MINERAÇÃO

Por Fernanda Perdigão

 

O modus operandi de empresas de exploração mineral  que visam o lucro acima da vida e a economia como prioridade, remonta na bacia do rio Paraopeba, atingida pelo Desastre-Crime da Vale S.A o genocídio recentemente divulgado dos Yanomami. 

No caso dos Yanomami, com a conivência do governo federal que implantou a “política anti-indígena” apoiada nos discursos do ex-presidente Jair Bolsonaro, que além de imaginar uma nação brasileira sem estes povos, na prática, desmontou as instituições de garantia de direitos dos povos indígenas, permitindo invasões e destruição dos territórios.

No Estado de Minas Gerais, o governador Romeu Zema, declaradamente apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro, que, após os atos antidemocráticos praticados em Brasília, declarou: “ Me parece que houve um erro da direita radical, que, lembrando, é uma minoria, e houve um erro também, talvez até proposital, do governo federal, que fez vista grossa para que o pior acontecesse e ele se fizesse posteriormente de vítima” afirmou Zema em entrevista à Rádio Gaúcha, do Rio Grande do Sul.

Romeu Zema, é um grande defensor das mineradoras no Estado de Minas Gerais, sendo investigado por possíveis facilitações para licenças ambientais como no caso da Serra do Curral, cartão postal da capital mineira, e nomeação de primas de chefe de mineradora em órgão que decide sobre a mineração.

No Desastre-Crime da Vale S.A na bacia do rio Paraopeba, foi o responsável pela negociação do Acordo Judicial de Reparação, que não respeitou a participação das pessoas atingidas, e segue sem cumprir seu objetivo que seria reparar os danos, e dos cerca de R$ 11 bilhões do Acordo destinados ao Estado, Zema realizou transferências do que chamou de “sobra” do acordo para 361 prefeituras que não precisaram seguir critérios técnicos, como por exemplo, ser um município atingido e  sobre o tamanho da população.

Através desta subserviência do atual Governador de Minas, a prática de violações de direitos é algo presente nos 26 municípios atingidos na bacia do rio Paraopeba, e contando com a liberalidade do estado, as mineradoras desrespeitam as legislações vigentes e violam reiteradamente os direitos das pessoas atingidas, como consequência, a “política anti-indígena” à Aldeia Patoxó, localizada nas margens do Rio Paraopeba, que amargam os danos do rompimento e tem seu direito à Assessoria Técnica Independe negado pela mineradora Vale S.A. 

Cumpre destacar que a Política Estadual dos Atingidos por Barragens – PEAB – instituída em 15 de janeiro de 2021, garante que o Estado preste assistência às pessoas atingidas por barragens, prevendo ainda o direito à Assessorias Técnicas Independentes em seu art. 3º, inciso VIII diz: direito a assessoria técnica independente, escolhida pelos atingidos por barragem e a ser custeada pelo empreendedor, para orientá-los no processo de reparação integral, nos termos de regulamento.”, e que, mantendo a postura de enfraquecimento dos espaços participativos, o Governador Romeu Zema, criau um grupo coordenado pelo subsecretário de Direitos Humanos da Sedese – Duílio Silva Campos, para regularizar o PEAB.

A resolução conjunta é assinada pelas secretarias de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Elizabeth Jucá, de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Marília Melo, e de Planejamento e Gestão (Seplag), Luísa Barreto, além do secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Thales Fernandes. 

Percebemos que o Governo de Minas Gerais, além de seguir uma “política anti-indígena”, segue a política “anti-participação social”, exercendo um governo ditador, não democrático regido pelo Governador Romeu Zema em que não há participação popular. 

Precisamos considerar que os povos indígenas, têm uma forte relação com a natureza, pois a consideram sagrada e se sentem parte integrante dela, desta forma, devem ter garantidos seus direitos constitucionais, e garantidos os direitos dos indígenas sobre suas terras que são definidos como “direitos originários”, complementando no caso da Aldeia Pataxó, o artigo 232 da Constituição, que, garante aos povos indígenas a capacidade processual, pois tal artigo traz expresso “ os índios, suas comunidades e organizações, são partes legítimas para ingressar em juízo, em defesa dos seus direitos e interesses.” 

O Mapa de conflitos da mineração do Comitê em Defesa dos Territórios Frente à Mineração que monitora as violações cometidas anualmente pelo setor minerário, revelou 722 casos e 823 ocorrências no ano de 2020, o estado de Minas Gerais concentra 75% do número de pessoas atingidas, dos 853 municípios do estado mineiro, 121 (14,1%) foram registrados conflitos, o município de Brumadinho registrou 27 situações de conflitos. Quanto às categorias mais atingidas, os indígenas respondem por 9,7% como mais atingidos pela mineração, a Vale S.A é a empresa que mais concentra conflitos, somando 110 casos respondendo à 38,9%.

Em entrevista com os caciques Yahò e Ângahó, da aldeia Pataxó, o sentimento de descriminação é presente, “Tiraram nosso direito de ser quem somos, culturalmente, nos discriminam nos chamam de “índios urbanos” quando fomos morar na cidade negaram para nós o direito de ser atingidos, tentaram apagar o direito da minha comunidade ser reconhecida como comunidade atingida.” 

Questionados sobre o Direito à Assessoria Técnica Independente, Ângahó diz que, “A gente escolheu a assessoria técnica para nos assessorar onde na verdade hoje a gente sofre uma das maiores discriminações escancarada, os descasos que a minha comunidade vem sofrendo, a gente não tem o direito de ter a nossa própria assessoria num processo que ainda não acabou”. A Cacique alega ainda as perseguições, “Estou num programa de proteção, os grileiros todas as noites dão tiros ao redor da nossa comunidade, estão invadindo toda a aldeia e ninguém faz nada.”

arquivo pessoal do cacique Yahò e ngahó

 

Nas palavras de Kenya Donato, que era vice cacique da Aldeia Naô Xohã na época do Desastre-Crime, e hoje é liderança do tronco familiar de Dona Antônia e Seu Gervásio dentro do processo, o tronco é composto por 22 famílias que acabaram saindo da Aldeia, “Não é novidade a participação da Vale em atuar dessa maneira, dentro das comunidades, dividindo o povo. A realidade da comunidade hoje é essa, são duas aldeias e dois grupos separados que ainda não tem um território.” disse  liderança.

Quando questionada sobre os danos provocados pelo desastre-Crime da Vale S.A Kênia diz: “A gente sente pelo que a aldeia era, trazia, ambiente de cura, de responsabilidade, fazíamos parte da aldeia, como ela fazia de nós. Depois que a terra se feriu trouxe com ela todos os problemas que acarretaram a realidade que vivemos hoje. Sentimos por tudo que foi perdido, nossas história, nossos planos, nosso caminho foi interrompido. Hoje a comunidade não vive bem, estamos nos reconstruindo e durante esse tempo perdemos ainda 3 pessoas que acreditavam que a justiça seria feita. Confiando que estaríamos melhores, mas não estamos.”

Perguntada sobre qual ajuda recebem pela mineradora Vale S.A e pelo Estado de Minas Gerais, “Desde de o início a Vale tem contribuindo para dividir e enfraquecer, trazendo proposta que não atende a comunidade como um todo, como aconteceu com a realocação. Não me lembro agora, de apoio dado pelo estado não.”

Consultados sobre a questão do Direito à Assessoria Técnica Independente, o entendimento conjunto do MPF – Ministério Público Federal –  e da DPU – Defensoria Pública da União – é: “verifica-se ser imprescindível a imediata prorrogação do respectivo contrato, uma vez que não se justifica a interrupção da disponibilização da atividade antes que se conclua a reparação integral dos danos causados pela empresa poluidora-pagadora”, nas petições do MPF e DPU, confirma que: “Não há, portanto, outra alternativa que não seja requerer a esse MM. Juízo Federal que determine a prorrogação do contrato da ATI INSEA (a qual já manifestou interesse na continuidade do serviço), sob pena de a comunidade indígena perder a disponibilidade do direito à assessoria técnica independente, agravando a enorme vulnerabilidade a que foi submetida pelo desastre causado pela Vale.”

 

arquivo pessoal da liderança Kênia, Sr Gervásio (Tahhão Pataxó)

 

É notório o enorme desrespeito por parte da Vale, que na verdade quer impor a sua visão (limitada, violadora de direitos e desagregadora das comunidades) de como deve ocorrer a reparação, assim como cabe ao Estado determinar os rumos da reparação dos danos provocados, e não assentir com o que a Vale apresenta. Isso é sentido pela fala de Kênia quando questionada sobre a negativa da Vale ao Direito à Assessoria Técnica Independente, “A gente entende que é mais uma forma de conseguir dominar o processo, ela já fez isso uma vez. Antes da assessoria técnica entrar em campo, estávamos recebendo  informações da própria Vale e ainda digo que por não possuirmos certos conhecimentos perdemos direitos que a gente nem sabia que estava perdendo ou abrindo mão. Hoje a gente entende que a demora na contratação da consultoria técnica  e a não prorrogação da assessoria técnica também é uma violação de direitos, já que nas outras comunidades e atingidos a prorrogação foi feita.”

É inadmissível que se esteja discutindo a interrupção de um direito meio, que é o direito à Assessoria técnica, ele é um direito meio porque ele apoia as pessoas atingidas a buscarem o direito à reparação, que é o direito fim, ela que garante a paridade de armas, que é um princípio básico do direito para as comunidades atingidas, e infelizmente os povos indígenas que estão tão ameaçados há 523 anos, seguem sendo discriminados, seguem sendo preteridos.

É preciso que o Governo de Minas Gerais atue sob um regime político democrático, respeitando todos os cidadãos no gozo dos direitos, garantindo a participação popular no desenvolvimento e na criação de leis, e no caso dos processos de reparação do desastre-crime da Vale S.A e na execução do Acordo Judicial, o dever de ouvir as comunidades atingidas e acatar suas reivindicações, é urgente que tenha como princípio as garantias dos Direitos dos Povos Originários, respeitando a Constituição, fazendo cumprir as legislações que resguardam os direitos indígenas. A cultura indígena sensibiliza a população para a importância de viver de forma sustentável, de preservação do meio ambiente e, no cenário de reparar os danos provocados pela mineradora Vale S.A, esse olhar é imprescindível para garantir a real reparação socioambiental.