O Brasil sediará, pela primeira vez, o Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM). Com o mote “Feminismo em marcha para mudar o mundo”, a nona edição do evento ocorrerá entre 25 e 31 de agosto em São Paulo, no Memorial da América Latina.
Cerca de 1,6 mil ativistas de 40 países e 18 estados brasileiros participarão do encontro, que terá como pautas o combate ao machismo, a autonomia sobre o corpo, a auto-organização das mulheres e a questão dos territórios, dentre outros temas.
Além de debates, oficinas e atividades culturais, as mulheres promoverão uma mobilização pelas ruas da capital paulista em 31 de agosto, que deverá contar com 10 mil feministas.
Fortalecer
O 9º Encontro Internacional da MMM terá diferentes momentos e objetivos. Um deles é a escolha do novo secretariado da Marcha, que está no Brasil desde 2006 e passará para outro país.
O evento também será um espaço de intercâmbio entre as experiências da luta feminista em vários países. A ideia central, segundo a integrante da coordenação nacional da Marcha, Conceição Dantas, é consolidar o movimento feminista, dando continuidade à agenda das mulheres que está em curso no Brasil e em outros países.
“Vamos fortalecer, com esse encontro, a lógica de que só mudaremos a vida das mulheres se a gente transformar o mundo e só mudaremos o mundo se transformarmos a vida das mulheres”, diz.
O evento também será o pontapé inicial da quarta grande ação internacional do movimento, que será realizada em 2015.
Origem
A inspiração para a criação da Marcha Mundial das Mulheres partiu de uma manifestação realizada em 1995, em Quebec, Canadá, quando 850 mulheres marcharam 200 quilômetros, pedindo, simbolicamente, Pão e Rosas. A ação marcou a retomada das mobilizações das mulheres nas ruas e significou também uma crítica ao sistema capitalista.
Cinco anos depois, surgia a Marcha Mundial das Mulheres, que realizou em 2000 sua primeira grande ação internacional, reunindo mulheres de 159 países em uma campanha contra a pobreza e a violência. As ações foram iniciadas em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e terminaram em 17 de outubro, organizadas a partir do chamado “2000 razões para marchar contra a pobreza e a violência sexista”.
Um dos méritos da MMM, para Conceição Dantas, foi recuperar a ideia de mobilização no movimento feminista. Durante a década de 1990, lembra ela, os debates sobre as questões das mulheres ocorriam a portas fechadas, ficando restritas às reuniões da Organização das Nações Unidas e a conferências internacionais.
Para as militantes da Marcha, no entanto, é essencial ir além e levar a discussão para as ruas.
“Queremos, cada vez mais, fortalecer uma agenda em que o feminismo seja um movimento verdadeiramente de massas, que consiga mobilizar multidões para transformar o mundo e a vida das mulheres”, afirma.
A realização dos Fóruns Sociais Mundiais contribuiu para a internacionalização do movimento, que hoje está presente em quase 70 países de todos os continentes.
Além da ação em 2000, duas outras grandes ações ocorreram em 2005 e 2010. Esta última, no Brasil, foi marcada por uma caminhada entre as cidades de Campinas e São Paulo entre 8 e 18 de março, com presença de cerca de 3 mil participantes.
Outro modelo
Dentre os princípios da Marcha, estão a organização das mulheres urbanas e rurais a partir da base para a superação do sistema capitalista patriarcal. O entendimento é de que as desigualdades de gênero só serão efetivamente superadas com a adoção de outro modelo de desenvolvimento. Por isso, explica a integrante da Marcha Mundial das Mulheres Tica Moreno, é preciso conduzir a militância feminina para além da reivindicação de políticas públicas em nível institucional.
“Para conseguir igualdade, autonomia e liberdade para todas as mulheres não basta conquistar algumas leis. Tem que ter capacidade para alterar a correlação de forças e transformar as relações sociais de opressão entre os homens e as mulheres e as relações anticapitalistas”, garante.
Neste sentido, pontua Tica, está a importância da aliança com movimentos sociais mistos, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores e diversas outras organizações. Além de pensar em estratégias comuns de mobilização, as articulações possibilitam incentivar o feminismo dentro de cada movimento.
“Não é só apresentar uma agenda geral e depois lembrar das mulheres”, esclarece Tica. “O conjunto dos movimentos sociais que estão em luta para transformar a sociedade precisam incorporar a igualdade entre homens e mulheres como um princípio”, completa.
Violência
Dentre os avanços do movimento feminista no mundo, para Conceição Dantas, está a auto-organização permanente das mulheres e a conquista de melhorias em alguns setores, como no trabalho e na educação. Entretanto, ela lembra que os avanços não se estenderam a todas, ficando de fora justamente as mulheres mais pobres.
“Tem muitas mulheres que ainda sofrem violência e que ainda não conseguem ter uma relação de igualdade. Uma pequena parte das mulheres conseguiu ter avanços”, diz.
A violência é um dos aspectos que mais preocupa. De acordo com um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de um terço de todas as mulheres do mundo é vítima de violência física ou sexual. Os índices, para a entidade, representam um problema de saúde global com proporções epidêmicas.
No caso do Brasil, a aprovação da Lei Maria da Penha, há sete anos, é considerada uma conquista importante do movimento feminista na luta contra a violência doméstica. Entretanto, segundo Tica Moreno, as agressões sexuais cometidas em locais públicos são outra realidade a ser enfrentada.
Segundo dados da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, estima-se que, a cada 12 segundos, uma mulher é estuprada no Brasil. Outra estatística, esta do Ministério da Saúde, indica que de 2009 a 2012, os estupros notificados cresceram 157%.
Os estupros coletivos também são uma preocupação. No Piauí, só em 2013 foram registrados quatro casos de estupros coletivos – uma das vítimas é portadora de deficiência física e mental. Também este ano, no Rio de Janeiro, uma turista estadunidense foi violentada sexualmente oito vezes durante o assalto a uma van. Os mesmos homens foram acusados por dois outros casos semelhantes.
Outro episódio que ganhou repercussão ocorreu em 2012, com o estupro de cinco mulheres durante uma festa de aniversário em Queimadas, no agreste paraibano. Os estupros, que resultaram em duas mortes, seriam um “presente” para o aniversariante.
Além do fim da violência contra as mulheres, Conceição elenca como desafios a serem superados o fim da mercantilização do corpo e da imposição da beleza para as mulheres, problemas que afetam diretamente as brasileiras.
Outra luta importante, de acordo com ela, é a descriminalização e legalização do aborto, caminho que guarda muitos obstáculos.
“Temos uma sociedade conservadora, que utiliza o argumento religioso para fortalecer os seus argumentos tradicionais, conservadores e de direita”, ressalta.
Por Patrícia Benvenuti, da Redação do Brasil de Fato