Um dos efeitos inadvertidos da crise causada pela pandemia foi o de novamente defender o diálogo entre os parceiros sociais a fim de resolver graves problemas.
Por Christophe Degryse
Centenas de milhares de trabalhadores sazonais atravessam a Europa para ajudar nas colheitas, mas enfrentam um emaranhado de regras de fronteiras nacionais contraditórias. Pescadores europeus presos no Atlântico com os portos de desembarque fechados no Senegal e na Costa do Marfim. Comerciantes das grandes cidades atacados devido à escassez de certas mercadorias e às medidas obrigatórias de distanciamento social. Gráficas enfrentam escassez de solventes devido a uma explosão na demanda de álcool em gel. Técnicos em telecomunicações perseguidos devido a rumores de que a conexão 5G espalha o vírus.
Esses são alguns dos muitos exemplos de situações de trabalho que foram subitamente interrompidas e desordenadas com a explosão da pandemia na Europa, em março de 2020. A cessação temporária da atividade econômica — em setores tão diversos como o de catering, turismo, futebol profissional, limpeza industrial e aviação civil — está incluída nestes exemplos.
Em alguns casos, teme-se até mesmo a perda permanente de empregos. Por exemplo, a indústria de transporte de valores teve que lidar com consumidores repentinamente receosos de usar dinheiro em espécie para pagar suas compras. As cédulas transmitem o vírus? De acordo com o Banco Central Europeu, o risco é muito baixo, porém, com o aumento repentino dos pagamentos sem contato, os caixas estão agora preocupados com seu futuro…
Como os empregadores e trabalhadores têm administrado essas situações setoriais — algumas totalmente inesperadas? No âmbito europeu, o diálogo social tem sido útil na tentativa de resolver alguns desses problemas?
Particularmente útil
O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no artigo 152, determina a promoção do diálogo e a consulta entre os representantes dos empregadores e dos trabalhadores. Inúmeros estudos examinaram a lógica e os resultados — muitas vezes ambíguos — deste “diálogo social”, especialmente em nível setorial. Segundo um relatório recente do Instituto Sindical Europeu (que está em francês, mas logo estará disponível em inglês), parece, no entanto, que o diálogo se mostrou particularmente útil em 2020 para lidar com as consequências concretas da pandemia.
A gestão da crise pelas autoridades públicas tem sido principalmente setorial. Há mais de um ano, a maioria das medidas tomadas diz respeito ao fechamento e reabertura de escolas, lojas de produtos não essenciais, hotéis e restaurantes, repartições da administração pública, instituições culturais, infraestruturas turísticas e assim por diante.
Além desses setores, as interdependências têm criado um efeito dominó. Por exemplo, empregadores e trabalhadores da indústria da pesca marítima fornecem aos europeus quase 50 bilhões de refeições por ano. No início da pandemia, quando os restaurantes fecharam, eles alertaram a Comissão Europeia que os navios de pesca poderiam ter que interromper suas atividades. A prioridade era, portanto, determinar as condições para a manutenção da atividade econômica a todo custo. Como as cadeias de abastecimento, os serviços de transporte, a logística e a atividade portuária — sem as quais 75% das mercadorias teriam sido simplesmente bloqueadas em toda a Europa na primavera de 2020 — poderiam ser adaptadas em poucos dias?
Resiliência aprimorada
A análise do diálogo social setorial europeu no meio da pandemia revela uma série de questões. Em primeiro lugar, essa consulta entre empregadores e trabalhadores permitiu a melhoria na resiliência da economia europeia diante de choques brutais.
É preciso encontrar soluções através de consultas, para proteger a saúde dos trabalhadores, fornecedores e clientes, e garantir a continuidade das atividades em condições, às vezes, extremamente difíceis. Por meio de consultas, os empregos foram protegidos o máximo possível para permitir a retomada das atividades quando chegasse a hora. E, através de um “lobbying conjunto”, os parceiros sociais solicitaram à União Europeia e aos Estados membros que unificassem os protocolos de saúde no local de trabalho, as derrogações de medidas de confinamento para trabalhadores essenciais e o apoio para treinamento e adaptação a novas formas de trabalho (tais como treinamento em comércio eletrônico para lojas de produtos não essenciais).
Em segundo lugar, essa análise mostra, de forma concreta, como milhões de trabalhadores com pouco reconhecimento social são essenciais para a economia — em serviços de assistência, é claro, mas também em lojas, transportes, serviços públicos em geral, portos, agências de limpeza e segurança, serviços de ajuda domiciliar e assim por diante. A Covid-19 nos lembrou de que as empresas precisam, indispensavelmente, de trabalhadores saudáveis, motivados e protegidos, que estejam envolvidos nas medidas que se aplicam a eles e que sejam partes interessadas nessas decisões.
Além disso, os vírus não se preocupam com o status dos trabalhadores. Para garantir a continuidade das atividades, é necessário, portanto, levar em conta não apenas os empregados, mas também os trabalhadores autônomos, subcontratados, expatriados e sazonais — incluindo os imigrantes, que às vezes não possuem a documentação necessária. Sem estes trabalhadores essenciais, que permanecem muitas vezes na sombra, a economia europeia simplesmente não teria sobrevivido.
Um incentivo maior
O diálogo social europeu, cuja utilidade tem sido frequentemente questionada nos últimos anos — inclusive por esse escritor — parece ter demonstrado seu valor em meio a esses tempos de crise. De maneira notável e inquestionável, a pandemia deu um incentivo maior ao diálogo social setorial do que qualquer conferência poderia ter dado.
Mas agora o diálogo social, no âmbito europeu, será posto à prova. Os resultados dele serão traduzidos em um maior reconhecimento social e uma melhoria tangível nas condições de trabalho destes trabalhadores essenciais? A responsabilidade é das autoridades nacionais, porque são elas que podem tomar uma iniciativa política – e nesse aspecto, têm um longo caminho a percorrer.
Traduzido do inglês por Marcella Santiago / Revisado por Graça Pinheiro