Para o cantor paraibano, o que está colocado nas ruas é uma oposição entre aqueles que defendem “privilégios históricos” e os que tiveram “conquistas de inclusão recente”
Por Guilherme Weimann | Publicado em 01/04/2016
Afastado dos palcos, mas não da política, o cantor Chico César voltou a ocupar seu lugar de destaque na música brasileira ao lançar, no ano passado, o disco “Estado de Poesia”. Com composições inéditas, o cantor retornou aos palcos após dedicar-se durante quatro anos, entre 2011 e 2014, ao cargo de secretário de Cultura da Paraíba.
Todavia, engana-se quem pensa que o paraibano está restrito agora apenas à carreira musical. Desde o início desse ano, com a polarização do debate em torno do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, Chico César apenas intensificou sua conhecida mistura entre arte e política.
No dia 13 de março, o músico se apresentou no ato organizado pela Frente Brasil Popular, que reuniu aproximadamente 500 mil pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo (SP).
“Acho muito bonito o nosso pensamento trazer poesia e dialética, por não ser ortodoxo e até por certo ‘despreparo’ que considero positivo, pois perturbador, desprovido de certezas absolutas”, definiu Chico César, sobre a participação da classe artística nos protestos contra o impeachment.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: Nas últimas semanas, houve um acirramento das manifestações pró e contra o impeachment. Como você avalia o atual momento político?
Chico César: Creio que se trata de uma radicalização da própria democracia. É na rua que as pessoas, em grupo, mostram de qual lado estão, o que pensam, se pensam ou se não pensam. Não se trata de paixões, mas de confronto de classe explodindo ainda que de forma leve. Diferentes grupos defendem privilégios históricos de um lado e conquistas de inclusão recente do outro, ainda na base do disse-me-disse, com um ou outro empurrão aqui e ali, mas já contaminando alguns setores do serviço público, como o Ministério Público em alguns Estados, e as polícias (militar e federal). Nesse sentido, o Estado de Direito tem sido desrespeitado com invasão de sindicatos, borrachada em manifestantes que se vestem de vermelho e selfie com os que se vestem de verde-amarelo.
Como você mesmo citou, o debate ultrapassou a linguagem verbal e resultou em agressões físicas. Como explicar essa agressividade coletiva? E como agir diante dela?
Penso que a inteligência, o pensamento crítico e a informação são as grandes armas de nossa época. É preciso municiar de informação um grande grupo que está sendo bombardeado pela grande mídia, ela mesma um fator de instabilidade nesse momento, como em outros do passado. Não devemos aceitar provocações nem nos intimidarmos de usar essa ou aquela cor, por exemplo. E sempre que alguém puxar papo, devemos nos posicionar e mostrar que grande parte dos políticos que querem o impeachment está envolvida em corrupção comprovada. É preciso mostrar que os que querem a sua saída [da presidenta Dilma Rousseff] o fazem em causa própria: para silenciar as investigações que alcançam seus nomes e de seus partidos.
Você é formado em jornalismo e já atuou na imprensa alternativa. Como você avalia a influência da mídia, em especial da Rede Globo, no cenário atual?
Não discuto sobre um veículo específico. A internet tem se mostrado como potente alternativa a estes veículos claramente comprometidos com o movimento golpista. Já podemos falar assim, pois o que eles desejam é a quebra institucional ao pregar a saída da presidente Dilma sem nenhuma prova contra ela. Claro que nas redes sociais há aqueles que apenas reverberam o que é veiculado na grande mídia. Mas, penso, que é na internet e nas ruas que se trava a grande batalha por corações e mentes. A sociedade organizada mostra força ao ir para as ruas com suas associações, sindicatos e entidades de classe junto com os indivíduos que têm críticas ao governo, mas são contrários ao retrocesso político. E isso tem de se intensificar. Por outro lado, o governo, junto com sua base, tem de pôr em pauta a regulamentação das comunicações, que controle a grande mídia. Desse jeito fica uma luta muito desigual.
Vários manifestos estão sendo divulgados em defesa da democracia. Qual a importância da classe artística para sair dessa crise?
Bem, também vejo vários artistas a favor do retrocesso… E isso não me causa perplexidade. Entretenimento e alienação, infelizmente, andam de mãos dadas em nosso país. É confronto de pontos de vista mesmo. Mas pouco a pouco vemos que amplos setores da classe artística manifestam-se sem medo e, o que é melhor, criativamente trazendo seus próprios modos de expressão, trazendo elementos lúdicos, humanos, subjetivos para o grande debate. Isso só torna mais rico o ambiente de discussão e, ao mesmo tempo, mais descontraído. A gente se sente praticando a liberdade na prática, criando e incluindo. Acho muito bonito o nosso pensamento trazer poesia e dialética, por não ser ortodoxo e até por certo “despreparo”, que considero positivo, pois perturbador, desprovido de certezas absolutas. Artistas trazem inquietações, isso é maravilhoso.
Edição: Simone Freire
Fonte: Brasil de Fato