Ágora dos Habitantes da Terra

CARTA ABERTA “CONTRA A GUERRA”

Aos presidentes e primeiros-ministros e aos presidentes dos parlamentos, incluindo os parlamentos supranacionais!

Senhoras e senhores, representantes dos cidadãos e dos povos!

Parem com o horror, com as atividades proibidas.

Porque é que deixam em aberto a possibilidade absurda da utilização de armas nucleares quando a guerra na Ucrânia está num impasse? As próprias partes beligerantes já não conseguem dizer por que razão continuam a guerra, exceto para afirmar que “a guerra não pode ser travada”. E porque é que isso acontece? Porque não querem acabar com a guerra na Ucrânia e, em vez disso, estão a preparar ou a provocar uma guerra entre os EUA/a OTAN e a China?

A situação é ainda pior no Médio Oriente. O genocídio intencional e declarado de um povo, os palestinianos, continua perante os olhos de todo o mundo, e o Governo de Netanyahu pode afirmar impunemente que o seu Estado vai continuar o genocídio até ao fim, ignorando flagrantemente as resoluções da ONU e os acórdãos do Tribunal Internacional de Justiça e do Tribunal Penal Internacional, enquanto a maioria dos Estados — dos quais os senhores são os representantes supremos — permanecem em silêncio ou, pior ainda, concordam.

Como também sabeis, a maioria da população mundial é contra a guerra e a favor da paz. Porque é que participam nesta violação declarada do direito internacional? Como é que podem falar de justiça, de paz, de democracia e do futuro da humanidade, quando vocês próprios estão envolvidos na negação do direito?

Esperamos sinceramente que deixem finalmente de alimentar o absurdo e o inaceitável na Cimeira Mundial do Futuro, organizada pelas Nações Unidas a 22 de Setembro.

Se quiserem, neste mês as guerras e os genocídios podem ser completamente apagados da história da humanidade: Sim, ainda neste mês! Não sejais vós os coveiros da humanidade, da vida na terra, da nossa história comum. Esses valores não vos pertencem.

Abaixo podem encontrar as nossas sugestões a respeito:

 ————————————————————————————————                

Completamente contra a guerra. Reflexões sobre o futuro

Resumo

A paz constrói-se com a paz, eliminando a guerra da história da humanidade. Ser a favor da paz é fundamental, mas não é suficiente. Toda a gente diz que é a favor da paz, mas nem toda a gente é contra a guerra. Acima de tudo, temos de ser contra a guerra. Mas porquê? Porque temos de abandonar a ideia de que, se queremos a paz, nos temos de preparar para a guerra, que sempre foi inventada e imposta pelos detentores do poder para justificar e manter o seu poder e o seu domínio. A guerra é destruição, morte e ódio. Não existe uma “guerra justa” em nome de Deus, da nação, da civilização ou da segurança. Por detrás da invocação destes nomes, está sobretudo a lógica assassina da dominação, a dos interesses económicos de poder dos mais ricos.

A guerra é um crime coletivo. Também não existe uma “guerra defensiva”. A guerra envolve sempre vários culpados, erros, cumplicidades, provocações… como o demonstrou abundantemente a Segunda Guerra Mundial, e o demonstra hoje a guerra entre os Estados Unidos/NATO/UE e a Rússia na Ucrânia. O atual genocídio dos palestinianos pelo Estado de Israel é a forma extrema da vontade de destruir o outro como instrumento de paz, o que é absurdo.

Como é que se pode eliminar a guerra?

Através da audácia e da fraternidade.

Em primeiro lugar, temos de rejeitar a patenteação da vida e do conhecimento (dos organismos vivos e do mundo artificial, incluindo a IA) como um regime privado e lucrativo, pois isso afasta a política da vida cada vez mais do domínio público.

Em segundo lugar, temos de rejeitar a financeirização da vida, nomeadamente da natureza, a qual conduziu à subjugação dos poderes políticos públicos a uma finança autónoma, livre e predadora, mesmo nos domínios dos bens e serviços públicos essenciais à vida.

É uma ilusão pensar que é possível construir a paz sem abolir as patentes de apropriação privada para fins lucrativos, sem proibir as licenças de comércio de armas, sem destruir os paraísos fiscais, sem eliminar a independência dos mercados financeiros, sem regulamentar as grandes oligarquias planetárias em guerra permanente pelo poder.

Os cidadãos devem libertar-se dessa ilusão.

Ler o texto completo em: https://agora-humanite.org

Seguem-se quatro reflexões com um grande respeito pela força sincera e corajosa do compromisso cívico expresso pelos milhares e milhares de pessoas que participarão na “Terceira Marcha Mundial pela Paz e a Não-Violência”, que partirá de São José da Costa Rica no dia 2 de Outubro de 2024 para lá regressar no dia 5 de Janeiro de 2025, após dar uma volta ao mundo.

1ª reflexão

Ao fazermos campanha pela paz e pela não-violência, devemos insistir sempre no conceito/objetivo de sermos “contra a guerra”.

Na situação atual, é imperativo recordarmos que qualquer mobilização pela paz, do nível local ao global, deve acima de tudo ser contra a guerra. O enfoque específico e prioritário “contra a guerra” é necessário para não deixarmos espaço para a credibilidade (ética e politica) da ideia, ainda predominante, da guerra como um facto natural e inevitável.

Todos dizem ser a favor da paz, mas nem todos — mesmo fora dos grupos sociais dominantes — são contra a guerra. Vejamos o caso das forças progressistas. A paz une-as, mas a guerra divide-as em blocos opostos: os pacifistas, os belicistas, e os que afirmam que tudo “depende das circunstâncias”. A principal narrativa que importa combater é a da instrumentalização da guerra ao serviço da paz. Daí as teses sobre a legitimação da “guerra justa” e, sobretudo, da “guerra defensiva”. Os Estados Unidos estão em guerra há mais de cem anos, não para atacar, dizem, mas para defender o (seu) mundo livre, a (sua) sociedade liberal, a (sua) economia livre em todo o lado, cujos modelos consideram ser os melhores. Não é por acaso que a tese preferida e imposta pelas potências dominantes, é sempre a de “se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Um princípio aplicado sem reservas por todos os Estados. Basta pensar no florescente e legalizado comércio internacional de armas. Daí também o facto de o antigo Ministério da Guerra se ter transformado, em quase todo o lado, num “Ministério da Defesa”.

O conceito de guerra defensiva tem ser modificado.

Este conceito, que parece óbvio, perpetua no imaginário popular a ideia falsa, ou pelo menos muito ambígua, da legitimidade de armas cada vez mais poderosas como fator de “dissuasão” (ver armas nucleares). Mas também transforma a guerra num instrumento de paz, legitimando assim o absurdo.

A mesma lógica de legitimação da “guerra defensiva” é utilizada pelo governo de Netanyahu em Israel para continuar o genocídio dos palestinianos: o Estado de Israel “justifica” o genocídio como “legítima defesa” em resposta ao ataque armado do Hamas a Israel em Outubro de 2023. Porém, tal não passa de uma mentira mistificadora. A ideia e a vontade de cometer um genocídio, não datam só desse Outubro: Elas inscrevem-se na agenda oficial dos dirigentes do Estado de Israel, nomeadamente dos sionistas, desde a fundação do país em 1948. Estão na origem da conquista e da colonização, pela força das armas, de territórios anteriormente habitados pela população palestiniana e árabe em geral, tendo sido várias vezes denunciadas e rejeitadas como ilegais por resoluções da ONU, assim como pelo Tribunal Internacional de Justiça e pelo Tribunal Penal Internacional.

É certo que, se alguém atacar outra pessoa com uma arma branca ou mesmo de fogo, essa pessoa tem não só o direito mas também a necessidade vital de se defender. A norma escrita sobre o assunto especifica, no entanto que ninguém deve “fazer justiça pelas próprias mãos”. Claro que é inevitável que, num mundo fundado no princípio “se queres a paz, prepara-te para a guerra, existam tratados que regulamentem a guerra, o comércio de armas e os interesses de segurança militar comuns entre países/alianças, baseados na obrigação de cada Estado-Membro em intervir militarmente ’em defesa’ de outro Estado-Membro atacado por um terceiro Estado. No entanto, graças a tratados de aliança assinados em todos os continentes, os Estados Unidos deram-se a si próprios a legitimidade de intervir livremente em qualquer parte do mundo “em defesa de ….”.

Por outro lado, numa situação inspirada por uma procura efetiva e sincera da paz, os tratados internacionais de alianças militares devem ser declarados ilegais e inadmissíveis. Devem ser substituídos por instituições com instrumentos políticos e jurídicos suficientemente fortes e vinculativos para poderem prevenir, impedir e abolir o recurso às armas. Precisamos de uma ONU nova e reforçada, sem o atual Conselho de Segurança. A mobilização contra a guerra deve declarar ilegítimos os Estados que se recusam a assinar e a respeitar os tratados de proibição das armas bacteriológicas, das armas nucleares ou do comércio de armas. Neste espírito de justiça, devemos denunciar os Estados que aumentam as suas despesas militares e decidem excluí-las do cálculo do défice público, mantendo porém nesse cálculo as despesas públicas ditas sociais (que não param de diminuir em relação às necessidades). Este é mais um exemplo do absurdo da opção das potências dominantes pela “guerra defensiva”.

Daí a 2ª reflexão

A mobilização contra a guerra deve ser claramente conduzida com o objetivo de fazer compreender a absoluta inutilidade da guerra e, nos tempos que correm, a irreparabilidade das destruições provocadas pela guerra, nomeadamente no domínio da vida. É por isso que a luta “contra a guerra” deve ter dois objetivos prioritários interdependentes, que hoje são espezinhados ou abandonados: a concretização do direito universal à vida para todos; e a salvaguarda e a promoção dos bens comuns, materiais e imateriais, essenciais a essa mesma vida.

Porquê esta proposta? Não podemos deixar de recordar que a guerra destrói a vida e, por conseguinte, a capacidade da humanidade de viver comunitariamente à escala planetária. Além disso, nesta época de tomada de consciência do Antropoceno e da globalização das condições de vida na Terra e da sua segurança, devemos insistir fortemente na evidência de que a guerra, por definição, é incapaz de produzir uma pequena migalha que seja de justiça. A consequência lógica é a de que, como o genocídio dos palestinianos demonstra com extrema clareza, “a minha segurança em termos de existência e de sobrevivência, implica o teu desaparecimento”.

A reconstrução do mundo após a Segunda Guerra Mundial foi possível porque as classes dominantes da época basearam a sua reconstrução na afirmação de princípios, direitos e regras inspirados por uma visão da vida expressa na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Essa Declaração foi justamente criticada por ser largamente influenciada por uma abordagem ocidental, antropocêntrica e patriarcal da sociedade e da vida. Esta abordagem foi parcialmente modificada, corrigida ou mesmo abandonada graças, entre outras coisas, à adoção, no âmbito das Nações Unidas, da Declaração Internacional dos Direitos Humanos, da Declaração Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas à Autodeterminação e ao Autogoverno e da Declaração sobre a Biodiversidade. …. O facto é que todas estas Declarações, Pactos, Convenções e Tratados, não conseguiram até à data impedir as suas violações. Chegou o momento de redefinir as grandes linhas de orientação para o futuro comum que temos de construir nas próximas décadas, com base na cooperação e na harmonia, valorizando as conquistas alcançadas pelas lutas dos cidadãos.

Uma das grandes conquistas que merece ser mantida e reforçada, é a do princípio afirmado pela comunidade internacional, pela primeira vez, de que, para vivermos juntos à escala planetária, é essencial e incontornável assegurarmos e reforçarmos permanentemente dois pilares da sociedade:

Primeiro pilar: O princípio universal do direito à vida para todos os habitantes e povos da Terra, sem distinções nem exceções. Daí a afirmação da responsabilidade integral comum e partilhada dos povos, do Estado de direito à escala planetária para salvaguardar e promover a concretização desses direitos.

O segundo pilar é: O reconhecimento do princípio da existência de bens públicos mundiais essenciais à vida de todos os habitantes da Terra, que os poderes públicos “nacionais” são obrigados a proteger, promover e valorizar num quadro de estreita cooperação e solidariedade mundial.

Até aos anos 80, estes dois pilares garantiram o funcionamento e o desenvolvimento dum sistema político mundial que, apesar das suas limitações, insuficiências e contradições, e de numerosas guerras locais (ligadas ao processo de demolição dos impérios coloniais europeus), nos permitiu viver sem uma terceira guerra mundial. De facto, o mundo assistiu a uma redução do ritmo de crescimento das desigualdades entre países ricos e pobres, o que contribuiu para reduzir o impacto das forças geradoras de conflitos estruturais, e consequentemente de guerras destrutivas.

A partir do final dos anos 80, o sistema mundial viu explodir as suas contradições, insuficiências e fragilidades, em resultado dos processos de multinacionalização e globalização da economia e das finanças, de acordo com os princípios, objetivos e mecanismos violentos da economia de mercado capitalista. Referimo-nos ao processo de mercantilização e artificialização de todas as formas de vida; à liberalização e desregulamentação dos mercados e de todas as atividades económicas (cada vez menos Estado e cada vez mais mercado); à privatização de todos os bens e serviços essenciais à vida através, nomeadamente, do patenteamento privado de organismos vivos com fins lucrativos (exemplos: sementes, OGM, medicamentos), e à inovação tecnológica (novos materiais, novas energias, computadores, robótica e, atualmente, Inteligência Artificial). Tudo isto foi conseguido com o consentimento e o apoio político e financeiro quer dos poderes públicos quer de uma grande parte das forças sociais “progressistas”.

A propriedade e o controlo da utilização de recursos fundamentais para a economia, deixaram de ser da responsabilidade e obrigação dos poderes públicos. Passaram a estar sob o domínio e o poder de sujeitos privados (empresas, instituições, mercados, bolsas de valores) da economia capitalista. Como sabemos, o objetivo último do sistema capitalista não é a garantia/segurança dos direitos à vida, nem a preservação do bom estado ecológico da Terra como a nossa casa comum. O seu objetivo é aumentar o valor financeiro do capital e dos seus atores mais poderosos. Além disso, o principal modus operandi do sistema não é o da cooperação ou da solidariedade, mas sim o da predação, da concorrência oligopolista e da competitividade de todos contra todos. Os outros tornaram-se nossos inimigos, e o mercado foi transformado numa arena onde os gladiadores mais fortes adquirem o direito à vida concedido pelo imperador (as finanças) depois de terem eliminado todos os demais.

É pois fácil de ver como, nestas condições, se impuseram os fatores da violência e duma guerra estrutural permanente. As desigualdades atingiram níveis inaceitáveis. A guerra dos ricos contra os pobres nunca foi tão aberta. E, por último, mas não menos importante, assistimos ao ressurgimento da forma mais radical de destruição da vida e da humanidade: o genocídio deliberado em massa (que será objeto da nossa reflexão final).

3ª reflexão

Uma vez que a mobilização contra a guerra envolve lutas pela reconstrução planetária dos dois pilares referidos acima, a mobilização deve centrar-se também em dois objetivos: a abolição das patentes para fins privados e lucrativos; e a ilegalização da finança predatória.

A prossecução destes dois objetivos não é fácil, porque as patentes privadas e a finança predatória são defendidas de forma violenta e sem escrúpulos por todos os grupos dominantes, incluindo sobretudo aqueles que giram em torno da supremacia e do domínio económico-financeiro e tecnológico-militar dos Estados Unidos (e da UE).

Hoje, em condições marcadas por uma profunda crise do sistema de suporte de vida da Terra, é necessário agir globalmente para “desarmar a tecnologia da conquista da vida” (a das tais patentes, precisamente) e, ao mesmo tempo, “ilegalizar as finanças predatórias” (que levam à transformação de todas as formas de vida em ativos financeiros).

Desarmar a tecnologia da conquista significa, obviamente, abolir as patentes para a apropriação privada e lucrativa de organismos vivos e da inteligência artificial e proibir o comércio de armas. Já não se trata apenas de uma questão de utilização correta ou incorreta do conhecimento e da tecnologia, que seriam neutros por natureza. Hoje, o conhecimento e a tecnologia já não são essencialmente forças exteriores aos seres humanos, mas uma construção das sociedades humanas que definem as suas finalidades e objetivos concretos.

A proibição das finanças predatórias implica a proibição dos paraísos fiscais e da evasão fiscal, a instauração de um sistema de tributação global que garanta a justiça global e a supressão da independência dos mercados de capitais, que se tornaram empresas globais puramente privadas, fora do controlo dos poderes públicos.

É uma ilusão pensar que é possível construir a paz e uma sociedade não-violenta sem abolir as patentes de apropriação e predação privada da vida; sem proibir as licenças de comércio de armas; sem destruir os paraísos fiscais; sem eliminar a independência dos mercados financeiros; e sem regulamentar as grandes oligarquias planetárias em luta permanente pelo poder.

É também ilusório pensar que é possível atingir os objetivos acima referidos em poucos anos e através da ação solitária e desorganizada desta ou daquela “grande” organização da sociedade civil, na ausência de uma forte cooperação estratégica e de uma solidariedade efetiva entre as várias forças de resistência e de oposição ao mundo atual.

4ª e última reflexão

Hoje, 80 anos depois do genocídio dos judeus através da Alemanha nazi, a humanidade é de novo espoliada e enredada no absurdo por via do genocídio do povo palestiniano através do Estado de Israel, sem esquecer os extermínios em curso por esse mundo fora, nomeadamente em África e na Ásia. O genocídio dos palestinianos é hoje a manifestação mais avançada do caráter inadmissível e absurdo da chamada “guerra justa e defensiva”.

É preciso dizer claramente que o genocídio dos palestinianos não é uma guerra propriamente dita. É uma ação destrutiva da vida, deliberada e unilateral, operando numa dimensão da condição humana “ditada” pela guerra e apresentada como “medida de segurança para garantir a sobrevivência”! Tal como o genocídio dos judeus não foi ditado por nenhum problema de “segurança” para os alemães, mas por uma visão racista profundamente desigual, violenta, discriminatória e repressiva dum povo, também o genocídio dos palestinianos é a expressão brutal de formas absolutas e dogmáticas (neste caso de origem religiosa racista) de desigualdade e exclusão dum outro povo.

Os futuros de paz que estão em causa no contexto atual, abarcam múltiplas condições e obedecem a múltiplas lógicas, em todos os domínios, sobretudo no tocante às conceções de vida do ser humano e da comunidade global de vida na Terra.

Pôr cobro imediato ao genocídio, como justamente ordenou o Tribunal Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional, não é essencialmente uma questão de direito internacional. É, acima de tudo, uma questão de responsabilidade humana e ética planetária que incumbe a todos os sujeitos da mesma Humanidade, incluindo as comunidades sociais, culturais e morais do nosso planeta. Os membros e as autoridades dessas comunidades devem ir para além dos apelos à paz e das petições às autoridades políticas dos Estados.

Face à guerra, a prática predominante é acreditar que se pode estar dum lado ou do outro. Na nossa opinião, devemos sempre tomar uma posição “contra a guerra” e atuar no sentido de criar as condições necessárias e indispensáveis para a paz. Perante o genocídio dos palestinianos de hoje, não podemos deixar de nos opor a ele sem limites reducionistas. O genocídio é a negação total da vida e da justiça. O genocídio dos palestinianos é também o genocídio da humanidade. Ao não o impedirmos, estamos a dar ao Estado genocida o direito mais do que simbólico de massacrar a humanidade e a justiça.

E um futuro sem justiça será sempre um futuro sem paz, um futuro anti-humano. Aliás, os pais fundadores da República Italiana fizeram muito bem em adotar o artigo 11º da Constituição, no qual se estipula que “a Itália repudia a guerra”.

Conclusão

Mesmo os atuais impérios da tecnologia conquistadora (à moda de Musk) e dos “novos senhores” dos conglomerados industriais e financeiros do mundo, irão um dia ruir. O importante, é não ficar à espera que isso aconteça por si só. Não são a Microsoft, a Google, a Meta, a Amazon, a Black Rock, a Vanguard, o Crédit Agricole, o BNP, o Crédit Suisse, a Walmart, a BASF, a Bayer, a Syngenta, a Pfizer, a Coca-Cola, a Exxon, a Nestlé, a Danone, a Dow Chemicals, ou a China Petroleum que poderão evitar a “Terceira Guerra Mundial”. Sem esquecer a X, a Tesla, a Space X e os seus patrões, as bolsas de Londres, de Nova Iorque, de Chicago, de Xangai ou de Tóquio, a Comissão Europeia, o Banco Mundial e o FMI, o governo americano, os governos dos países membros da NATO, o governo da Federação Russa, ou o Banco Central Europeu independente.

Cabe aos cidadãos indignados (sobretudo as mulheres, os camponeses, os povos indígenas, os 4 mil milhões de pessoas sem cuidados médicos de base e sem acesso a água potável, os sem-abrigo, os milhões de migrantes à procura de um país de acolhimento, os trabalhadores, etc.) imporem uma paragem, todos juntos. A este respeito, as autoridades morais ao nível mundial, por exemplo do mundo das crenças religiosas e éticas, têm um papel importante a desempenhar, não só através da sua influência, mas também em termos do seu poder de decisão. Muitas soluções podem ser clara e explicitamente apoiadas por elas.

Para promover as condições necessárias e indispensáveis à construção da paz, eis alguns exemplos — em complemento, ou para reforçar as soluções já formuladas nas páginas anteriores — de soluções a aplicar no domínio da vida, da sua salvaguarda, promoção ou proteção, assim como da salvaguarda dos direitos e bens comuns:

  • Rejeitar o patenteamento privado e com fins lucrativos dos organismos vivos e da Inteligência Artificial, porque esse patenteamento confere o poder de decisão sobre a vida a privados motivados essencialmente pela atração do lucro e do poder. É preciso devolver a responsabilidade coletiva pela vida às instituições e aos órgãos públicos democráticos, desde o nível local ao global;
  • Criar um Conselho Mundial de Segurança dos Cidadãos para os Bens Comuns Globais essenciais à vida de todos, em particular a água, a alimentação e a saúde, abandonando a privatização e a financeirização predatória destes três bens e serviços fundamentais;
  • Num contexto inspirado pela procura efetiva e sincera da paz, os tratados internacionais de alianças militares ditas “defensivas” devem ser declarados ilegais e inadmissíveis. O Conselho de Segurança da ONU é um modelo a abolir;
  • Criar um Conselho Económico Mundial para a Cooperação e o Comércio Solidário e Sustentável para substituir a Organização Mundial do Comércio, que exige que todos os bens, serviços e relações entre os seres humanos, e entre estes e a natureza, sejam tratados como mercadorias e ativos financeiros. A apropriação da terra e da água do planeta devem ser declaradas ilegais;
  • Proibir toda a utilização agrícola, industrial e terciária de substâncias químicas que envenenem a vida da Terra e conduzam à degradação e à perda da biodiversidade e da biocapacidade do planeta;
  • Abolir os paraísos fiscais, símbolos da legalização do roubo da riqueza coletiva e da sua aceitação ética pelas nossas sociedades, e proibir a evasão fiscal;
  • Restabelecer o carácter e a função pública do dinheiro. A privatização do dinheiro e das finanças globais é um dos instrumentos mais poderosos, a par da tecnologia, para gerar conflitos e guerras pelo poder e pelo domínio. As autoridades locais, nacionais e mundiais, devem recuperar em conjunto o controlo das finanças. É urgente reduzir drasticamente o poder de domínio sobre as poupanças e os investimentos, muito superior ao dos Estados, adquirido pelos grandes bancos, pelos fundos de investimento e pelas bolsas de valores. É necessário organizar uma convenção mundial de cidadãos sobre bancos, fundos de investimento e mercados bolsistas para elaborar um plano global de reestruturação financeira, segurança e paz.

* * *

A luta “antiguerra” é a luta dos justos, é a luta ética pela vida. É a reafirmação do primado do espiritual e da luta para reirrigar a Terra, para tornar os desertos mais verdes, para devolver o oxigénio aos oceanos, para praticar a fraternidade, para viver a amizade, numa palavra, para devolver a alegria e o amor à vida.

Bruxelas, aos 26 de Agosto de 2024.

 

Lista dos primeiros signatários (até 25 de Agosto de 2024):

Donata Albiero, antiga diretora escolar (Itália), Mario Agostinelli, Associação Laudatosii (Itália), Alain Adriaens, Mouvement pour la Sobriété (Bélgica), Alassan Ba, Farmacêutico, Centre d’Ethique (França-Senegal), Guido Barbera, Solidarietà Internazionale-CIPSI (Itália), Cristina Bertelli, Université du Bien Commun (França), Antonio Bruno, Professor (Itália), Ernesto Bonometti e Antonella Zonato, ativistas pela água (Itália), Luca Cecchi, Ativista pela água, Ass. Monastero del Bene Comune (Itália), Martine Chatelain, ativista pela água Eau Secours (CND-Québec), Giovanna Dal Lago, Ass. “Mamma no pfas” (Itália), Eric Degimbe, Communauté de la Poudrière (Bélgica), Aníbal Faccendini, Cátedra del Agua, Universidad Nacional de Rosario (Argentina), Ettore Fasciano, Ativista dos Direitos Humanos (Itália), Adriana Fernández, Educadora (Chile), Paolo Ferrari, Doutor, Cristãos de Base de Verona (Itália), Alfio Foti, Convenção para os Direitos do Homem no Mediterrâneo (Itália), Pierre Galand, Ex-Senador, Fórum Nord-Sud (Bélgica), Lilia Ghanem, Antropóloga, editora de O Ecologista em árabe (Líbano), Melissa e Laury Gringeaux, Ass. Méga Bassines non merci (França), Luis Infanti de la Mora, Bispo da Diocese de Aysén, Patagónia (Chile), EricJadoul, Ativista pelos bens comuns (Bélgica), Pierre Jasmin, Pianista, Artistes Pour la Paix (CND-Québec), Michele Loporcaro, Agricultor (Itália), Claudia Marcolungo, Professora Univ. de Pádua (Itália), Maurizio Montalto, Advogado, Defensor da água como bem comum (Itália), Loretta Moramarco, Advogada, Ativista pela água (Itália) Vanni Morocutti, Communauté de la Poudrière (Bélgica), Dario Muraro, Ativista no pfas (Itália), Marinella Nasoni, Ex-sindicalista (Itália), Christine Pagnoulle, Professora emérita da Ulg, ATTAC (Bélgica), Maria Palatine, Musicista, harpista (Alemanha), Gianni Penazzi, Guitarrista, ativista da paz, dos direitos humanos e do ambiente (Itália), Nicola Perrone, Jornalista, “Solidarietà Internazionale” (Itália), Riccardo Petrella, Professor Emérito, Universidade de Lovaina (Bélgica), Michela Piccoli, Mamma no pfas (Itália), Pietro Pizzuti, Ator, Collectif des Artistes (Bélgica), Jean-Yves Proulx, Education citoyenne (CND-Québec), Paolo Rizzi, Educador, ativista dos direitos humanos e do ambiente (Itália), Domenico Rizzuti, Antigo dirigente sindical/investigador (Itália), Anne Rondelet, Reformada (Bélgica), Roberto Savio, jornalista, fundador da IPS e da Other News (Itália), Catherine Schlitz, Association PAC-PrésenceAction Culturelle (Bélgica), Patrizia Sentinelli, Association Altramente ex-ministro da Cooperação (Itália), Cristiana Spinedi, professora (Suíça), Mimmy Spurio, reformada, ativista pela água (Itália), Bernard Tirtiaux, escultor, escritor (Bélgica), Hélène Tremblay, investigadora, autora, conferencista (CDN-Quebeque), Philippe Veniel, Antropólogo, Associação Boissonnière (França).


Todos os artigos em português sobre a 3ª Marcha Mundial pela Paz e a Não-Violência