O casal Luis Markina e Emília Curiel (foto) já percorreu mais de 50 mil quilômetros ao redor do mundo para divulgar campanhas contra as guerras. A grande distância já chamaria a atenção se fosse por um meio de transporte como avião ou barco. Mas não. Eles percorreram o trajeto de bicicleta em diversas viagens ao redor do mundo.
Atualmente, o casal está no meio de seu mais recente desafio: percorrer desde a Patagônia até o norte do Chile e da Argentina para promover a Marcha Mundial pela Paz e pela Não Violência, que é uma campanha da Associação Mundo sem Guerras e do Movimento Humanista. O projeto propõe a eliminação das armas nucleares e convencionais, a retirada de tropas de territórios invadidos e a renúncia das guerras nas constituições nacionais como meio de resolução de conflitos.
Luis Markina conheceu a proposta da associação por meio de sua irmã, Aurora, que lhe deu um livro do fundador do Movimento Humanista, Mario Luis Rodriguez Cobos, o Silo. O livro “O olhar interior” fez com que ele tomasse contato com os princípios humanistas e aderisse ao organismo Mundo sem Guerras.
Desde 1997, eles vêm realizando viagens para divulgar as propostas pacifistas da associação da qual fazem parte na Espanha. A primeira façanha do casal de ciclistas foi percorrer 7 mil quilômetros pelos Estados Unidos há 12 anos. Depois vieram os trajetos do México à Bolívia em 2001 e pela Índia em 2005, isso sem falar nos percursos dentro da própria Espanha.
Na viagem atual, eles já percorreram mais de 3 mil quilômetros, partindo do extremo sul da Argentina, na região da Patagônia, até chegar à capital chilena Santiago, onde estão no momento. Eles partiram em duas rodas de Ushuaia, na Terra do Fogo. Depois cruzaram o Estreito de Magalhães em uma balsa estreita. Passaram por lugares turísticos como o Glacial Perito Moreno, na Argentina. Enfrentaram trechos inóspitos como o Lado del Desierto, onde tiveram que caminhar cerca de 18 quilômetros, com as bicicletas nas costas.
Na Ilha de Chiloé, Luis Markina fez questão de visitar o museu do escritor chileno, Francisco Coloane, de quem é admirador. A reportagem de Pressenza encontrou com os ciclistas no Parque Punta de Vacas, onde será o local de chegada da Marcha Mundial pela Paz e pela Não Violência em 2 de janeiro de 2010. Em uma entrevista descontraída, aos pés das altas montanhas do lugar, o casal contou como está sendo a aventura que já dura cerca de três meses e está prevista para terminar em maio.
Na entrevista exclusiva, eles descrevem também as conquistas alcançadas com a divulgação da Marcha Mundial, com a publicação de uma dezena de matérias em jornais e oito entrevistas em rádios ou TVs das cidades por onde passaram. A repercussão tem sido grande também devido às adesões de prefeitos, governadores e diversas autoridades à campanha. Além disso, o casal explica qual é a relação do estilo de vida dos ciclistas com os princípios de paz e não violência. Nesse sentido, Luis Markina cita Gandhi para sintetizar essa relação: “Vive simplesmente para que outros possam simplesmente viver”, diz.
Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Pressenza: Por que uma volta de bicicleta de milhares de quilômetros para divulgar a Marcha Mundial pela Paz e pela Não Violência?
Luis Markina: Como membros de Mundo sem Guerras, queremos ajudar a modificar os paradigmas sociais e uma boa forma é apoiando a Marcha Mundial pela Paz e pela Não Violência. Queríamos fazer isso metro a metro, pessoa a pessoa, povoado a povoado, por isso, decidimos fazer um trajeto de bicicleta.
Pressenza: Como está sendo a recepção das pessoas quando vocês chegam nas cidades e vilarejos e falam da paz e da não violência?
Emília Curiel: Muitas pessoas comuns estão aderindo e devem começar a participar da Marcha Mundial. As pessoas dizem que querem paz, que estão cansadas das guerras que os governos realizam. Em cada lugar, chegamos com o banner e as pessoas ficam olhando e se interessam.
Pressenza: Vocês encontraram no trajeto alguma situação de conflito ou de violência?
Emília: Encontramos uma situação difícil na região de Aysén, na Patagônia. As pessoas estavam em campanha contra a construção de uma represa por empresas espanholas. Tinham algumas pixachões que diziam “mais uma vez os espanhóis nos invadem”. A campanha é “Patagônia sem Represas”. As pessoas estavam um pouco revoltadas, com razão, para preservar suas represas e recursos naturais. As empresas estão “vendendo” que vão criar muitos postos de trabalho. E as pessoas que estão contra acham que a represa vai beneficiar apenas a quatro grandes empresários e que vão trazer especialistas de outros lugares.
Pressenza: O que tem a ver a bicicleta como um estilo de vida de paz e não violência?
Markina: É um meio de transporte que não é agressivo, não agride a ninguém. Por isso, ajuda a pacificar o tráfico. Por ser silenciosa, não gera violência auditiva. Por não ser poluidora, não gera violência ambiental. É o meio de transporte com maior afinidade com a filosofia pacifista e ecologista. É um meio de aproximar as pessoas a outro modo de pensamento, mais relaxado, mais lento, menos estressante que um carro.
Pressenza: Quais as vantagens de usar a bicicleta e fazer uma viagem em duas rodas?
Emília: É um estilo de vida. Gastamos muito menos dinheiro na viagem. Temos mais contato com as pessoas, com o povo. Sentimos os cheiros, percebemos a natureza. Trabalhamos alguns meses no verão e depois viajamos no restante do ano. Os jovens sentem-se muito atraídos por esse estilo, que não é de ter um super carro, um super apartamento. Não hipotecamos a vida, estamos mais livres.
Pressenza: Falem um pouco das adesões de autoridades e personalidades que vocês têm conseguido durante o trajeto.
Markina: Tem sido muito fácil. Assim que chegamos a uma nova cidade, primeiro vamos aos meios de comunicação e, em seguida, às prefeituras e aos governos. Geralmente temos que esperar. Às vezes nos fazem esperar muito. Mas quando finalmente somos atendidos, somos bem recebidos. Todos, praticamente, têm aderido à Marcha. Conseguimos importantes adesões como a da Ministra da Cultura do Chile, Paulina Ulhoa, e do governador de Santa Cruz, na Argentina. A adesão da presidente chilena (Michelle Bachelet) tem ajudado muito para que os prefeitos de pequenas cidades adiram facilmente.
Pressenza: Como é chegar aqui no Parque Punta de Vacas onde será a chegada final da Marcha Mundial pela Paz e pela Não Violência?
Emília: A chegada foi muito emocionante. O local onde está encravado o parque é especial. Sentimos uma paz impressionante. Ainda estamos conhecendo o parque inteiro. Não tenho dúvida que terá uma energia especial quando as pessoas se concentrarem aqui em janeiro do ano que vem.
Pressenza: Como tem sido a difusão que vocês têm conseguido nos jornais, rádios e TVs? Isso será importante para mobilizar as pessoas para a Marcha?
Markina: Acho que sim. Muitas pessoas ainda não sabem da Marcha. O mundo da internet tem tanta informação, que é difícil encontrar o site da marcha. O que nos preocupamos em fazer é priorizar o endereço do site. Acho que muitos que entram no site, logo também vão ajudando a difundir para seus círculos de amigos e familiares. É como gotas de água que vão se espalhando. E os meios de comunicação, que tem muito poder de difusão, começam a difundir mais informações sobre a Marcha. Acredito que vão dar seus frutos.