São Paulo – A destinação dos royalties do petróleo e de 50% do Fundo Social do pré-sal para educação, aprovadas na última quarta-feira (26) pela Câmara dos Deputados, complementará o orçamento nacional para ensino público, mas não deve fazer grande diferença na execução do Plano Nacional de Educação (PNE), segundo o consultor Luiz Araújo, especialista em financiamento da educação. Isso porque a verba está ligada a contratos futuros, que só devem começar a render lucros a partir de 2017.
“Quando a verba entrar já estaremos na metade do plano. Nenhuma das propostas traz recursos imediatos. Se tivéssemos aprovado a destinação dos royalties de todos os contratos teríamos pelo menos mais R$ 15 bilhões já para o ano que vem”, explica Araújo, que foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entre 2003 e 2004. “Os contratos estão sendo concessionados agora, mas não se sabe quando vão começar a produzir. A principal jazida do pré-sal, por exemplo, ainda não foi leiloada.”
Ainda assim, ele considerou a aprovação da Câmara como positiva. A proposta seguiu para o Senado na quarta-feira (26), quando foi aprovado um requerimento para que tramite em regime de urgência. A expectativa dos senadores é que a destinação dos recursos do petróleo para educação seja votada já na semana que vem, dentro do pacote de projetos tratados como prioridade para oferecer respostas institucionais aos protestos realizados nas últimas semanas em todo o país.
Araújo atenta que a maior conquista não foram os royalties do petróleo, mas sim de metade do Fundo Social do pré-sal para a educação. Isso porque todo dinheiro arrecadado pelo pré-sal vai para um fundo social usado para estabilizar a economia. A proposta do governo era de que metade dos juros originados dessa movimentação fosse investido em educação. “Quando foi para a Câmara a proposta foi alterada. Manteve-se a redação do governo, dos royalties futuros, mas colocou-se 50% do montante todo do pré-sal para educação, e não só dos dividendos. Aí é um valor mais consistente. A mudança é algo em torno de R$ 400 bilhões para R$ 500 bilhões”, estima.
O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, concorda. “Os royalties rezam sobre a área de concessão muito pequena. O bilhete premiado é o pré-sal, onde o Brasil tem muito petróleo de boa qualidade. Nós ganhamos do mercado financeiro. Esse dinheiro ia ser colocado no mercado financeiro e agora será utilizado para pagar salários de professores”, comemora.
O ministro da Educação observou que os royalties são uma riqueza não renovável e que, portanto, vai acabar. “Precisamos utilizá-lo em cima de uma visão estratégica para o país. Por isso, a educação é que vai criar a base para que a gente possa viver em uma economia sem petróleo”, afirmou Mercadante, em entrevista coletiva.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) também celebra a aprovação. “Essa questão de destinar riquezas do petróleo para educação surgiu na UNE, em janeiro de 2009, quando aprovamos em conjunto com um conselho de entidades nossas que essa riqueza do petróleo brasileiro deveria ser destinada para educação e não se voltar para interesses do mercado externo, como em outros ciclos econômicos do Brasil, como o açúcar e a borracha”, disse a presidenta da entidade, Virgínia Barros, em entrevista à TVT.
Mais recursos
O financiamento da educação no Brasil é dividido entre União, estados e municípios, com mínimos de investimentos garantidos por lei. O governo federal destina para o setor 18% do total de impostos, que podem ser usados para custear a merenda escolar, a estruturação de bibliotecas e a manutenção das escolas.
Os estados e os municípios investem 25% dos impostos em educação, que compõem o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que em 2012 distribuiu R$ 106,7 bilhões aos estados, segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A esse montante soma-se uma complementação da União ao Fundeb, que equivale a 10% do total que os estados e municípios destinam ao fundo. Esse dinheiro pode ser usado para pagamento de profissionais da educação, obras e compra de materiais específicos para educação física, além de custear transporte escolar, realizar avaliações oficiais e comprar material escolar, uniformes, livros didáticos, computadores e mobiliário.
Ao investimento da União, dos estados e dos municípios e à complementação do Fundeb soma-se ainda o Salário Educação, que equivale a 2,5% do total da folha de contribuição das empresas. Esse item representou R$ 14,9 bilhões em 2012. A verba pode ser usada para remuneração de profissionais, aquisição de materiais, realização de obras, aluguel de imóveis, realização de pesquisas estatísticas, trabalhos de campo e concessão de bolsas de estudo.
Confirmada a aprovação do projeto de lei, seriam somados a essas fontes de financiamento os 75% dos royalties do petróleo e 50% do fundo social do pré-sal.
Mais financiamento
Apesar da incorporação de verbas do petróleo para o setor, especialistas defendem um financiamento mais robusto, em especial os 10% do Produto Interno Bruto (PIB), previstos no PNE. O orçamento atual corresponde a 6,1% do PIB de 2012, e é resultado da soma dos 18% dos impostos da União e dos 25% dos estados e municípios.
“O volume de recursos necessários é muito maior que o que vai vir pelo pré-sal. Seria preciso aumentar a vinculação dos estados e municípios e ter outras fontes de financiamento”, diz Araújo.
Durante a tramitação do plano na Câmara foram feitas propostas para aumentar o financiamento do setor, “mas nenhuma foi acatada”, segundo o especialista. “Uma delas era mudar a lei que estabelece que o lucro das estatais em vez de ir para o superávit primário para pagar dívidas, fosse investido na educação. Só isso já seria igual ao que foi aprovado sobre o petróleo e viria mais rápido, além de não se atrelar o financiamento da educação a uma fonte finita.”
O Plano Nacional de Educação, que estabelece 20 metas que o país deverá atingir em dez anos, está em tramitação desde 2010. O projeto ficou cerca de um ano e meio na Câmara e chegou ao Senado em janeiro deste ano. A expectativa de Araújo é que, com a pressão das ruas, a votação comece já na próxima semana a ser apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça, com relatoria do senador Vital do Rêgo (PMDB), e pela Comissão de Educação e Cultura, ainda sem relator definido. Na sequência seguirá para plenário.
O texto final já vincula à educação todos os royalties do petróleo nos contratos celebrados a partir de 3 de dezembro de 2012, que seria a principal fonte de recursos para a União bancar a ampliação gradual dos seus investimentos, até chegar aos 10% do PIB. O documento considera investimento em educação não apenas o dinheiro aplicado nas escolas e universidades públicas, mas também o investido em programas que repassam dinheiro para instituições privadas, como o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Programa de Financiamento Estudantil (Fies).
“O que nós defendemos é dinheiro público para educação pública. O governo quer manter os 10%, mas com o total, que financia programas em instituições privadas. Então, na verdade o que fica para educação pública seria 8% do PIB, que era a proposta do governo”, diz Araújo.
Cara concorda. “Esperamos que os deputados e os senadores tenham clareza que a prioridade é a educação pública. As manifestações pautaram melhorias dos serviços públicos e acesso a direitos sociais. Estabelecimentos privados podem existir, mas não tenho dúvida de que a prioridade deve ser a educação pública. O problema é os senadores entenderem isso.”
Em São Paulo, a presidenta do sindicato dos professores da rede pública (Apeoesp), Maria Izabel Noronha, a Bebel, destacou a força do movimento das ruas. “Somos governados pelo PSDB há 20 anos no estado, nunca obtivemos melhorias a educação no período e tampouco vimos um levante da sociedade, o que significa que as recentes manifestações já deixam um legado positivo”, assinala.
Bebel observa, entretanto, que os movimentos dos profissionais e especialistas na área de educação acumulados é que ajudam a pautar a abordagem do tema pelo Congresso. “Há tempos vínhamos reivindicando os 10% do PIB e para que os recursos públicos sejam destinados exclusivamente para o ensino público.”
por Sarah Fernandes, da RBA