Rio de Janeiro – Com o objetivo de chamar a atenção para o tema dos direitos sexuais e reprodutivos, com ênfase no acesso de mulheres e meninas a esses direitos, a organização não governamental Anistia Internacional, com atuação em mais de 150 países, lançou este mês, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher, a campanha Meu Corpo, Meus Direitos.
A assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional Brasil, Renata Neder, disse à Agência Brasil que a campanha é uma forma de preparar o mundo para a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo+20), que ocorrerá no Egito no ano que vem, 20 anos após a primeira conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o tema, promovida naquela capital, em 1994.
Renata destacou a importância da primeira conferência do ponto de vista de garantia dos direitos das mulheres, especialmente os direitos sexuais e reprodutivos. Apesar de o evento só ocorrer em 2014, este ano serão promovidos diversos eventos nos quais o tema será debatido pelos chefes de Estado.
A campanha pretende pedir aos líderes mundiais que garantam, durante a Cairo+20, os direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e meninas também para as futuras gerações. Renata Neder ressaltou a importância de se garantir determinados tratados e convenções no plano internacional, “porque isso se torna um compromisso dos países em implementar políticas públicas nacionais que garantam esses direitos”.
Os direitos sexuais e reprodutivos englobam, entre outras coisas, o acesso à informação sobre saúde sexual e reprodutiva, a métodos anticoncepcionais, a serviços de saúde em geral e, em especial, ao atendimento de saúde específico da mulher, e ao acompanhamento médico durante a gravidez. “Isso foi reforçado na Conferência do Cairo e os países se comprometeram a implantar políticas públicas que garantam esses direitos, declarou a assessora.
Vinte anos depois, a Anistia Internacional avalia, porém, que pouco se avançou nesse campo. “Houve alguns avanços, principalmente na área da saúde pré-natal, mas ainda existem muitos problemas de acesso aos serviços e à informação e a métodos anticoncepcionais”. Renata manifestou o receio que, durante a Conferência do Cairo, em 2014, haja um retrocesso na garantia desses direitos.
Por isso, a campanha global apresenta uma petição que tem a meta de recolher 50 mil assinaturas. O documento será entregue este ano às autoridades dos países participantes e aos chefes de Estado que estarão no Cairo, em 2014, no evento da ONU. Até agora, foram coletadas quase 2 mil assinaturas. A petição online pode ser acessada na página da campanha, ao longo deste ano, no endereço: anistia.org.br/MeuCorpoMeusDireitos.
A ideia é pressionar os chefes de Estado para que reafirmem o compromisso desses direitos. Renata Neder lembrou o caso da brasileira Aline Pimentel,de 28 anos, negra, moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense que, em 2002, estava grávida de 27 semanas e procurou uma casa de saúde particular porque não estava se sentindo bem. Receitada, ela voltou dias depois com uma piora no quadro de saúde, apresentando hemorragia e com o feto morto. O parto foi então induzido, mas Aline sofreu nova hemorragia, foi transferida para um hospital público, mas morreu. “Entre a primeira ida da Aline ao hospital e a sua morte se passaram cinco dias. Houve tempo suficiente para um atendimento de saúde de qualidade, mas esse atendimento não ocorreu”, destacou.
Renata lembrou que o caso de Aline ganhou divulgação internacional. O comitê da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw) da ONU condenou o governo brasileiro, em 2011, a reparar a família de Aline Pimentel, inclusive financeiramente, além de implementar uma série de recomendações sobre serviços de saúde. “Infelizmente, isso é uma tragédia cotidiana”, lamentou.
De acordo com dados da ONU, cerca de 800 mulheres morrem por dia durante a gravidez e o parto. Ainda segundo a ONU, crianças e adolescentes na faixa etária dos 10 anos aos 19 anos representam 70% dos casos de morte em hospitais devido a abortos inseguros. “É importante a gente trabalhar ao longo deste ano e fazer pressão sobre os chefes de Estado para que, ao chegar na Conferência Cairo+20, no ano que vem, eles estejam comprometidos a reafirmar os direitos sexuais e reprodutivos [das mulheres] e implementar em seus países as políticas públicas que vão estar em linha com esses compromissos”, ressaltou Renata Neder.
A petição online pede o acesso universal a serviços de saúde sexual e reprodutiva, educação sexual abrangente e outros programas que levem os jovens a conhecer o seu corpo e a exercer seus direitos, além de políticas que deem às mulheres o protagonismo na definição das políticas públicas de saúde feminina e o respeito à promoção e à proteção dos direitos sexuais e reprodutivos.
O Brasil também é incluído na lista de países onde existem desigualdades no acesso à saúde da mulher. Dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente a 2009 mostra que há diferenças entre mulheres negras e brancas. “De acordo com o levantamento do IBGE, 22,9% das mulheres brancas não fazem nenhum tipo de exame médico durante a gravidez. Esse número sobe para 33,9% entre as mulheres negras. Então, a gente vê que existe também uma questão racial no acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva da mulher”, disse a assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional Brasil.
Matéria de Alana Gandra, Repórter da Agência Brasil