Attac France e Oxfam France analisaram detalhadamente o ranking dos bilionários franceses divulgado no início de abril pela revista Forbes. Diante da constatação do grande aumento das desigualdades sociais, as duas organizações divulgaram um comunicado de imprensa no qual exigiam reforma tributária com a inclusão de uma taxa de contribuição solidária significativa sobre as grandes fortunas dos 1% mais ricos.
Os últimos dados publicados no início de abril pela revista Forbes nos dão uma ideia da evolução da saúde financeira dos ultrarricos desde o início da crise da Covid-19. De março de 2020 a março de 2021, a fortuna dos bilionários franceses aumentou em 170 bilhões de euros. Nesta breve nota, as organizações Attac France e Oxfam France analisam esse enriquecimento indecente.
A CRISE NÃO É PARA TODO MUNDO
Desde o início da pandemia, estatísticas preocupantes alertam sobre as consequências dramáticas da crise sanitária para as populações mais vulneráveis. De acordo com instituições de caridade, a crise sanitária teria empurrado um milhão de francesas e franceses para a pobreza, os quais se somam aos 9,3 milhões de pessoas que já vivem abaixo da linha da pobreza.
A situação financeira de mulheres e homens franceses piorou ainda mais porque o padrão de vida deles já era baixo antes do confinamento: dentre 10% das famílias mais carentes, 35% notaram uma deterioração em sua situação financeira durante o primeiro período de confinamento. Também são consideradas as imagens das filas intermináveis de alunos(as) obrigados(as) a solicitar auxílio-alimentação.
A última publicação da Forbes mostra que os ultrarricos, ao contrário, tiveram um aumento espetacular de sua fortuna durante o mesmo período de crise sanitária. Assim, entre março de 2020 e março de 2021, a fortuna dos bilionários bateu todos os recordes:
O fundador do laboratório Moderna, tornou-se bilionário
- a fortuna das 20 pessoas mais ricas do planeta aumentou 62%;
- a fortuna dos bilionários franceses aumentou 170 bilhões de euros, um aumento médio de 40%;
- entre os 38 bilionários que vivem na França, em março de 2020,
apenas 4 viram sua fortuna diminuir um pouco durante esse período, enquanto para 34 sua fortuna aumentou;
- A França conta com 4 bilionários novos, incluindo o fundador do laboratório Moderna;
- a fortuna de Bernard Arnault (proprietário da LVMH [LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton SE], e a 3ª fortuna global) quase dobrou em um ano, teve um aumento de 62 bilhões de euros;
- a fortuna de Françoise Meyer-Bettencourt (herdeira da L’Oréal e a mulher mais rica do mundo) aumentou em 20,7 bilhões de euros.
Conforme os dados divulgados pela Bloomberg, a França detém o recorde europeu de concentração de riquezas nas mãos de bilionários: assim, segundo a revista Alternatives Économiques, se calcularmos a soma das fortunas europeias por nacionalidade, distribuídas entre as 500 pessoas mais ricas do planeta, a fortuna dos bilionários franceses chega a 354,3 bilhões de euros, muito à frente dos bilionários alemães (280,6 bilhões de euros) ou daqueles do Reino Unido (146,6 bilhões de euros).
COMO EXPLICAR ESSE AUMENTO ESPETACULAR?
Graças à generosa política monetária do Banco Central Europeu
Se a fortuna dos bilionários deu um salto tão rápido a partir do final do mês de abril de 2020, não foi graças à mão invisível do mercado, muito menos – para a maioria deles – graças ao desempenho econômico das empresas das quais são acionistas. Esse salto se deu, sobretudo, graças à generosa política monetária do Banco Central Europeu (BCE), que injetou centenas de bilhões de euros nos mercados financeiros e impulsionou seu programa de recompra de ações corporativas para evitar o colapso da bolsa. Esse apoio massivo e sem contrapartidas reais ajuda a compreender por que a grande maioria dos bilionários tiveram aumento de suas fortunas, sejam quais forem seus setores de atividade.
Graças aos auxílios massivos concedidos pelo Estados francês às empresas.
Graças, também, à estratégia do “custe o que custar” de Emmanuel Macron, e aos auxílios massivos concedidos pelo Estado francês às empresas do CAC 40 sem contrapartida social, fiscal ou ambiental.
Sonegando impostos
Se os ultrarricos estão enriquecendo ainda mais, apesar da crise, é também porque competem em criatividade para sonegar impostos. Desse modo, o recente escândalo fiscal OpenLux revelou que entre as 50 famílias mais ricas da França, 37 estão em Luxemburgo e, lá, são beneficiárias de 535 empresas com pelo menos 70 bilhões de euros em ativos.
É URGENTE FAZER COM QUE OS APROVEITADORES DA CRISE PAGUEM
Impor uma política de austeridade
No entanto, o governo repete exaustivamente que é preciso “pagar a dívida da Covid“. Assim, prepara os ânimos para uma nova cura de austeridade e para novos ataques aos serviços públicos e à proteção social. A Comissão sobre o futuro das finanças públicas, presidida por Jean Arthuis, emitiu, em março, um relatório para o governo no qual propõe a instauração de uma “regra de ouro para os gastos públicos“, com base na ideia de que “a evolução dos gastos é menor do que a evolução das receitas“. O que na verdade equivale a impor uma política de austeridade e reduzir as opções democráticas em matéria de orçamento.
Apesar da enorme necessidade de financiamento para as emergências sociais e para a transição ecológica!
Essa ideia foi imediatamente retomada por Bruno Le Maire que disse se dar “5 anos para restabelecer as finanças públicas após a crise“: para isso, a região de Bercy está propondo um “programa de estabilidade” que prevê uma regressão dos gastos públicos para duas vezes menos daqui até 2027. Esses gastos, que representavam 61,3% do PIB em 2020, devem representar apenas 53,1% em 2027, apesar da enorme necessidade de financiamento para as emergências sociais e para a transição ecológica!
700 milhões de euros de economia sobre os mais vulneráveis
Além disso, Bruno Le Maire repete exaustivamente que as “reformas estruturais” são essenciais, em particular aquelas que envolvem o seguro-desemprego e as pensões. Lembremos que a recente baixa dos seguros de moradia, que entrou em vigor em
primeiro de janeiro de 2021, deverá permitir uma economia de 700 milhões de euros sobre os mais vulneráveis, enquanto a reforma do seguro-desemprego, que entra em vigor neste verão, deverá possibilitar uma economia de 2,3 mil milhões de euros reduzindo os benefícios de 1,15 milhão desempregados/das.
Como justificar o pedido de empenho aos “trabalhadores e trabalhadoras da linha de frente”, aos desempregados(as), aos mal alojados(as), aos aposentados, quando as fortunas dos bilionários franceses aumentaram de forma indecente durante a pandemia?
Como a população poderia aceitar uma nova cura de austeridade, quando isso implicaria inevitavelmente um enfraquecimento ainda maior dos serviços públicos e do sistema de proteção social em um momento em que a crise da Covid-19 mostrou os danos consideráveis causados pela austeridade orçamentária, especialmente no serviço hospitalar em que o número de leitos e os estoques de máscaras estavam em falta?
É inaceitável pedir para aqueles e aquelas que sofrem com a crise que apertem ainda mais o cinto, enquanto os ricos, as multinacionais e seus acionistas enriquecem.
Restaurar a justiça fiscal
As organizações Attac France e Oxfam France estão propondo a implementação de medidas fiscais emergenciais para evitar uma nova política de austeridade e para restabelecer a justiça fiscal, prejudicada pelas prendas fiscais dadas aos mais ricos desde o início do mandato. Trata-se, particularmente, de uma contribuição excepcional sobre o patrimônio dos 1% mais ricos para financiar a resposta à crise, enquanto se aguarda a reforma fiscal verdadeira.
Até hoje, o governo recusa qualquer debate sobre uma contribuição justa dos mais ricos. No entanto, mesmo o Fundo Monetário Internacional, que era partidário das políticas de austeridade até bem pouco tempo, acaba de recomendar o aumento, ao menos provisório, dos impostos sobre os mais ricos e sobre as empresas que obtiveram mais lucros neste período, visando ajudar os governos a conter os efeitos da crise econômica vinculada a pandemia de coronavírus. Um apelo apoiado pelo Secretário-Geral da ONU.
Fazer com que os aproveitadores da crise paguem corresponderia uma forte expectativa da população: uma pesquisa recente, realizada pela Glocalities, mostra que 6 em cada 10 franceses são favoráveis a essa medida, e menos de 10% se opõem a ela. A pesquisa também revela que essa proposta é majoritariamente apoiada por eleitores(as) de todos os partidos, incluindo eleitores(as) dos partidos LREM (La République en Marche) e LR (Les Républicains).
Attac França e Oxfam França
Contatos: info@attac.org // info@oxfamfrance.org
Traduzido do francês para o português por Simone Petry