CRÔNICA
Por Paolo D’Áprile
Ma il mio sole nascerà
Dove cammini tu
il mio sole morirà
Dove vivi tu
Mas o meu sol nascerá onde você caminha, o meu sol morrerá onde você vive – Pino Daniele
Não é humano, nunca foi humano, Wayne Shorter não é um de nós. E nunca tentou disfarçar, sempre foi sincero, sempre mostrou seu verdadeiro semblante, sua verdadeira natureza. Wayne é feito da substância dos pássaros marinhos, voadores nadadores, Wayne é feito do esquecimento dos poetas no qual o padrão retilíneo da história não vale, não funciona. Wayne Shorter. Seu mundo é a medida da Liberdade, o poema jamais escrito, seu mundo repousa no espaço desenhado entre as notas, na altura inalcançável dos sonhos.
Foi tudo isso que pensei quando, quarenta anos atrás, ouvi aquele pequeno solo de saxofone. Ele, gigante do jazz mundial, mestre absoluto do sax, num pequeno solo perdido no meio de um disco de um jovem músico napolitano.
Era como se as gravações com Miles Davis, com o Weather Report, com Milton Nascimento, fossem resumidas, concentradas, liofilizadas, no espaço reservado ao solo de sax de uma canção qualquer.
01: 15 da manhã (da noite, da madrugada) vibração do telefone. É um zap do Guilherme. Leio a frase: “Paolo escreve sobre Wayne Shorter” seguida por quatro pontos de exclamação. Dou um google rapidinho e leio a triste notícia.
E agora seria fácil para mim contar sua história, falar de seus discos, descrever o som daquele saxofone que recolheu a herança de John Coltrane para limpar todas as arestas, todos os tormentos, tirar dela a angústia e o sofrimento: aquele “Love Supreme” que chega a doer de tão intenso. Seria fácil dizer que as lendas nunca morrem. Seria fácil. Ao invés disso, em plena madruga escuto no fone de ouvido aquele pequeno solo de quarenta anos atrás onde cabe toda sua música.
É isso aí, amigo Guilherme, naquele pequeno solo está todo ele, Wayne Shorter.