Por Edson Diniz
No dia 21 de novembro de 2023, o coletivo de mulheres Cleone Santos¹ postou nas redes sociais um vídeo² denunciando a ação violenta de um grupo de homens, que tentava invadir a ocupação onde elas estavam abrigadas. O lugar é um imóvel abandonado, localizado na cidade de São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista³, e fora ocupado justamente por não cumprir função social. Esse espaço, ocupado pelo Coletivo, passaria a ser um local seguro para mulheres vítimas de violência na cidade e na região.
No vídeo, é possível observar a truculência com que as mulheres são tratadas, e apesar das tentativas de diálogo, elas são ignoradas e ameaçadas constantemente com paus, pedras e uma marreta, utilizada por um dos homens na tentativa de abrir um buraco nas paredes da casa ocupada.
A polícia foi acionada e levou alguns dos homens para delegacia. As lideranças do coletivo Cleone Santos também se dirigiram até lá para registrar o boletim de ocorrência. No entanto, o que se segue é o mais completo absurdo, pois o delegado registrou a ocorrência como “agressão mútua”, ou seja, ele afirmou que as vítimas também teriam agredido os agressores. Na sequência, os homens foram liberados e a marreta, símbolo maior das ameaças contra as mulheres, foi devolvida.
Tal episódio, infelizmente, não é caso isolado no Brasil, onde casos e agressão e feminicídio têm aumentado, e também não é exceção na cidade de São Bernardo do Campo. Na cidade, esse aumento é reflexo de práticas de intolerância, racismo e sexismo que se fortaleceram a partir da atual administração do prefeito Orlando Morando, já denunciado à ONU e ao ministério público por casos de racismo e perseguição aos movimentos sociais.
No caso da agressão à ocupação do coletivo Cleone dos Santos, é nítida a ligação desse episódio com a diminuição de políticas públicas de assistência e proteção às mulheres, como o fechamento de creches e abrigos, por exemplo. As consequências da omissão das autoridades estaduais e municipais são visíveis: houve aumento nos casos de feminicídios, violência doméstica e de estupros na região do ABC paulista. Só no mês de setembro mais de 3 mil mulheres foram atendidas nos postos de saúde em São Bernardo do Campo, vítimas de algum tipo de agressão.
Quando os agentes estatais falham, se omitem ou, pior ainda, quando incentivam práticas racistas, discriminatórias e violentas contra mulheres, negros e pessoas LGBTQIA+ temos um cenário de fortalecimento de grupos protofascistas, caso dos agressores do Coletivo Cleone dos Santos. Pois estes se sentem livres e encorajados a praticar violência. Isso é uma ameaça gravíssima à democracia brasileira e ao Estado de direito, pois desrespeita e fere nossa constituição.
Por isso, em casos como o da cidade de São Bernardo do Campo, é fundamental que nos manifestemos contra a violência sofrida pelas mulheres do Coletivo Cleone dos Santos, e cobremos das autoridades locais outro tipo de postura e a punição dos agressores. A luta dessas mulheres precisa ser a luta de todos nós, pelo bem e pelo futuro de nossa frágil democracia.
¹ Cleone dos Santos foi uma defensora dos direitos das mulheres e fundadora da organização Mulheres da Luz cujo trabalho era criar alternativas de vida para mulheres em situação de prostituição.
² https://youtu.be/_j9vtMRg2C8
³ Região metropolitana no sudeste do estado de São Paulo, formado pelas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e Diadema
