Por Baher Kamal
Pareceria uma versão moderna e sem fim das sete pragas do Egito: vaca louca, gripe aviária, pescado contaminado com chumbo, gripe suína e gafanhoto do deserto, a mais perigosa das pragas migratórias, sem citar a ferrugem agressiva, que coloca em risco os cultivos de trigo em três continentes. E tem mais. A contaminação de alimentos, que pode acontecer em qualquer momento da produção ou comercialização, adoece uma em cada dez pessoas no mundo, cerca de 700 milhões por ano, além de 420 mil mortes.
As enfermidades e pestes que afetam plantas e animais comprometem a disponibilidade e a higiene dos alimentos diariamente, além de outras várias substâncias contaminantes, afirma a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). “Isso acontece em fazendas, fábricas, em casa, em água salgada ou doce, ao ar livre e em meio a florestas densas”, detalha.
Seja em forma de patógenos, insetos ou substâncias tóxicas, os riscos agora se propagam mais rápido e para mais longe, o que dificulta a implementação de respostas efetivas e oportunas e coloca em risco o fornecimento de alimentos para a população, bem como a saúde e os modos de subsistência, quando não diretamente a vida, destaca a agência da ONU. Mais de 70% das novas enfermidades dos humanos são de origem animal, e correm o risco de se converterem em grandes problemas de saúde pública, aponta.
Por sua vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que a grande maioria das pessoas sofrerá uma enfermidade derivada dos alimentos consumidos em sua vida, o que destaca a importância de garantir que estes não estejam contaminados com bactérias, parasitas, vírus, toxinas ou químicos que possam ser perigosos. “Os alimentos podem ser contaminados em qualquer ponto dos processos de produção, distribuição e preparação. Todos na cadeia produtiva, do produtor ao consumidor, são responsáveis por garantir que o que comemos não cause doenças”, explica a OMS.
A FAO também recorda que, com o maior número de pessoas, plantas e animais que viajam, os patógenos também são trasladados. A agência alerta que, “com as pragas que ameaçam plantas e árvores, as doenças que passam de animais para humanos, os contaminantes que afetam a água e o solo, e as drásticas mudanças na variabilidade climática, não há limites para os riscos sobre a cadeia alimentar”. Além disso, ressalta que um terço da produção global de cultivos se perde a cada ano por causa de insetos ou enfermidades de plantas que podem se propagar por vários países ou de um continente a outro.
Vários fatores incidem nos perigos que pairam sobre a cadeia alimentar, como a agricultura intensiva, o desmatamento, o superpastoreio e a mudança climática. Também os conflitos e distúrbios e o comércio globalizado aumentam a probabilidade de que apareçam mais ameaças, que se propaguem de um país a outro e se tornem devastadoras nos novos países, adverte a FAO, e acrescenta que “os alimentos podem ser contaminados durante o processamento e a comercialização, e como é comum isso ocorrer em diferentes países, fica cada vez mais difícil identificar o ponto de contaminação”.
Para enfrentar o crescente número de doenças e pragas fronteiriças que afetam plantas e animais, a FAO publicou o documento Evitar os Riscos Para a Cadeia Alimentar, com uma série de ferramentas e métodos de prevenção para emergências. Nele mostra como a prevenção, os alertas, a preparação, a boa gestão da cadeia alimentar e as boas práticas podem melhorar a segurança e a proteção da mesma e, dessa forma, salvar vidas e modos de sustento.
“Proteger a cadeia alimentar ficou cada vez mais difícil em um mundo cada vez mais interconectado e complexo”, afirmou o diretor-geral adjunto da FAO, Ren Wang. “Por isso, acreditamos ser importante que os setores que participam da produção de alimentos, do processamento e da comercialização analisem as atuais e as possíveis ameaças e ofereçam respostas concertadas”, acrescentou.
O documento da FAO diz que o enfoque multidisciplinar permite oferecer respostas de forma oportuna, o que inclui o uso de novas tecnologias da comunicação para evitar e controlar as ameaças fronteiriças, facilitando o intercâmbio de informação.
Por exemplo, em Mali, Uganda e Tanzânia, os pecuaristas usam o EMA, um aplicativo para baixar em seus telefones celulares informação sobre doenças animais registradas no campo. Os dados são enviados em tempo real ao sistema Mundial de Informação sobre Enfermidades Animais (Empres-i), na FAO, de onde é compartilhado em escalas nacional, regional e global, o que facilita a análise oportuna para oferecer uma resposta rápida às enfermidades desde seu início.
Em Uganda, nos últimos anos, o sistema de vigilância mais que dobrou o número de enfermidades denunciadas no Centro Nacional de Epidemiologia e Diagnóstico de Enfermidades Animais, o que representa o alerta que necessitam os produtores de animais e agricultores para responderem melhor aos focos de doenças. As ferramentas móveis também foram desenvolvidas para supervisionar a ferrugem do trigo, uma doença causada por fungo que destrói os cultivos saudáveis, o que permitiu aos funcionários de extensão e às instituições de pesquisa trocarem informação de forma regular sobre sua ocorrência.
“O gafanhoto do deserto, a praga migratória mais perigosa, costuma colocar em risco o fornecimento de alimentos na África e na Ásia, pois um enxame de 40 milhões de gafanhotos é capaz de comer a mesma quantidade de alimentos que 35 mil pessoas”, adverte a FAO. Graças ao sistema eLocust3, foi melhorada a vigilância do gafanhoto, e agora é usado nos 19 países mais vulneráveis a essa praga.
O Marco de Gestão de Crises da Cadeia Alimentar, da FAO, publica uma vez por mês um novo informativo para ajudar os países membros e diversas instituições a enfrentarem as ameaças transfronteiriças, além de um boletim trimestral de alertas. A informação e a interconexão estão aí. Resta saber se os governos e as grandes corporações do setor da alimentação e agricultura reagem às pragas e a outros males, e quando.