Para o jurista Bandeira de Mello, o país vive uma fase onde o Estado de Direito submergiu com a ajuda da mídia.
por Ana Magalhães, Sérgio Kraselis.
O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, 79 anos, está horrorizado com a situação política do país, mas, otimista declarado, acredita que a legalidade será retomada. Um dos avalistas do habeas corpus impetrado junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a decisão do ministro Gilmar Mendes − que impediu a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil e que devolveu ao juiz Sérgio Moro a competência para investigá-lo −, Bandeira de Mello considera ilegais os grampos e sua divulgação.
“Esses grampos foram uma violência contra autoridades públicas, contra a presidente e contra o ex-presidente Lula. Um ex-presidente merece sempre todo o respeito, não interessa quem seja”, afirma o jurista, que acredita que, quando passar toda essa torrente, Moro será punido.
De pensamento rápido e olhos argutos, Bandeira de Mello recebeu a Calle2 na segunda (21) em uma sala do escritório que mantém em um elegante edifício na avenida Paulista com a alameda Casa Branca. A entrevista, prevista para durar 20 minutos, se estendeu por quase duas horas. Só foi interrompida por um telefonema do vice-presidente Michel Temer, seu amigo de longa data, e que antes de abraçar a carreira política foi um dos seus sócios no escritório de advocacia.
Advogado há quase 50 anos, o jurista, que também é professor, não esconde seu bom trânsito no mundo jurídico. Conhece muitos dos ministros do Supremo (“muitos deles chamo de você”), foi professor do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e foi convidado por Dilma para participar de uma reunião com renomados juristas para discutir a manutenção da legalidade neste momento controverso (“não poderei ir”).
Para Bandeira de Mello, quem quer derrubar a presidente Dilma é a mídia, que ele chama de PIG (Partido da Imprensa Golpista). “Essa gente é muito perigosa. Eu diria que são os maiores inimigos do Brasil”.
Além de Bandeira de Mello, o habeas corpus tem as assinaturas dos juristas Fabio Konder Comparato, Pedro Serrano, Rafael Valim, Juarez Cirino dos Santos e Weida Zancaner e dos advogados Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Zanin Martins e Roberto Teixeira, defensores de Lula.
Na sua avaliação, os grampos realizados na última quarta-feira são ilegais? E sua divulgação?
Claro, são manifestamente ilegais. Grampo é algo que juridicamente não é tolerado − só existe para circunstâncias muito específicas e com autorização judicial. No caso, esses grampos foram uma violência contra autoridades públicas, contra a presidente da República e mesmo contra o ex-presidente. Ex-presidentes merecem sempre todo o respeito, não interessa quem seja. Para falar tudo em português bem claro: quem quer derrubar a Dilma é a mídia. É a grande imprensa.
Mas não seria esse um desejo da oligarquia ferida pela Lava Jato?
Também, mas ela não consegue nada sem a imprensa, sem o chamado PIG (Partido da Imprensa Golpista). Essa gente é muito perigosa. Diria que são os maiores inimigos do Brasil. Não é a primeira vez que digo isso e repito: o maior inimigo do Brasil é a grande imprensa. Não estou exagerando. Há certas coisas que todo mundo sabe, mas que você não pode falar, e se falar você corre sérios riscos. O Lula, na semana passada, foi intemperante, falou uma série de coisas e está sofrendo as consequências disso. Ele não esperava ser grampeado, mas disse coisas que não se diz. Ele criticou o Supremo, mas não podemos criticar o Supremo. É evidente que no Supremo existem grandes nomes e pessoas muito admiráveis, como os ministros Teori Zavascki, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, que são homens íntegros.
O juiz Sérgio Moro pode ser responsabilizado e processado por conta desses grampos?
Ele virou um justiceiro. O normal seria que dois homens sofressem consequências pelos desmandos no exercício da jurisdição. Um deles é o juiz Sérgio Moro.
Moro não é juiz. Um homem partidário nunca é juiz. Todo juiz é um homem equilibrado, um homem equânime, e ele evidentemente não é.
O outro indivíduo que também estaria merecendo muitas censuras é aquele ministro do STF que é do Mato Grosso, o Gilmar Mendes. A respeito dele, um ex-presidente do Supremo disse: “Eu não tenho medo da sua gangue de Mato Grosso”. Um homem que não tem a serenidade que a magistratura requer. Ele não prima pela equanimidade.
Um jurista escreveu que Moro pode também ser enquadrado por crime por incitar a população à subversão da ordem política e social. O senhor concorda?
Aí é mais difícil, mas ele é um homem merecedor de censura, não tenho a menor dúvida. Ele não respeita os limites da magistratura. Ele é muito parecido com os justiceiros que vemos na televisão. É isso que ele pretende ser.
Essas prisões preventivas são, na sua avaliação, uma afronta ao Estado de Direito?
Sim, não tenho a menor dúvida, porque a tal delação premiada é uma coisa que tem muito pouco a ver com a cultura brasileira. Eu sempre digo que, desde criança, escutamos “meu filho, não faça besteira, mas se fizer, não vá delatar ninguém, porque você não pode ser dedo-duro”. O dedo-durismo é uma tradição norte-americana. Os Estados Unidos inventaram a tal delação premiada mas, no Brasil, é muito difícil você imaginar que alguém não vai delatar estando sob ameaça de uma prisão sem limites, sem prazo. Enquanto não delatar, fica preso. Claro que o sujeito acaba delatando. É uma tristeza, mas infelizmente o Brasil se tornou um país onde esse tipo de tortura se tornou comum, por obra de um juiz − o que é pior. Eu acho que o nome de juiz não cai bem para esse homem. Ele exerce essa função, mas ele não tem a alma de juiz.