MÚSICA
Por Renan Simões
Até onde um tema musical pode ir? O quanto pode se transformar?
Black is the color of my true love’s hair é um tema folclórico estadunidense com raízes escocesas; trata-se de uma apaixonada declaração de amor expressada através de uma melodia cristalina. O registro de John Jacob Niles, de 1941, já é provavelmente bem distinto da proposta inicial de seu(sua) criador(a) desconhecido(a), e de tantas outras que devem ter existido, mas se tornou uma importante referência. O canto, declamado e doloroso, é perfeitamente acompanhado por um saltério dos Apalaches – pelo próprio Niles.
Na música de concerto, o italiano Luciano Berio utilizou o tema no primeiro movimento do seu ciclo Folk songs (1964), gravado por Cathy Berberian em 1968, com regência de Berio. Uma viola bem rústica assombra todo o arranjo, representando, talvez, o misto de sensações de um coração que, embora apaixonado, é atormentado por dúvidas. A impecável performance de Berberian – e do grupo que a acompanha – fazem desse um dos pontos altos da canção contemporânea de concerto.
Gravada em 1964 e lançada em 1966, a versão de Nina Simone explora os espaços vazios com maestria; o acompanhamento instrumental é extremamente econômico e relevante. Nenhuma nota do arranjo é tocada ou cantada em vão; e nada falta; a medida é exata. As novas propostas harmônicas são de tirar o fôlego. Nina Simone, sozinha ao piano, nos presenteia com uma das performances mais sublimes da história.
De início, a melodia é cantada sobre livres improvisações na parte interna do piano, em contexto atonal. A seguir, há utilizações possíveis e impossíveis da voz, tenebrosas (e quase eternas) repetições da palavra “black”, gritos pavorosos, sussurros e silêncios ameaçadores. É disso que trata a versão de Patty Waters, uma das coisas mais assustadoras que já presenciei. Um quarteto em perfeita sinergia; um auge do free jazz.