Ao caminhar pelas ruas do conjunto de favelas do Alemão e da Vila Cruzeiro foi possível perceber que o número de queixas contra as forças de segurança era muito maior do que aquele veiculado pelo poder público.
Os militantes da Rede que estiveram no Complexo do Alemão observaram, logo que entraram na rua Joaquim de Queiroz, algo que se tornou muito comum após a ocupação policial-militar: os bilhetes afixados nas portas das casas pedindo para que estas não sejam arrombadas. Em uma delas estava escrito o seguinte: “Senhores policiais militares, não arrombem minha casa, pois sou morador. Se quiser entrar na minha casa, a chave está com o vizinho ao lado. Qualquer coisa é só ligar”. Mas, apesar deste aviso, os policiais continuam entrando na casas, sem mandato judicial e utilizando-se da truculência.
Em seguida, ao continuarem a andar pela localidade, os referidos militantes perceberam que havia diversas máquinas caça-níqueis espalhadas pelas ruas. Observaram que estas estavam sem o compartimento em que fica guardado o dinheiro utilizado para jogar. Estas máquinas também foram vistas próximas a viaturas da polícia militar.
Na rua Canitá, muitas pessoas começaram a chamar os militantes e os jornalistas para denunciar arrombamentos e roubos cometidos por policiais, crimes recorrentes nas comunidades do Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro neste período. Um morador relatou o roubo de uma bicicleta e outra a de um laptop.
Dois casos chamaram a atenção, ambos relacionados a destruição da estrutura física das casas: no primeiro, policiais militares abriram um buraco na parede de uma casa alegando que estavam procurando dinheiro e drogas. Como não encontraram nada, foram embora. E o morador teve a sua casa destruída. No outro caso, uma situação parecida: uma casa muito pobre teve a porta arrombada por policiais militares, os poucos pertences foram jogados no chão e, por fim, fizeram um buraco na parede. A alegação era de que se tratava de uma casa de bandidos e estavam procurando drogas e armas. Contudo, como sempre, não encontraram nada. Se encontraram, foi apenas a pobreza da moradora em questão. Um irmão desta também sofreria com o mesmo grupo de policiais. Ele mora numa casebre, também muito pobre, acima e próximo da irmã e teve toda a sua moradia revirada e destruída. Novamente, os policiais nada encontraram.
Enquanto caminhavam pelas ruas do Complexo do Alemão, uma moradora local, que conseguiu, através de outros moradores, o contato dos militantes que visitavam a comunidade, ligou para estes dizendo que policiais do Bope estavam em sua casa naquele momento. Inicialmente, a revista não parecia truculenta, embora ainda sem mandato judicial. Contudo, ela relataria posteriormente que um dos policiais a questionaria insistentemente e de forma amendrontadora sobre o por que e para quem estava ligando. Em seguida, e de forma arbitrária, este agente tomaria o telefone celular de suas mãos para verificar os últimos números para os quais a referida moradora ligou.
Após isso, os militantes e os jornalistas que os acompanhavam foram a uma reunião convocada por algumas organizações para discutirem investimentos para a região. Chegando lá, um dos destes jornalistas estranhou o silêncio de boa parte das pessoas presentes sobre o grande volume de denúncias de violação de direitos humanos no local. Soube-se também que alguns moradores que achavam que poderiam denunciar, naquele espaço, algum tipo de arbitrariedade cometida pelas forças de segurança não o puderam fazer. Os militantes da Rede perceberam que ali não seria um espaço para discutir isso e decidiram sair da reunião e continuar a conversar com os moradores.
Em seguida, os militantes e os jornalistas seguiram para a Vila Cruzeiro. Nesta localidade, receberam várias denúncias de moradores (que, por medo, não quiseram se identificar), de que havia vários corpos na mata, e que muitos destes poderiam ser de inocentes mortos durante a invasão local pelas forças de segurança. Como é possível perceber, este é o tipo de denúncia que nenhum grande meio de comunicação veicula com frequencia, a não ser em raras exceções, como foi o caso das jornalistas Laura Capriglione e Marlene Bergamo (Folha de São Paulo) no dia 5 deste mês. Outra informação obtida foi a de que, por conta do aumento das denúncias e da ida às localidades em questão de instituições públicas como a Defensoria Pública, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, a Ordem dos Advogados do Brasil e diversas organizações de direitos humanos, policiais estariam retirando estes corpos da mata, com o objetivo de tentar esconder possíveis crimes cometidos por eles. Um dos agentes, segundo afirmaram moradores, teria dito o seguinte: “por causa desses filhos das putas dos direitos humanos, nós vamos ter que tirar essas porras de corpos para outro lugar”.
Postado por Patrick Granja