Para além dos fatos apontados no artigo abaixo como explicações por assim dizer “externas” para a decadência da Europa (falta de dinamismo da economia europeia; subserviência em relação aos EUA; e caça aos cérebros europeus por parte dos norte-americanos após a 2ª Guerra Mundial), temos obviamente de apontar também as não menos importantes razões “internas” para essa decadência: foram os próprios europeus que, no século passado, se andaram a destruir uns aos outros em duas Guerras Mundiais. Só nessas guerras morreram no total cerca de 100 milhões de pessoas! E, especialmente por parte do regime nazi alemão, foram mortos milhões de civis simplesmente por serem judeus ou por pertencerem a minorias étnicas consideradas inferiores, ou por serem pessoas esquerdistas ou da oposição. Acrescem a isso as dezenas de milhares de intelectuais que tiveram de fugir para outros continentes e que já não voltaram mais.
Por Carlos Matos Gomes (*)
Alguns elementos que podem ser retirados do artigo, em 2008 o PIB da zona Euro era apenas ligeiramente inferior ao dos EUA. Hoje, apenas passados quinze anos, o PIB americano aproxima-se do dobro. Em 2022 o rendimento per capita de um europeu era de 40,5 dólares e de 71,9 nos EUA. Dir-se-á que os europeus são mais pobres mas a sociedade europeia é globalmente mais justa. Isso é verdade, mas o estado social europeu ocidental foi uma contrapartida para evitar a tentação socialista dos trabalhadores no pós-segunda guerra e para impedir a autonomia da Europa, principalmente os riscos da sua reunificação para os vencedores da II Guerra, prevenida pelos acordos de Ialta e de Potsdam entre os EUA e a URSS.
Escreve Teresa de Sousa: “As razões para o empobrecimento dos europeus estão estudadas: a capacidade da economia americana continua sem ter rival no que respeita à investigação e à inovação.” É uma verdade falaciosa. Falta explicar o porquê de atualmente ser assim. Até à II Guerra Mundial, meados do século XX, era na Europa que se concentrava a capacidade tecnológica e de inovação mundial, o conhecimento da matéria, do átomo, o conhecimento do universo, o conhecimento da química encontravam-se na Europa, dos Curie a Einstein, de Max Planck, Heisenberg, Von Braun eram europeus, assim como Alan Tuning, considerado o inventor do computador.
A questão para explicar a decadência e a subalternização da Europa é, pois, a de saber, ou procurar saber as causas da transferência do centro de inovação da Europa para os Estados Unidos. Esse processo está também estudado. Os Estados Unidos (e também a URSS) realizaram após a II GM uma verdadeira razia aos cérebros europeus, e não foram apenas os alemães, foi uma caça generalizada. Ofereceram condições de trabalho e de vida de alta qualidade aos melhores cientistas e pensadores. Esvaziaram a Europa dos seus cérebros. E não levaram só os cientistas já formados, atraíram também as novas gerações de estudantes de alto potencial através de generosas bolsas de estudo e de estágios. As universidades americanas, sustentadas em grande parte pelos grandes complexos industriais e pela banca constituíram um instrumento estratégico que agiu e age em todas as áreas: a investigação para ciência pura, para ciência aplicada e para a manipulação do pensamento e do comportamento através dos think tanks e da indústria do entretinimento (cinema, audiovisual).
A submissão da União Europeia aos Estados Unidos que a guerra na Ucrânia evidenciou é o resultado de uma estratégia de guerra longamente pensada e friamente executada, em que um potencial competidor é lobotomizado e castrado para não representar um perigo futuro. O melhor do pensamento e do saber europeu foi sugado como compensação pela intervenção dos EUA (e também da URSS) na II Guerra. A Europa não perdeu de um dia para o outro (mas em meio século) a sua capacidade de produzir saber que gerou seres como Galileu, Leonardo da Vinci ou Newton.
A guerra na Ucrânia surge num momento em que a União Europeia (a Alemanha em particular) estava em vias de se autonomizar em termos de fornecimento de energia através dos acordos com a Rússia, dominava a economia dos ex-países do Leste, em particular a Polónia, e era o mais forte parceiro europeu da Turquia. A guerra na Ucrânia, preparada desde 2014 (pelo menos), resulta do entendimento dos Estados Unidos de que um novo bloco dotado das capacidades militares e espaciais da Rússia, com as capacidades científicas alemães, e com a demografia e a posição estratégica da Turquia, colocava em causa o seu domínio hegemónico, em particular no Médio Oriente e na Ásia Central.
Os acordos de transferência de dados da Europa para as centrais de processamento de informação nos EUA estabelecidos pela senhora Ursula Von Der Leyen e pela Comissão Europeia, num processo sombrio, sem alarido e feitos com a cumplicidade da comunicação social corrompida até ao âmago, são uma garantia de que nenhuma inovação e autonomia é autorizada ou concedida à Europa.
Resta a nostalgia dos europeus pelas suas inovações artísticas, as suas catedrais, as suas esculturas e pinturas, a sua música e dança, os seus livros, os seus pensamentos.