MÚSICA

Por Renan Simões

 

A série Discografias aborda a obra de alguns artistas que cruzaram minhas apreciações musicais, muitos dos quais com pouquíssimas publicações a seu respeito. O segundo artista da série é Gimu, grande amigo e influenciador que produziu uma obra espetacular e única no cenário brasileiro de música experimental. O próprio Gimu tem elaborado textos sobre seus álbuns favoritos:

No longer fire… é provavelmente a canção mais complexa que já fiz. Tive a ideia de pegar algumas partes que havia criado e convertê-las para midi para poder testar os timbres de um synth VST que usava na época. Acabei testando praticamente todos os sons desse synth VST para ver como cada parte que eu havia feito soaria. Por exemplo, “tal parte” com algum som (timbre) de marimba, ou algum pad, algum lead, etc. Mesmo tendo dois computadores, usei um caderno e uma caneta para deixar anotado todos os nomes de cada um desses sons (do synth VST). Aí criei uma lista com os nomes dos sons de que mais havia gostado.

Esse processo durou dias. Quando terminei de testar todos esses sons, a lista era enoooorrrrrme. Várias páginas daquele caderno. Eu testava o som e, se gostasse, convertia para wav e salvava. De repente, eu tinha toneladas de arquivos wav. Criei grupos de cinco sons e cada um recebeu um número. Uma trabalheira de passar o lado direito do cérebro para a esquerda e vice-versa. Um “testa-paciência” mamútico! Meu pescoço não devia doer tanto naquela época.

Continuei fazendo isso de grupos de cinco. Precisava tomar cuidado para que um som em cada grupo não cancelasse o outro. Guerra de frequências. Foi muito trabalho de equalização. Já estou perdido enquanto escrevo isso. Não sei quantos grupos eu tinha quando terminei.  Tinha mais de 200 sons quando comecei. E isso tudo para criar a BASE da música. O que aconteceu depois disso, “só deus”.

Na verdade, meu processo é o mesmo sempre: computador na minha frente, programa aberto, e vamos testar tudo para ver o que acontece; e nessas de testar, vou me deparando com coisas legais, bonitas, excitantes. E tome uma pista aqui e outra pista ali, e dobra uma coisa, dobra outra, salva, “renderiza”, arquivo novo, começa tudo de novo. Normalmente não lembro o que tinha no começo, o que em algum momento era o esqueleto da canção ou algo que tinha vontade de ser o esqueleto da canção. No final, No longer… ficou com quase 50 minutos, com cinco partes distintas e mutantes (risos).

Acho que jamais serei capaz de fazer outro álbum assim. Faz muito tempo que não faço um álbum de uma música (gigante) só. Algumas coisas são realmente o retrato de um momento específico em nossas vidas. Me lembro de estar sentado no tapete preto maravilhoso, que eu amava, no chão da sala daquele apartamento lindo. Conseguia ver o mar mesmo sentado no tapete no chão da sala. Nessa minha vida de 2024 não cabe o que quer que seja necessário para que eu crie outro No longer fire… Genoveva, minha filha canina, ainda não tinha dois anos. Eu ainda tinha um iMac e ele já tinha uns seis anos. O álbum foi lançado em janeiro de 2017. Em julho daquele ano nos mudamos para o RS, e seria o começo de uma outra parte da história da minha família.

https://gimu.bandcamp.com/album/no-longer-fire-now-marble-now-cold

Obs.: Segue link para a resenha do álbum que eu realizei, visto que este ficou em 94º lugar do meu ranking de melhores discos da música brasileira:

https://www.pressenza.com/pt-pt/2021/10/94-gimu-no-longer-fire-now-marble-now-cold-2017-ranking-dos-meus-107-melhores-discos-da-musica-brasileira-ate-2020/