MÚSICA
Por Renan Simões / revisão Sabrina Souza
O topo dessa lista não poderia pertencer a outro artista. Marli foi o projeto musical brasileiro mais bizarro que tivemos notícia. Marli Souza Silva, cantora/letrista de Ipirá (BA), e Antonio Augusto Farias (o Witched), produtor de Feira de Santana (BA), se uniram nesse projeto único da música brasileira, com 9 álbuns lançados entre 2002 e 2013; Colostro (2005) é o quinto registro.
Sangue de galinha é uma mistura de terror e romantismo, e é colada com Orquídeas, que segue em tom sangrento, um total contraste com seu acompanhamento musical fofinho. Em Senhora de vermelho, temos a impressão de que vai surgir um ritmozinho dançante para amenizar o peso. Ledo engano. Continuamos com o clima pesado e introspectivo, e temática cada vez mais aterrorizante, abordando possessões e outras relações espirituais em meio a supostos cânticos gregorianos. A artista reforça: “Eu rezo toda noite por uma reserva no paraíso”.
Linha direta apresenta, enfim, os tão esperados beats que dão uma pulsão rítmica ao discurso musical e parecem amplificar cada vez mais nosso medo e apreensão diante do que ouvimos. Continuam aqui os cânticos litúrgicos, agora em um contexto politonal castrador. Bertulina é talvez o grande hit da artista, com melodias acessíveis e temáticas que podem dialogar com a vida de muitas pessoas. Após isso, nada melhor que a melodia pueril de Mamãe Satanás, que apresenta uma reflexão muito relevante sobre pessoas que valorizam suas famílias mas matam outras pessoas direta ou indiretamente.
O respiro ambiente de Elefante já inicia com uma frase emblemática (“O túnel do amor virou um esgoto depois que o elefante me meteu a tromba”), e trata sobre morrer aos pés de um elefante (será?). Eu acho que não tenho palavras para descrever Vulva laica, que talvez contenha a performance vocal mais estranha de Marli, principalmente no ápice “Seu amor me enche de luz!”. Além disso, é uma de suas letras mais desconcertantes.
A segunda metade do álbum é tão boa quanto ou até melhor do que a primeira. Em Galáctica, temos de volta alguns beats e o fenomenal refrão “Estou voando no nada da escuridão / Sou um grão de poeira em suas mãos”. A curta Sou sua pálida amante vaporosa é o único momento desinteressante do registro, mas é seguida por cinco pedradas: o devastador solilóquio a capela de Amaldiçoada; a profaníssima Ganso preto; a cacofonia gritada de Misericórdia; e as feitas-para-as-pistas O amor está no ar e Amor de urubu (beijando uma velha feia, comendo uma nega fedida).