27.10.24 – Kazan, Rússia – El Siglo

O Presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que “os países BRICS estão empenhados em reforçar as parcerias no sector financeiro”. A Declaração Final da Cimeira de Kazan, realizada na semana passada, sublinha o esforço do grupo para fazer reformas ousadas nas instituições globais, reforçar a cooperação e responder coletivamente às crises globais.

Numa decisão histórica, a aliança BRICS deu as boas-vindas a 13 novos países para participarem como países parceiros, de acordo com uma declaração na recente Cimeira. Esses países são a Argélia, a Bielorrússia, a Bolívia, Cuba, a Indonésia, o Cazaquistão, a Malásia, a Nigéria, a Tailândia, a Turquia, o Uganda, o Uzbequistão e o Vietname.

O Presidente russo afirmou que “o grupo está aberto a todos os que partilham os seus valores” e sublinhou que todos os Estados membros da parceria estão empenhados em construir uma ordem mundial mais democrática e multipolar.

Os 13 novos membros juntam-se assim ao Brasil, à Rússia, à Índia, à China, à África do Sul, ao Irão, ao Egito, à Etiópia e aos Emirados Árabes Unidos. E há mais de 30 outros países que já manifestaram o seu desejo de aderir aos BRICS também.

Entre os chefes de Estado que participaram na reunião, encontravam-se Xi Jinping da China, Nicolás Maduro Moros da Venezuela, Luis Arce Catacora da Bolívia, o presidente da Autoridade Palestiniana Mahmoud Abbas, e o secretário-geral das Nações Unidas António Guterres.

As pontos chaves da Declaração Final desta 16ª Cimeira dos BRICS

Juan López Paéz. “Mundo Obrero”. Madrid. 26/10/2024.
Na quarta-feira, dia 23, o bloco dos BRICS adotou a Declaração Final da sua cimeira em Kazan. O documento descreve o esforço do grupo para levar a cabo reformas ousadas nas instituições globais, reforçar a cooperação e responder coletivamente às crises globais.

A Declaração Final da 16ª Cimeira dos BRICS, intitulada “Reforçar o Multilateralismo para um Desenvolvimento Global e uma Segurança justos”, contém 134 pontos que visam:

-Criar uma ordem mundial mais justa e democrática;

-Reforçar a cooperação para a estabilidade e a segurança a nível mundial e regional;

-Promover a cooperação económica e financeira;

– Reforçar os intercâmbios entre povos para o desenvolvimento social e económico.

A Declaração pediu reformas às instituições de Bretton Woods – a arquitetura financeira internacional criada no final da Segunda Guerra Mundial e imposta pelos EUA – para que elas se tornem mais representativas dos interesses dos países em desenvolvimento, rejeitou as medidas “unilaterais protecionistas, punitivas e discriminatórias” relacionadas com as alterações climáticas, e manifestou o seu apoio a uma transformação global das Nações Unidas, incluindo o Conselho de Segurança, para o tornar mais representativo das realidades modernas.

A) A nível da segurança global

O grupo está preocupado com os conflitos em diferentes regiões do mundo e empenha-se na sua resolução pacífica e na eliminação das causas profundas dos mesmos. O BRICS reconhece as preocupações legítimas e bem fundamentadas de todos os Estados em matéria de segurança. A parceria condena os ataques às infra-estruturas energéticas transfronteiriças e apela a uma investigação imparcial. Os BRICS apelam à rápida finalização e adoção de uma convenção abrangente sobre o combate ao terrorismo internacional no âmbito das Nações Unidas.

O documento afirma: “Apoiamos as legítimas aspirações dos países em desenvolvimento da África, da Ásia e da América Latina, incluindo os próprios Estados BRICS, em desempenharem um papel mais importante nos assuntos internacionais, em particular na ONU, incluindo o seu Conselho de Segurança”.

Os líderes dos BRICS apelam à promoção do regime de não-proliferação nuclear e do desarmamento, reconhecendo o seu papel na manutenção da estabilidade mundial.

Prevenir a instalação de armas no espaço, diz a declaração conjunta:
“Defendemos uma vez mais a garantia da sustentabilidade a longo prazo das atividades espaciais e a prevenção da corrida aos armamentos e da instalação de armas no espaço, em especial através de negociações sobre a adoção de um documento jurídico multilateral correspondente, no interesse da garantia da segurança global.”

B) A nível da política internacional

O grupo apoia uma reforma global da ONU para tornar o organismo mundial mais democrático, representativo e eficaz. Ao reconhecer a declaração de Joanesburgo de 2023 (15ª Cimeira), reiteramos o nosso apoio a uma reforma abrangente da ONU, incluindo o Conselho de Segurança da ONU, para reforçar a sua democratização e eficácia, bem como para alargar a presença de países em desenvolvimento em todas as categorias de membros do Conselho, para responder a desafios globais urgentes.

Sobre o Médio Oriente, os BRICS expressam a sua preocupação com a escalada na região, incluindo as ações armadas de Israel. O grupo apoia a adoção na ONU do Estado da Palestina com base nas fronteiras de 1967. Os parceiros do BRICS pedem um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza e a libertação de todos os reféns sem condições prévias. Os BRICS apelam ao reforço do regime de não-proliferação e à criação de uma zona livre de armas nucleares no Médio Oriente.

As resoluções pertinentes do Conselho de Segurança da ONU e da Assembleia Geral são mencionadas na declaração, bem como a Iniciativa de Paz Árabe, que prevê “o estabelecimento de um Estado da Palestina soberano, independente e viável, dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas até Junho de 1967, com capital em Jerusalém Oriental, coexistindo em paz e segurança com Israel”.

Sobre o Irão, afirmam: “Sublinhamos a importância da plena implementação do JCPOA, aprovado pela resolução 2231 (2015) do Conselho de Segurança das Nações Unidas”. Os BRICS lembram a necessidade da plena implementação do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) assinado em 2015 pelo Irão e seis mediadores internacionais – Rússia, Estados Unidos, Reino Unido, China, França e Alemanha – o qual impôs uma série de limitações ao programa nuclear iraniano com o objetivo de excluir a sua possível dimensão militar, em troca do levantamento das sanções internacionais. Este acordo foi rompido unilateralmente pelos EUA (aquando da Presidência de Trump) em Maio de 2018.

Os países BRICS apelam a um apoio contínuo ao diálogo e ao processo de paz no Iémen sob os auspícios das Nações Unidas, diz a declaração conjunta dos líderes do grupo: “Sublinhamos a importância de garantir o respeito pelos direitos e a liberdade de navegação dos navios de todos os países no Mar Vermelho e no Estreito de Bab el Mandeb, em conformidade com o direito internacional. Exortamos todas as partes a intensificarem os esforços diplomáticos nesse sentido, incluindo os que visam eliminar as causas do conflito, bem como a apoiarem continuamente o diálogo e o processo de paz no Iémen sob os auspícios da ONU”.

C) No plano económico

O bloco manifestou o seu apoio à utilização alargada das moedas nacionais no comércio entre eles, e sublinhou a importância de continuar a aplicar a estratégia de parceria económica dos BRICS em matéria de cooperação e de coordenação das políticas macroeconómicas, congratulando-se com o “interesse considerável manifestado por parte dos países do Sul Global” pelos BRICS.

Os compromissos específicos incluem planos para reforçar a cooperação no domínio da alta tecnologia através da Plataforma de Novas Tecnologias do Conselho Empresarial dos BRICS, que visa consolidar uma infraestrutura digital unificada e robusta entre os países membros, facilitando a colaboração em camos fundamentais como os serviços financeiros, a economia digital, a inteligência artificial e a conetividade dos transportes e da logística. Este desenvolvimento faz parte de uma agenda mais alargada centrada no reforço das comunicações e dos sistemas de liquidação financeira entre os atuais membros. Centra-se em 40 propostas concretas em áreas estratégicas, concebidas para aumentar a eficiência da cooperação empresarial e governamental, tirando partido dos avanços da IA e de outras tecnologias emergentes.

O documento diz ainda: “Congratulamo-nos com a iniciativa de criar uma nova plataforma de investimento para utilizar de forma mais eficaz a infraestrutura institucional existente do NBD (Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS) para aumentar o fluxo de investimento para os países dos BRICS e os mecanismos do Sul global”, em linha com os esforços para expandir o papel do NBD do bloco ‘na promoção de infraestruturas e de um desenvolvimento sustentáveis’ dos países membros, e para aumentar a cooperação em medicina numa ampla gama de áreas, desde a saúde tradicional e digital à medicina nuclear, aos radiofármacos e às vacinas.

Os representantes da Cimeira congratulam-se também com “A utilização de moedas nacionais nas transações entre os países BRICS e os seus parceiros comerciais. Apelamos ao reforço da correspondência bancária entre os países do BRICS e à garantia da possibilidade de efetuar pagamentos em moedas nacionais, em conformidade com a Iniciativa de Pagamentos Transfronteiriços do BRICS (BCBPI)”.

Os membros dos BRICS comprometem-se  a prosseguir com as negociações sobre o ambicioso sistema de pagamentos e depósitos transfronteiriços BRICS Clear, saudando a continuação da exploração de “oportunidades para estabelecer uma plataforma logística para coordenar e melhorar as condições de transporte para a logística multimodal entre os países BRICS” e saudando igualmente a proposta russa de criar a Plataforma de Intercâmbio de Grãos BRICS para garantir a segurança alimentar global.

Num desenvolvimento que realça a visão crescente dos BRICS como um ator geopolítico independente, na Declaração final da Cimeira encontram-se comentários abrangentes sobre a posição do bloco a respeito das questões de segurança internacional da atualidade, desde a aplicação ilegal de sanções e da utilização do espaço exterior como arma, até à crise da Ucrânia, à campanha palestiniana para a adesão plena à ONU, ao “ataque terrorista premeditado” de Israel a dispositivos de comunicação no Líbano e aos seus ataques a Gaza, à Síria e ao Irão, à crise no Mar Vermelho, às situações no Sudão do Sul, no Haiti e no Afeganistão.

Sobre a questão das sanções, a declaração destaca ainda a preocupação com os efeitos das sanções ilegais na economia global: “Estamos profundamente preocupados com o impacto negativo de medidas coercivas unilaterais ilegítimas, incluindo sanções ilegais, na economia global, no comércio internacional e na concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, sendo que as restrições unilaterais e as sanções secundárias, sublinha o texto, têm consequências de longo alcance em matéria de direitos humanos, afetando particularmente os pobres e as pessoas vulneráveis.

Para os BRICS, tais medidas “minam a Carta das Nações Unidas, o sistema de comércio multilateral, o desenvolvimento sustentável e os acordos ambientais” e são contrárias às regras da Organização Mundial do Comércio.

As sanções ilegais têm também um impacto negativo no “crescimento económico, no abastecimento energético, na saúde e na segurança alimentar, conduzindo ao agravamento da pobreza e dos problemas ambientais”.

O relatório pré-Cimeira

Em vésperas da cimeira dos BRICS, o relatório “Melhoria do sistema monetário e financeiro internacional”, publicado pela empresa de consultadoria Yakov and Partners, pelo Ministério das Finanças da Federação Russa e pelo Banco da Rússia, descreve em pormenor os planos para transformar o sistema monetário e financeiro internacional e desafiar o domínio do dólar americano. Esse plano ambicioso propõe:

(a) A criação de uma Iniciativa de Pagamentos Transfronteiriços dos BRICS (BCBPI), na qual os membros da organização utilizarão as suas moedas nacionais para efetuar transações comerciais.

b) Os BRICS estabelecerão também uma infraestrutura de comunicação alternativa para contornar o sistema SWIFT de comunicação interbancária, que é supervisionado pelos EUA e está sujeito a sanções unilaterais do Ocidente. Este “sistema multi-moeda” incluirá também novos mecanismos, não só para desdolarizar o comércio, mas também para incentivar o investimento nos países membros dos BRICS e noutros mercados emergentes e economias em desenvolvimento, incluindo uma plataforma BRICS Clear, um “novo sistema de contabilidade e de liquidação de títulos” e de instrumentos financeiros baseado em moedas nacionais.

O monopólio dos EUA sobre o FMI garantiu até agora uma procura global de dólares, o que lhe permitiu manter durante décadas enormes défices da balança de transações correntes dos EUA, utilizando simultaneamente a sua moeda como arma para servir os seus interesses geopolíticos.

As sanções sem a aprovação da ONU são conhecidas como “medidas coercivas unilaterais” e as resoluções da Assembleia Geral da ONU têm-nas denunciado sistematicamente como criminosas. No seu relatório exaustivo, o Washington Post reconheceu que as sanções ilegais dos EUA devastaram as economias de países relativamente pequenos tais como a Venezuela, Cuba, Síria e Iraque, com um total de 15.373 sanções ativas em Abril de 2024. Segundo o mesmo jornal norte-americano, as sanções dos EUA à Venezuela “contribuíram para uma contração económica cerca de três vezes maior do que a causada pela Grande Depressão nos Estados Unidos” e tiveram o efeito de “exacerbar um dos piores colapsos económicos em tempo de paz da história moderna”.

O relatório dos BRICS inclui uma lista de países cujas reservas monetárias foram congeladas pelo Ocidente, incluindo a Federação Russa, a Venezuela, o Irão, a Síria, a Líbia, o Afeganistão e a Coreia do Norte.

c) Os BRICS vão experimentar tecnologias de contabilidade distribuída (DLT, como a blockchain), promovendo a utilização de moedas digitais do banco central (CBDC) para que as nações possam resolver diretamente os desequilíbrios comerciais entre si, sem necessidade do sistema SWIFT ou de bancos localizados em países terceiros.

d) Há também planos para a criação de uma Bolsa de Cereais dos BRICS e de uma Agência de Preços associada, com centros de negociação de mercadorias como cereais, petróleo, gás natural e ouro, que também podem ser utilizados para resolver desequilíbrios comerciais.


 

O artigo original pode ser lido aqui

Tradução do espanhol para a PRESSENZA por Vasco Esteves