, desemprego e baixos modelos sociais em que vivem muitos negros estadunidenses hoje em dia.
Walt Dixie, porta-voz do grupo National Action Network, apontou que a frase “I Have a Dream” (tenho um sonho) choca com leis vigentes como Stand Your Ground (dispara primeiro, em Flórida) ou a recente modificação da Voting Rights Act (sobre direitos do eleitor).
Dixie recordou que porta-vozes da sociedade ultraconservadora como Rush Limbaugh, Michael Savage ou Bill Bollom transmitem programas de rádio ou boletins periódicos onde difundem os conceitos mais racistas.
Em julho último organizações comunitárias, celebridades, foros civis e representantes da esfera política estadunidense propuseram boicotar ao estado de Flórida devido à sentença judicial a favor de George Zimmerman.
Um tribunal no estado sulista considerou não culpado de assassinato ao vigilante privado, apesar de várias evidências que o responsabilizam pela morte a sangue frio do jovem afro-americano Trayvon Martin.
Se concretizar-se o isolamento, a operação seria similar à aplicada em 2010 contra o estado de Arizona, que perdeu 141 milhões de dólares quando numerosos grupos suspenderam convenções que tinham programada nesse território.
A principal crítica contra Arizona era a lei S.B. 1070, a qual criminalizava à imigração ilegal; no caso de Flórida os demandantes exigem a invalidação da polêmica legislação “dispara primeiro”.
Este regulamento, usada como argumento da defesa no julgamento contra Zimmerman, estabelece que os cidadãos podem abrir fogo contra sujeitos suspeitos que invadam suas propriedades sem que medeie um alerta prévio.
O Centro para o Progresso Americano, o cantor Stevie Wonder, o líder político Martin Luther King III, vários sindicatos de advogados, sindicalistas e ativistas comunitários exortaram o resto do país a não comprar artigos comerciais floridanos.
Outro regulamento em vigor e sub-repticiamente discriminatório é a Ata de Sentenças de 2010, que impõe o mesmo tempo de prisão pela posse de cinco gramas de crack (consumido em sua maioria por afro-americanos) que por 500 gramas de pó de cocaína, usado por muitos viciados brancos.
Um novo exemplo de retrocesso legal foi o veredito em junho da Corte Suprema, que desabilitou um artigo da Ata de Direitos do Eleitor (ADV) relacionado com a revisão judicial para evitar eventuais procedimentos racistas em eleições gerais.
Com uma votação de cinco contra quatro, o máximo tribunal norte-americano desativou um parágrafo da legislação, segundo o qual o Departamento de Justiça estava obrigado a identificar os estados que requerem uma maior supervisão federal.
A ADV ou Voting Rights Act foi sancionada em 1965, entre outras razões, para combater as práticas discriminatórias contra a comunidade afro-americana, muito estendidas por aquela época.
No entanto, nos últimos cinco anos territórios tradicionalmente conservadores como Alabama, Arizona ou Texas trataram de impugnar o regulamento ao considerar que alguns preceitos interferem com a soberania dos estados.
O magistrado chefe John Roberts esclareceu que a decisão não significa uma invalidação total da ata, senão que o Congresso federal deverá buscar novas fórmulas para julgar aos sistemas eleitorais estaduais.
Grupos defensores dos direitos humanos como o Pew Charitable Trusts recordaram que, apesar da vigência da ADV, Carolina do Sul e Georgia implementaram subtis procedimentos segregacionistas baseados no requerimento de identificação para eleitores.
*Chefe da redação da América do Norte de Prensa Latina.