MÚSICA

Por Renan Simões

 

Por que Sonho 70 não é continuamente aclamado pela crítica, e não consta nas listas de melhores álbuns da música brasileira? Quem, além de Egberto Gismonti, conseguiu fazer um disco tão acessível e versátil como este, perfeito para qualquer momento da vida, e recheado de gravações tão primorosas? As composições do álbum, lançado em 1970, são de Egberto, duas em parceria com Arnoldo Medeiros, e uma com Paulinho Tapajós. A direção de produção é de Roberto Menescal; os arranjos e regência, de Egberto.

O tema de Janela de ouro veio, por certo, de uma inspiração divina, e o cuidadoso arranjo é puro deleite, com um dueto adorável de vocalizações sem letra entre Egberto e Dulce Nunes; o baixo funkeado e a levada arrebatadora compreendem um show à parte. A poesia melódica de Parque laje é milagrosa; sua retomada, que vai sendo apagada por um fade out, é pura luz. Talvez Ciclone seja a única faixa que desce do pedestal de trilha sonora dos deuses; entretanto, esta é seguida pela interessantíssima Indi, com arranjo estonteante e leve – talvez o grande destaque do disco. A onipresente e irresistível levada rítmica do registro aparece com mais força na imortal Sonho, que proporciona uma deliciosa sensação de liberdade.

Mercado de serpentes intensifica muitos dos elementos musicais orientais já muito explorados pelo artista, e traz na harmonia amáveis detalhes explorados em Indi; no todo, a faixa é um grande enigma. A solidão torturante de Lendas, com arranjo extremamente econômico – basicamente voz, violão e violoncelo com detalhes de percussão –, nos deixa muito apreensivos e quase sem esperança. Entretanto, a luminosa Pêndulo nos exibe o lado mais maravilhosamente radiante do artista. Por fim, Lírica nº 1 é uma das conclusões de álbum mais excelsas e triunfantes que eu já ouvi.

Egberto Gismonti, Sonho 70, uma gama de emoções para todos os momentos da vida! Ouça, desfrute, reflita, repasse: