Por Natalia Lima Araújo
Um relato dos protestos de 26 de março no Brasil
Apesar do Brasil não estar recebendo um número elevado de migrantes, a narrativa do “estrangeiro” como um perigo começa a ressurgir por aqui, justo quando o país está prestes a modificar sua legislação migratória
No dia 26 de março a direita saiu às ruas em todo o Brasil. Apesar de os protestos terem sido convocados com o intuito de defender a reforma da previdência, apareceu uma miríade de pautas, que iam desde questões econômicas até questões de cunho moral. Surgiram pontos como a defesa da reforma da previdência, do direito irrestrito de portar armas, da operação Lava Jato, da Polícia Federal, além da proibição do financiamento público de campanhas e contra a nova Lei de Migração.
Em tempos de crise (social, econômica e política, em nosso caso) é sempre conveniente encontrar um bode expiatório para os problemas do país. Nesses casos, a suposta culpa recai sobre os grupos mais vulneráveis da sociedade, como imigrantes, mulheres, negros e LGBTs. Apesar de o Brasil não estar recebendo um número elevado de imigrantes e refugiados, a narrativa do “estrangeiro” como um perigo começa a ressurgir por aqui, justo quando o país está prestes a modificar sua legislação migratória.
A nova Lei de Migração, alvo de reclamações conservadoras dos manifestantes da direita, é o marco regulatório que está em tramitação para substituir o famigerado Estatuto do Estrangeiro. A legislação atual é de 1980, da ditadura militar, e é baseada na obsessão securitária que vê no imigrante uma ameaça sobretudo ideológica, que representa a invasão do comunismo no país. Em tempos de intolerância política, esse tipo de discurso ganha força. Correspondendo à lógica da segurança nacional, o Estatuto do Estrangeiro é restritivo quanto aos direitos de imigrantes e mais que exigente quanto aos deveres.
Ávida por encontrar um culpado para as nossas crises, esses grupos conservadores buscam despertar nas pessoas o sentimento de medo. No ato do dia 26 de março, uma liderança desses grupos, falando no carro de som em plena Avenida Paulista, afirmou que a nova Lei de Migração “escancara nossas fronteiras e coloca para dentro quem quiser entrar”. Acrescentou ainda que isso irá sobrecarregar os serviços públicos – como se fossem os migrantes os responsáveis pela má qualidade dos serviços públicos no Brasil, historicamente negligenciados pelo poder público.
Essa liderança disse também que, no período de um ano, irá entrar no país uma quantidade de “estrangeiros” equivalente à atual população brasileira e que isso poderá até modificar a língua materna – sem apresentar dados que de fato embasem essas afirmações. O elemento novo dessa narrativa – muito comum em discursos xenófobos – é que agora estão dizendo que “os fluxos migratórios ocorrem porque o Partido dos Trabalhadores (PT) teria perdido maioria e que estaria tentando importar pessoas para compor uma nova maioria”.
Discurso semelhante ocorreu às vésperas da votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, em abril de 2016. Na época, correu o boato de que três ônibus com migrantes de países vizinhos ao Brasil estariam a caminho de Brasília em apoio ao governo Dilma. Na verdade os veículos, parados pela Polícia Rodoviária Federal no Estado de Goiás, eram alugados pelo Grupo Sion, que atua na Bolívia e estava a caminho de Goiânia para um evento corporativo, e seus ocupantes eram bolivianos funcionários da empresa.
O boato da invasão foi desmentido tanto pelo grupo imobiliário como pela Polícia Rodoviária, mas o estrago já havia sido feito… Nas matérias publicadas sobre o assunto, nenhuma menção ao fato de que o Estatuto do Estrangeiro é uma herança da ditadura militar e que, inclusive, vai contra a Constituição Federal que está em vigor, de 1988. Em seu Artigo 5º, a Carta Magna deixa bem claro que “os direitos são iguais para todas as pessoas que vivem no território nacional, tanto brasileiros como não-brasileiros.
Voltando à fala xenofóbica na Paulista, a liderança perguntou à plateia quem já tinha ouvido falar sobre a nova Lei de Migração. Quase ninguém levantou a mão. Não havia muitas pessoas no protesto, é verdade; ainda assim é assustadora a quantidade de pessoas que, por desconhecimento, tomará esse discurso como verdade.
Em um período em que mentiras cabeludas conformam o conjunto de nossas narrativas políticas, o que menos precisamos é de mais uma inverdade.