Porto Alegre – Faltando poucos dias para a realização do Fórum Social Temático 2013, em Porto Alegre, tradicionais entidades ligadas à organização retiraram oficialmente seu apoio ao evento. Elas alegam descaracterização das atividades devido a interferências de grupos antagônicos à essência do Fórum Social Mundial (FSM), com propostas desconectadas da agenda global de contraponto ao neoliberalismo discutido anualmente no Fórum Econômico Mundial de Davos. Entre as dissidentes estão a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Marcha Mundial das Mulheres, ambas ligadas umbilicalmente com o FSM.
Na última sexta-feira (11), a direção estadual e nacional da CUT esteve reunida com o prefeito municipal de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), por mais de duas horas. O presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo, garante que o clima foi ameno e o chefe do Executivo se mostrou disposto a mediar quaisquer conflitos internos na organização do evento. Porém, este será um trabalho de médio prazo. “Expressamos que a CUT não terá o protagonismo que sempre teve desde o nascimento do evento, devido à descontextualização e descaracterização do sentido do fórum. O tema deste ano deveria estar relacionado com a crise econômica mundial que assola a Europa e arrebata os trabalhadores, e não com a sustentabilidade, como já fizemos na edição de 2012 e na Rio+20”, alega, afirmando que a entidade só retorna ao fórum em 2014.
Os argumentos da CUT também foram levados ao presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Thiago Duarte (PDT). “O fórum sempre foi uma iniciativa das organizações sociais e desta vez entidades que não tem identificação nenhuma com o evento estão interferindo. Ficamos felizes em ter o apoio de forças que nunca acreditaram na importância do fórum, mas não estamos convergindo de acordo com a carta de princípios do FSM”, afirma Nespolo.
De acordo com o documento redigido pelos idealizadores do Fórum Social Mundial em 2001, primeira edição do evento em Porto Alegre, apesar de aberto para pluralidade de ideias, o FSM “articula e reúne somente entidades e movimentos da sociedade civil, mas não pretende ser uma instância representativa”. Ainda diz a carta: “as alternativas propostas no Fórum Social Mundial contrapõem-se a um processo de globalização comandado pelas grandes corporações multinacionais e pelos governos e instituições internacionais a serviço de seus interesses, com a cumplicidade de governos nacionais. Elas visam fazer prevalecer, como uma nova etapa da história do mundo, uma globalização solidária que respeite os direitos humanos universais a serviço da justiça social, da igualdade e da soberania dos povos”.
Governo municipal quer “institucionalizar” fórum
Na programação do FST 2013, organizada pelo Instituto Amigos do Fórum Social Mundial, entidade criada em 2012 de forma paralela ao original Comitê Internacional, há uma forte agenda de participação dos governos municipal, estadual e federal. Porém, o apoio de ministérios, secretarias e legisladores não é o principal incômodo para os movimentos sociais. A criação de um projeto de lei por parte do Executivo municipal instituindo a realização de uma Semana do Fórum Social Mundial está sendo considerada uma institucionalização do evento.
“O Fórum não é do governo é dos movimentos sociais. Não combinamos a realização desta edição. Acordamos a realização da edição do FST de 2012 e o Fórum Social Mundial Palestina Livre. Estes fóruns descentralizados só acontecem quando não há edição central. O que não é o caso. Este ano terá o FSM na Tunísia”, diz a representante da Marcha Mundial das Mulheres Cláudia Prates, primeira entidade a declinar do FST 2013.
Segundo Cláudia, a aprovação do projeto de lei, com apoio da bancada do PT, foi uma “bola fora”. “É necessário acordar apoios financeiros para a realização do evento, mas a Prefeitura não tem que ser a gestora do Fórum. Estamos mobilizando as nossas regionais para não enviar delegações de participantes. Não vamos participar do FST porque não reconhecemos este evento”, afirma.
A CUT, que sempre atuou como organizadora central do Fórum, esteve representada pelo presidente Claudir Nespolo no ato de lançamento oficial do FST 2013, em dezembro de 2012. “Fui por cortesia”, explica Nespolo. “Não estaremos protagonizando o FST este ano, o que não impede de estarmos participando de alguma oficina que acharmos interessante. Mas] não vamos mobilizar nossa militância.”
Mais crítico e menos flexível a qualquer intervenção que ameace a natureza do Fórum, o presidente da sede gaúcha da Associação Brasileira de ONGs (Abong – RS), Mauri Cruz, diz que o principal seminário de discussão do documento que será levado para o FSM na Tunísia foi transferido para São Paulo. “Tínhamos que decidir isso agora porque envolvia passagens dos participantes. O fizemos. Não entendemos que este fórum descentralizado é anti-globalização e anti-mercantilista como se propõe o Fórum Social Mundial”, fala Mauri, que integra o comitê internacional do Fórum Social Mundial, evento que dá origem aos encontros temáticos como o de Porto Alegre.
Maçonaria e entidades ligadas ao modelo neoliberal
As contrariedades na pauta anticapitalista e contra o modelo neoliberal estariam representadas na adesão do Sindicado Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Sindicato de Hotelaria e Gastronomia (Sindpoa), Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e principalmente na representação da Maçonaria. “A CUT e a Força Sindical precisam sentar à mesa e fazer um diálogo. Essas divergências começaram na realização do Fórum Social Mundial Palestina Livre”, fala Mauri Cruz.
O presidente da Força Sindical RS, vereador Cláudio Janta (PDT), diz estranhar a postura da CUT e acredita que a saída da entidade da organização do evento se deve a uma disputa de espaço. “Este fórum é abrangente e deve propor uma discussão para além do nosso círculo. Não podemos impedir as pessoas de participar. Isto é sectarismo. Temos de discutir as soluções para os problemas sociais incluindo os demais sujeitos desta mudança, como os legisladores, executivos e empresários”, defende.
Para ele, o Fórum Social Temático é uma conquista de Porto Alegre, que pode discutir questões locais independente do calendário global. “Temos que discutir a contrapartida a Davos, mas não só isso. O tema central continua sendo o outro mundo possível para todos. As atividades com legisladores e executivo serão paralelas, o movimento social seguirá independente no fórum”, acredita.
Ele confirma o interesse dos maçons e acredita que qualquer religião ou representação ideológica é “bem-vinda” no FST 2013. “Se vier candomblé, serão bem-vindos. Se vier a representante da juventude que quer refundar a Arena, vamos ouvir o que têm a dizer. Não podemos impedir as pessoas de participar”, salienta.
De acordo com Mauri Cruz “tem pessoas anti-Fórum tratando o evento como algo esportivo”. Ele defende que o consenso deveria ter sido o cancelamento do FST 2013. A hipótese chegou a ser ventilada nos bastidores na última semana, logo que a Marcha das Mulheres emitiu nota repudiando a realização desta edição. Porém, o presidente da Força Sindical, Cláudio Janta espera que a participação seja satisfatória, mesmo sem as tradicionais entidades apoiadoras do Fórum. “Mantemos a programação das atividades ambientais, culturais e teremos oficinas com legisladores, centrais sindicais, senadores, prefeitos. Vamos discutir o papel dos sindicalistas que agora ocupam cargos eletivos e devem defender os trabalhadores”, informa.
O Fórum Social Temático 2013 ocorrerá de 26 a 31 de janeiro na Assembleia Legislativa do RS, Usina do Gasômetro, Parque da Harmonia, Largo Zumbi dos Palmares (Epatur), Escola Estadual Rio Grande do Sul, Casa de Cultura Mário Quintana, Anfiteatro Pôr-do-Sol e Memorial do Rio Grande do Sul. Entre as atividades confirmadas estão um debate sobre o Mundo da Água, com a presença de representantes da Agência Nacional de Águas (ANA), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Universidade de Guadalajara e Associação Brasileira de Captação e Manejo da Água de Chuva (ABCMAC) e um seminário para discutir políticas anti-drogas com atores do Mercosul, com a presença do secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame e o secretário da Junta Nacional sobre Drogas (Uruguai), Júlio Calçada.
Matéria de Rachel Duarte, do Sul21 para a Rede Brasil Atual