Parece irreal. Mas não é. Às vezes penso que estamos em um pesadelo e que logo acordaremos. Mas não é. Jair Bolsonaro, um político medíocre e perverso que conseguiu ser eleito presidente do Brasil, e já está há mais de dois anos do seu mandato, apesar de tanta atrocidade, ainda consegue fazer muito barulho e desestabilizar politicamente o país. E então me pergunto: esse cara é invencível, ou os grupos progressistas precisam realizar uma autocrítica para reverter essa situação? Este 7 de setembro mostrou, mais uma vez, que, quando acuado, o tenente (que virou capitão após ser reformado) é mesmo um bom agitador. Pois ter o desplante de ameaçar a Suprema Corte não é para qualquer um. E o pior, apesar de estar perdendo, mostrou que pode ganhar.
É certo que a situação política do Brasil não é um fato isolado. Basta olharmos para o mundo e veremos um movimento quase esquizofrênico tomar corpo aqui e ali, questionando a política e reivindicar uma “não política”, como se isso fosse possível. No entanto, o que não dá para entender é o fato de Bolsonaro estar literalmente zombando da sociedade brasileira sem que os grupos progressistas liderados por partidos políticos de oposição, centrais sindicais e outros consigam desestabilizá-lo.
Bolsonaro já cometeu inúmeros crimes de responsabilidade e conta com mais de 60 pedidos de impeachment protocolados na Câmara dos Deputados. Enquanto isso, os partidos ditos de esquerda com representação parlamentar parecem letárgicos. Principalmente o PT, que só está pensando nas eleiçoes de 2022, com Lula para presidente, enquanto avançam as privatizações, a destruição da floresta amazônica, a dizimação das populações indígenas, a precarização das condições de trabalho, a destruição de empregos, a fome e a miséria. Diante de tudo isso, dá para entender o porquê de o teor do discurso do maior líder da oposição, na noite de 6 de setembro, ter girado em torno do papel do presidente da República?
Pois bem. Segundo o discurso de Lula, o papel do presidente é “manter acesa a confiança no presente e no futuro, mostrar que é possível superar os obstáculos…” . O maior líder da oposição a Bolsonaro disse que “apesar de tudo, o Brasil tem jeito. Que é possível, sim, criar empregos novamente, que o salário deve crescer e ganhar a corrida contra a inflação, que é possível produzir comida saudável a preço justo pra colocar …”
“Manter acesa a confiança”
Está bem como discurso de campanha, mas pareceu-me insuficiente como discurso do maior líder opositor a Bolsonaro diante de cenário que estamos vivendo e diante do que estava anunciado para o dia 7 de setembro, que, a meu ver (e se confirmou), não seria a perpetração de nenhum golpe de Estado, mas mais uma ameaça das muitas outras que já foram feitas nesses dois últimos anos. É Imprescindível que o PT, como principal força opositora, funcione de fato como opositor e deixe de atuar de acordo com a vontade de seus líderes, os quais muitas vezes não conseguem enxergar para além de seus próprios umbigos.
Lula está muito mais preocupado com as eleições de 2022 do que proporiamente com ao impeachment de Bolsonaro/Mourão, fato que não resolveria de imediato a situação preocupante que o Brasil vive há mais de 5 anos (desde o impeachment, leia-se golpe institucional, que retirou o mandado de DIlma Rousseff), mas que, ao menos, daria um basta nesse governo esquizofrênico que paquera com o fascismo e desencadearia uma ampla reflexão e discussão políticas para se dar um rumo diferente ao país.
Aliança e anseios do capital
Mas, em vez de unir a classe trabalhadora e o povo em geral (o que Lula sabe fazer muito bem, pois consegue falar para o povo) ele prefere “costurar” acordos com setores conservadoríssimos do país, visando o pleito de 2022, desconsiderando (ou talvez não) os significados de unir-se a grupos que, como aqueles à quem Bolsonaro representa, não querem o bem do Brasil e muito menos da maioria do povo brasileiro. Essa história de que “o inimigo de meu inimigo é meu amigo” é perigosíssima, sobretudo em política, haja vista a nossa história recente, quando Michel Temer, vice-presidente de Dilma Rousseff arquitetou e deflagrou o impeachment em 2016, demonstrando que as alianças a qualquer preço podem custar muito caro.
Não estou de acordo que haja uma aliança entre os partidos progressistas, liderados pelo PT, e forças conservadoras. Caso isso se configure, estaremos apenas mudando o discurso. Me explico: estaremos com o mesmo projeto neoliberal de Bolsonaro (leia-se o banqueiro e ministro da Fazenda Paulo Guedes), mas com um discurso não centrado no ódio (contra mulheres, indígenas, negros, comunidade LGBTQIA+, tampouco na destituição de instituições republicanas como a Suprema Corte). Teremos um governo neoliberal, que fará valer os anseios do capital, tendo à frente um líder que se identifica com a população trabalhadora. Será só isso.
O Brasil tem jeito, sim. Lula tem razão. Mas a população trabalhadora brasileira e todas aquelas pessoas que desejam construir um país menos desastroso e menos centrado no ódio temos que pensar se uma aliança entre partidos progressitas e grupos conservadores é o melhor caminho. Para mim, decididamente, não! Até porque, não sabemos se restará Brasil após findado o mandato do tenente (capitão após reformado) agitador.