Silvia Martínez/Prensa Latina Roma, Itália
Adequadas condições de vida e maior proteção para os migrantes menores de idade na Itália são exigidas de maneira constante ao governo pelas associações nacionais defensoras de seus direitos, reforçadas agora pela Corte Europeia de Direitos Humanos.
Esse tribunal internacional exigiu ao estado italiano que proporcione informação sobre a natureza do centro de recepção de Cona, em Veneza, ao norte desta capital, antigo quartel militar Silvestri, onde existem condições indignas de vida.
De igual modo pediu explicações sobre por que as crianças não foram acolhidas em lugares apropriados tal como é definido pela legislação nacional e internacional.
O fato chegou até essa instância em virtude da apelação realizada por três crianças e um adulto, queixosos da vida nesse lugar, o que fez com que fossem transferidos para outro mais apropriado.
Mas, tal como divulgou em comunicado postado na sua web a Associação de Estudos Jurídicos sobre Imigração (Asgi), outras crianças e adultos ainda estão em Cona, isolados, em condições desumanas, degradantes, insolúveis: sem calefação adequada para um período de temperaturas tão frias e onde a distribuição dos alimentos é feita em circunstâncias indignas.
Por essas razões solicitaram às autoridades competentes uma verificação imediata nesse centro de recepção sobre a presença de outras crianças, e pedem seu fechamento imediato.
Mas desde antes Asgi e outras organizações têm pedido a pronta aprovação de um projeto de lei sobre os direitos dos migrantes menores de idade na Itália, até hoje insuficientes, em poder do Comitê de Assuntos Constitucionais no Senado.
As disposições para a proteção dos menores estrangeiros não acompanhados é uma proposta do Parlamento, já aprovada pela Câmara, mas que desde outubro está parada nesta instância definitiva de aprovação.
Clamam pela pronta liberação do documento 27 organizações de defesa dos imigrantes estabelecidas no país, as que igualmente pedem um tratamento análogo para todos os menores, sejam ou não vítimas de tráfico.
Os migrantes menores de idade que chegaram à Itália em 2016, muitos dos quais viajaram sozinhos ou perderam seus pais na travessia, somaram 25.772, mais do dobro dos 12.360 reportados no ano anterior, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Essa cifra representa – aponta essa entidade – 91 por cento de todas as crianças que chegaram a este país como migrantes ou refugiados, a maioria de jovens entre 15 e 17 anos, provenientes da Eritréia, Egito, Gâmbia e Nigéria, embora nos desembarques recentes haja algumas com menos idade ainda, entre elas meninas expostas aos riscos de abusos e exploração sexual nas mãos das redes criminosas.
Garotas chegadas a costas italianas procedentes da Líbia, entrevistadas por operadores da Unicef, asseguraram que foram obrigadas a prostituir-se naquele país para pagar o custo da viagem através do Mediterrâneo, enquanto muitos rapazes foram forçados a realizar trabalhos manuais.
Uma vez no país, a maior dificuldade ainda hoje é conseguir determinar a idade dos menores de 18 anos, quase todos sem documentos, como requisito para determinar se têm direito a proteção e assistência.
No dia 6 de janeiro passado entrou em vigor o decreto 234/16 que define com precisão as práticas para determinar a idade das crianças vítimas de tráfico, para o que intervém um tribunal competente, e especialistas em saúde e outras disciplinas.
A poucos dias da saída deste Decreto, Asgi, junto a outras entidades solicitou ao presidente do Senado, Pietro Grasso, que suas disposições sejam aplicadas por analogia a todos os menores não acompanhados que chegam à Itália, ou seja, que sejam válidas também para aqueles não classificados como vítimas de tráfico.
Argumentam a esse respeito que a determinação da idade tem uma margem de erro de dois anos (com base na medida dos ossos do pulso) e ocorre que alguns adolescentes não são aceitos nas instalações para menores e frequentemente são deixados na rua com o risco de serem vítimas de exploração sexual ou de outro tipo, e inclusive serem expulsos do país.
Por sua condições teriam direito à proteção e assistência especiais, mas se encontram em um caos jurídico, em que as regras não estão presentes ou as existentes não protegem a todos, e muitos terminam erradamente entre os adultos, argumentam.
Algo que segundo as organizações ocorre de maneira cotidiana nos centros de acolhida e nas delegacias de polícia do país.
Para Elena Rozza, conselheira e assessora legal da Asgi há um vazio nas regulações para aqueles que não são reconhecidos como vítimas, por não existir comprovadamente um delito de tráfico, mas o simples fato de ter chegado até aqui em uma viagem de desespero na solidão deve ser considerado.
O crescente fluxo migratório através do Mediterrâneo, com suas repercussões dentro e fora do país, constitui hoje um foco de atenção da política italiana.
Segundo dados recompilados pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), até 8 de dezembro de 2016 o número de migrantes que desembarcaram na Itália chegou a 175.244, superando o recorde de 170 mil estabelecido para um período de 12 meses em 2014.
Para chegar até aqui, os migrantes africanos devem percorrer um longo e tortuoso caminho que pode levar meses ou anos e ao longo do qual são maltratados, humilhados e explorados em diferentes formas.
A maioria é proveniente da Síria Afeganistão e Iraque; os que desembarcaram na Itália procedem da Nigéria, Eritréia, Sudão, Gâmbia, Costa do Marfim, Guiné, Mali e Senegal, fundamentalmente.
A recepção dos resgatados no mar nas operações coordenadas pela Guarda Costeira italiana com a participação de meios de outras instituições e países concentrou-se na Sicília – 119.507; Calábria – 30.374; Apulia – 12.225; Sardenha – 7.985; e Campania – 4.871, regiões do sul da península onde existem os maiores índices de pobreza.
Embora para todos eles chegar em terra “segura” foi uma sorte, entre tantos que morrem na tentativa de alcançar costas europeias – 4.742 no ano passado – ou em uma perigosa travessia por terra até chegar a Líbia, os menores de idade que chegam também dependem da sorte para receber uma adequada atenção no centro que lhes dá as “boas-vindas”.