MÚSICA

Por Renan Simões

 

A página do relâmpago elétrico (1977), álbum de estreia de Beto Guedes, pode até não ser o melhor disco da música brasileira. Entretanto, eu o considero, definitivamente, como o melhor disco da música brasileira. Logo na primeira frase que canta, Guedes dá pelo menos umas três escorregadas na afinação e/ou impostação que seriam inadmissíveis para qualquer cantor profissional. Essa fragilidade vocal, por sua vez, está totalmente de acordo com a vaporosidade do conteúdo musical apresentado. Estou mais que ciente de que incompetências técnicas, musicais e artísticas são comumente saudadas, de graça, como expressões legítimas dos artistas, geralmente para justificar algo efetivamente ruim como autêntico. Não é o caso aqui: Guedes cantando Guedes, com toda música e músicos que o rodeiam, é música de verdade para os ouvintes atentos. A imponente capa, de Cafi e Ronaldo Bastos, ecoa o conteúdo musical do registro, que conta com a participação de Toninho Horta, Robertinho Silva, Hely, Flávio Venturini, Vermelho, Zé Eduardo, entre outros. As orquestrações e regência são de Toninho Horta.

A faixa-título, de Guedes e Ronaldo Bastos, talvez seja o tema complexo mais caprichado que foi construído a partir de acordes triádicos maiores e menores; o orgânico acompanhamento instrumental é uma das coisas mais perfeitas que você ouvirá nessa vida. Maria solidária (de Milton Nascimento e Fernando Brant) é o limite máximo que uma música pop pode chegar, em relação à abordagem de compassos alternados, com resultados mirabolantes. Choveu (Guedes e Bastos) é a música mais tocante já composta, com partes vocais pontuais; quando o vocal cede espaço, definitivamente, para os instrumentos, o êxtase é completo, e nos sentimos transfigurados. Quando achamos que as fichas acabaram, a instrumental Chapéu de sol (Guedes e Flávio Venturini) nos presenteia com climas e sentimentos dificilmente alcançados, superando toda e qualquer produção do rock progressivo nacional e internacional. Tanto (Guedes e Bastos) é outro tema musical muito acima da média, torto e acessível ao mesmo tempo, com arranjo letárgico, como um borrão sonoro que delineia os sentimentos do artista na mais pura plenitude; a seção instrumental final é de tirar o fôlego.

Somos trazidos de volta à terra em outro improvável hit pop, Lumiar (também de Guedes e Bastos), que congrega elementos díspares em prol de uma melodia cantarolável e relevante para pessoas de diferentes idades. Bandolim (de Guedes) é outra sublime criação instrumental, e Nascente (Guedes e Murilo Antunes), com linha vocal extremamente desafiadora, encontra sua perfeita interpretação nas imperfeições vocais de Guedes. O suave e mais radiofônico final é composto pela interessante Salve rainha (Zé Eduardo e Tavinho Moura) e o deslocadíssimo porém agradável choro Belo Horizonte (Godofredo Guedes, pai de Beto).

Beto Guedes, A Página do Relâmpago Elétrico, perfeição em forma de som! Ouça, desfrute, reflita, repasse: