Embora não surpreenda, não deixa de estarrecer a violência perpetrada pela magistrada Joana Ribeiro Zimmer, que negou a uma menina de 11 anos, vítima de estupro, o direito à realização de aborto, demonstrando como essa pauta de costumes do atual governo é perversa. Na mesma semana, a Procuradora Gabriela Barros foi butalmente espancada pelo colega Demétrius Macedo, o que revela a urgência de barrarmos a misogina que impera, como nunca, no Brasil.
Não são poucas as vezes que esse “chefe de Estado” demonstra seu desprezo pelas mulheres, inclusive havendo chamado, em 2017, sua única filha de resultado de uma “fraquejada”. Essas atitudes, claro, reverberam e tomam corpo no âmbito de seus seguidores e acabam potencializando e ampliando os comportamentos violentos dirigidos às mulheres.
Não é nenhuma novidade o desprezo que o atual chefe do governo nacional sente pelas mulheres. Já na campanha para a Presidência da República, ele deixou claro sua posição em relação às questões de gênero. Perguntado acerca das desigualdades salariais entre homens e mulheres, por exemplo, o então candidato respondeu que defende que a questão seja judicializada, caso a caso.
Em 2019, em que pesem todas as campanhas e os esforços de inúmeras pessoas e entidades que historicamente vêm buscando combater o turismo sexual no Brasil, o próprio presidente da República afirmou que “quem quiser vir aqui e fazer sexo com uma mulher bonita fique à vontade”.
Em 2021, o atual chefe do Executivo Federal afirmou que a aprovação de um Projeto de Lei aumentando multa trabalhista para empresas que discriminassem mulheres tornaria quase impossível o ingresso destas no mercado de trabalho. As discriminações contra as mulheres por parte do Presidente da República não param por aí. Nesse mesmo ano ele vetou uma lei importantíssima que previa a distribuição gratuita de absorventes higiênico para meninas em situação de vulnerabilidade, como forma de evitar, inclusive, que muitas deixassem de estudar por não ter condições de adquirir esse item de higiene pessoal.
A discriminação também forma parte do comportamento do “pessoal” do presidente. Em 2018, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, afirmou que crianças criadas sem as figuras paternas são facilmente aliciadas pelo crime organizado. E para “colocar a cereja no bolo”, o militar ressaltou que não estava discriminando ou criticando as mulheres, mas “fazendo uma constatação de algo que ocorre notadamente nas nossas comunidades carentes”.
Como vemos, Mourão não somente criticou e discriminou mulheres, mas o fez em relação às mulheres das comunidades carentes e às crianças das mesmas origens. Além de machista, mostrou-se, ainda, classista e também racista, dado que a maioria das mulheres que habitam comunidades carentes em nosso país é negra.
Como se não bastasse, o atual governo teve como titular do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos até o último mês de março Damares Alves, aquela que afirmou, em setembro de 2020, que uma menina estuprada dos 6 aos 10 anos de idade por um tio deveria ter levado adiante a gravidez, porque “o que estava no ventre daquela menina era uma criança com quase seis meses de idade”.
Diante desses fatos (e tantos outros não mencionados), podemos afimar que “não supreendem” os comportamentos da juíza Joana Zimmer e do procurador Demétrius Macedo, já que têm como exemplos a prática de desprezo pelas mulheres por parte do próprio chefe de Estado e staff. Pois a violência, em suas mais variadas facetas, tornou-se a marca registrada do atual governo do Brasil. Usando Maquiavel como metáfora, podemos afirmar que os seguidores desse presidente que aí está agem como os soldados que “amavam o príncipe de ânimo militar, que fosse insolente, cruel…”.
No entanto, o fato de esses comportamentos não nos surpreenderem, não significa que devam ser tolerados e aceitados. A sociedade brasileira em seu conjunto deve exigir que os órgãos responsáveis pelo monitormento da conduta de ambos responsabilizem devidamente, tanto a magistrada como o procurador, de modo a deixar uma mensagem nítida de que não ficaremos de braços cruzados frente a essas formas de atuar.
É preciso dar um basta na banalização da violência neste país. Não podemos deixar esses exemplos se tornarem as referências para as futuras gerações, sob pena de todas as lutas empreendidas até aqui não surtirem os efeitos tão desejados por nós, aquelas e aqueles que defendemos os direitos humanos. É preciso instituir a tolerância zero à violência praticada por indivíduos, instituições e pelo próprio Estado.