CRÔNICA

Por Guilherme Maia

 

O que se consegue esconder sobre os escombros de uma intimidade devastada?

Sorrisos, abraços, piadas e conversas não desvendam o que há por trás de uma fachada.

Mílvio era um homem com uma bagagem imensa de vida, deu nascimento a dois filhos de beleza estonteante, conquistara espaços profissionais e afetivos à força de fórceps. Sempre em algum momento de vida deflagrara uma vitória frente às limitações.

Acontece que tudo esvaíra como areia nos intervalos de sues dedos. De repente, o ritual do adeus se fez presente e de uma casa repleta sobrou o vazio do passado cada vez mais remoto.

Quando se deu conta entrou na casa dos quarenta anos. Conquistas fugazes bateram-lhe na cara, nada estava mais presente e como companhia teve o desamparo.

Falando sobre o vago dos momentos a só. Todas as suas escolhas formaram a via única da solidão: abandono do que propriamente compunha sua maneira gregária de ser. Agora tinha garçons e taxistas como amigos do peito, de um acolhimento desesperado de consumo momentâneo.

Espraiava-se pelo Centro do Rio como um beduíno sem tenda, conhecia pessoas no intuito de aplacar a ferocidade dos instantes em que ficava sozinho: cada minuto lacerava seu amor próprio.

A sociedade de consumo incute felicidade sintética comprável, de efeito imediato se desfaz como um castelo de areia suspenso no ar: a alegria de uma fração de tempo inequivocamente sem sentido.

A busca da Arte perdeu o brilho para ele de encanto contraposto à ideia de finitude da vida.

A ideia do outro. Seu incansável trabalho de dignificar individualidades esmaeceu e os meios para conseguir estar para alguém esfalfavam sua vontade – todo o trabalho que as soluções exigem fizeram estéril sua vontade.

Todo o sentimento do vazio, o vazio contido no olhar de um bebê recém-nascido ao encarar o mundo a sua volta, afluiu à escolha de um ponto sem retorno. Assaltado pela depressão, pior das madrastas, impelido pela autopiedade restou a ele dois caminhos: antecipação da morte ou reerguer os olhos para uma nova esperança.

Nada proviria de fatores externos: religiões, bebidas, mulheres ou drogas. Tudo isso enterrava ainda mais a fonte de qualquer reviravolta.

Ressignificar seus objetivos, espaços, opções, ressignificar sua percepção da vida.

Eis que surgem duas novas realidades para soerguer o que estava arrojado no chão.

As duas vêm de fora, mas são projeções de seus desejos ativos, são como o que ele quer e ainda afogado no lamaçal do passado frustrado, apontam para a nova estrada da vida.

Imanados do núcleo duro da resistência pela vida afloram a força do trabalho e a do amor. Forças estes que desbravam as sarças da desilusão e apontam para Mílvio a transformação do desespero em algo novo e solar.

Não eram a projeção psicanalítica que criara a nova esperança senão a vontade de novas conquistas.