Publicado em fevereiro 22, 2016 por Rodrigo Borges Delfim
A migração haitiana estava na pauta do dia dos meios de comunicação, do poder público e da sociedade civil. Mas conforme o fluxo pelo Estado do Acre diminuiu, o tema perdeu espaço – fala-se, inclusive, no fechamento do abrigo aberto para recebimento de imigrantes em Rio Branco. Mas o que provoca essa redução, sabendo que os fatores que levam à migração haitiana mundo afora – e não apenas para o Brasil – continuam presentes?
Para o pesquisador haitiano Joseph Handerson, professor-adjunto da Universidade Federal do Amapá e estudioso da diáspora de sua terra natal, a redução da vinda de imigrantes – do Haiti e de outros países via Acre – se deve a uma série de fatores interligados. Ele lembra que alta do dólar, a crise na economia brasileira, as restrições impostas por países sul-americanos ao trânsito de migrantes e até os atos de xenofobia sofridos por haitianos estão entre eles.
Em entrevista ao MigraMundo, Handerson também considera que o momento atual, em vez de levar ao provável fechamento do abrigo em Rio Branco, deveria ser aproveitado de outra forma. “Seria o momento oportuno de os governos municipal, estadual e federal iniciarem em conjunto a articulação de políticas migratórias eficientes, tal como a construção de uma Casa de Acolhida para migrantes e refugiados que chegam ou transitam pelo Acre, visto que se trata de uma região fronteiriça com Bolívia e Peru. Independente da diminuição atual do contingente de migrantes haitianos, sempre haverá outros migrantes circulando pelo Estado”.
MigraMundo: Falam em alta do dólar, crise econômica no Brasil, restrições em países sul-americanos e até em um aumento da capacidade de emissão de vistos pela embaixada brasileira em Porto Príncipe. Na sua opinião, o que tem reduzido a entrada de haitianos no Brasil pelo Acre e de um modo geral?
Joseph Handerson: São vários fatores em jogo. A meu ver, a redução da chegada de pessoas de nacionalidades haitianas no Brasil, particularmente ao Acre e em outros Estados da região amazônica está articulado também com a saída de alguns que já estavam no país. Não há dúvida que o quadro atual socioeconômico e político do Brasil, particularmente a situação de desemprego daqueles migrantes que já residem no país tem suscitado a ideia de retorno para o Haiti, especialmente aqueles que viviam lá (no Haiti) numa situação socioeconômica “melhor” do que vivem atualmente aqui (Brasil) sem emprego. Entre estes, alguns decidiram seguir a viagem para outros países como Chile e a Guiana Francesa, particularmente aqueles que já possuíam familiares e/ou conhecidos nesses lugares.
Se em 2010 até 2014, estes haitianos que já estavam no Brasil, incentivavam aos que ficaram no Haiti, na República Dominicana ou em outros países a virem para o Brasil, porque do ponto de vista deles, “Brezil gen lavi” (no Brasil há vida e esperança), por isso, é um país para “Chèche lavi miyò” (tentar uma vida melhor), por sua vez, em 2015 e 2016, boa parte deles passaram a desaconselhar aos familiares e conhecidos a virem para o Brasil, entre outros fatores, devido ao desemprego no país e pelo fato de se decepcionarem quando aqui chegaram, pelo baixo salário que ganham no país, bem como pelas discriminações raciais e pelas agressões verbais, psicológicas e físicas sofridas.
Além disso, no ano passado, o dólar americano teve uma alta muito significativa no Brasil, isto é, US$ 1 por R$ 4, tal situação foi prejudicial, para os migrantes enviarem remessas de dinheiro para a manutenção dos familiares que ficaram no Haiti, e em outros países, onde residiam antes de decidirem vir ao Brasil, tal como República Dominicana, Equador, etc.
Outro fator a ser levado em consideração, para a redução da chegada de haitianos nas fronteiras da região amazônica, especialmente pelo Acre, é o aumento da capacidade de emissão de vistos para pessoas de nacionalidade haitiana através do Convênio firmado entre a Embaixada do Brasil em Porto Príncipe e a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Além da Embaixada brasileira, essa última instituição, a OIM, também passou a emitir vistos no Haiti, isso contribuiu para que os viajantes solicitem o visto para chegar pelos aeroportos brasileiros e não optar pela contratação de agenciadores (raketè) para realizar a viagem clandestinamente, transitando por Equador e Peru ou Bolívia para chegar pela região amazônica. Além de tudo isso, houve a implementação de medidas restritivas à circulação de haitianos nesses referidos países.
Somado a tudo isso, houve a diminuição da atuação dos raketè (agenciadores das viagens) no Haiti e em alguns países da América do Sul (Equador, Peru e Bolívia), pois boa parte destes foi denunciado pelos viajantes e alguns estão presos (no Haiti e no exterior) pelo agenciamento dessas viagens clandestinas para o Brasil. Também é preciso analisar, que o fato da imprensa nacional e internacional ter focado sobre a migração haitiana no Brasil, especialmente as rotas para chegar ao Acre, isso pode ter influenciado com que os raketè procurassem outros circuitos para agenciar viagens clandestinas, tendo em vista que o Brasil tornou-se arriscada para estes. A meu ver, é um conjunto de fatores que levou a diminuição da chegada ao Brasil de pessoas de nacionalidades haitianas.
O abrigo em Rio Branco que recebe os imigrantes atualmente tem pouco mais de uma dezena de pessoas. Essa situação mais tranquila no abrigo pode ser considerada um avanço em relação ao que já foi visto em anos recentes ou se deve apenas os fatos que reduziram o fluxo migratório?
Não sei se pode falar em avanço, pelo fato de ter diminuído a quantidade de migrantes alojados no abrigo em Rio Branco. Essa diminuição drástica, quantitativamente falando referente aos migrantes está articulada com os fatores elencados acima. Não há dúvida, que no momento mais crítico, da entrada de um grande fluxo de migrantes, o governo do Acre atuou de forma presente para atendê-los, apesar de que era preciso na época uma atenção maior em prol dos Direitos Humanos desses migrantes, tendo em vista que o número de pessoas alojadas no abrigo era muito superior à capacidade do mesmo.
Com a redução do fluxo de imigrantes via Acre, o governo estadual cogita fechar o abrigo para imigrantes existente em Rio Branco. Qual a sua opinião sobre essa possível medida?
A questão vai além de fechar ou manter o abrigo provisório que foi pensado para atender os migrantes numa determinada situação, na qual o governo precisava tomar uma decisão urgente. Os fluxos migratórios no Acre (de 2010 até a presente data) deveriam servir como experiências para os governos federal, estadual e municipal planejarem e elaborarem políticas migratórias eficazes e permanentes. Nos anos de 2014 e 2015, ficou claro que o governo estadual do Acre não sabia muito bem como lidar com a chegada do contingente de migrantes haitianos e de outras nacionalidades na região, a contratação de ônibus para transportar os haitianos até a cidade de São Paulo e para outras localidades do Brasil, como Porto Alegre, acabou causando um “mal estar” entre os governos, federal, estadual (Acre) e municipal (São Paulo).
Desta forma, a atual diminuição do fluxo migratório no Acre, seria o momento oportuno de os governos municipal, estadual e federal iniciarem em conjunto a articulação de políticas migratórias eficientes, tal como a construção de uma Casa de Acolhida para migrantes e refugiados que chegam ou transitam pelo Acre, visto que se trata de uma região fronteiriça com Bolívia e Peru, independente da diminuição atual do contingente de migrantes haitianos, sempre haverá outros migrantes circulando pelo Estado.
As pressões que levam os haitianos a migrar continuam fortes. Com isso, além do Brasil e destinos mais tradicionais (EUA, Canadá, República Dominicana, etc), quais outros países têm sido considerados pelos haitianos que migram?
Além de alguns países caribenhos que fazem parte dos circuitos migratórios haitianos há várias décadas, como Bahamas, Jamaica, Cuba, bem como os Departamentos Ultramar Franceses (Martinica, Guadalupe, Guiana Francesa, etc), os haitianos têm ido e permanecido também, em vários países da América Central, como México e Costa Rica, bem como da América do Sul, Venezuela, Chile, Argentina, Equador, etc. Como analisei na minha pesquisa de tese de doutorado, esses destinos constituem parte da geografia da mobilidade e das diásporas haitianas, demarcando alguns lugares como centrais, por exemplo, Estados Unidos, França e Canadá, sendo aqueles considerados “peyi blan” (os países estrangeiros industrializados e desenvolvidos economicamente, na sua grande maioria compostos por uma população branca significativa, mas não necessariamente) e outros como “periféricos”: República Dominicana, Panamá, Equador, Peru etc, que correspondem às suas posições dentro de hierarquias geopolíticas globais e regionais.
A migração haitiana tem tido menos destaque na imprensa brasileira recentemente, se comparada a outros anos. Na sua opinião, que efeitos essa variação de destaque traz sobre a comunidade haitiana, os problemas e conquistas relacionadas a ela?
De fato, há alguns meses, as experiências migratórias haitianas (des)aparecem nas reportagens e matérias das mídias (televisivas, impressas e das redes sociais) brasileiras. Parece-me que há um duplo nível associado a essa questão. A imprensa focalizava mais a chegada das pessoas de nacionalidades haitianas do que a instalação destes no país, por vezes, utilizando termos pejorativos e discriminatórios para designá-los como “invasores”.
Não se pode esquecer que por trás da imprensa, na maioria das vezes, há discursos, interesses sociais, políticos e ideológicos em jogo. Desta forma, o fato de ter diminuído significativamente a chegada dos haitianos pelo Acre (por mais que continuam chegando pelos aeroportos brasileiros, mesmo que em menor proporção), para uma parte da imprensa e da sociedade brasileira, de modo geral, parece estar resolvido o problema da suposta “invasão haitiana”, então não faria mais sentido a mídia focar a migração haitiana.
Essa variação pode trazer duas implicações, entre outras, de um lado, o fato da migração haitiana ter saído do foco de grande parte da imprensa brasileira, isso pode ter contribuído para diminuir os ataques xenofóbicos e racistas em relação às pessoas de nacionalidade haitiana no país, tendo em vista que a própria imprensa incitava (in)conscientemente, muitas vezes através de seu discurso, a discriminação ao utilizar termos como invasão. Por outro lado, essa variação midiática, pode trazer séries problemas para a comunidade haitiana no país, como por exemplo, tornar invisível: a) a situação precária em que alguns vivem, b) a exploração da mão de obra através do trabalho análogo à escravidão, c) as atitudes xenofóbicas, racistas e as agressões físicas sofridas e vivenciadas por eles no cotidiano, tal como foi registrado o ano passado em São Paulo, entre outros lugares.
Fonte: MigraMundo