Por Guilherme Maia e Artur Moritiz
“A triste verdade do que realmente importa é que o pior mal é cometido por pessoas que nunca tiveram discernimento para ser ou decidir entre o mau e o bom”.
(Hannah Arendt – A Vida do Espírito, 1978).
“Com sabedoria se constrói a casa, e com discernimento se consolida”
Provérbios 24:3).
Pasmaceira, passividade, subserviência, todos esses termos vieram à tona com a pandemia. Quem poderia imaginar que em frente a mais de 300.000 (trezentos mil) mortes, em um país cuja população se vangloria de pertencer a tal ou qual denominação cristã, parte considerável dela permanece alheia, indiferente a todos esses óbitos?
Ontem foi sexta-feira, dia 02 de abril de 2021, posta no Calendário Litúrgico como Sexta-Feira da Paixão, do sofrimento terreno do Cristo. Uma psicodramatização do sacrifício divino (utiliza representação dramática para uso coletivo, cujo objetivo é promover coletivamente uma psicoterapia projetada na figura do Cristo).
Sacrifício físico e mental, torturado de todas as formas como cabe a um prisioneiro inocente e que está do lado da Justiça (um prisioneiro político?). Tudo indica que o Cristo buscava a mudança de mente, do pensamento, a libertação dos limites da ganância e da possessividade. As mentes mudaram? As pessoas construíram uma sociedade irmã? Não! Basta olhar ao redor, estando sóbrio, para entender que não.
Falsa fé é a que se opõe aos próprios princípios e desígnios e, exatamente por haver 608 mortes por Covid-19 na cidade de Teresópolis/RJ (Segundo o Painel Registral do Portal da Transparência dos Cartórios de Registro Civil do Brasil), estas deveriam despertar um sentimento de revolta coletiva. Como tal não ocorreu, ouso dizer que as inúmeras empresas no mercado da fé tiveram revelada sua face real.
No seu raio de influência, desmobilizaram a conscientização popular de cuidado equiparado à gravidade da situação (assinando cartas abertas contra lockdown). E de fiscalização das verbas dispensadas de licitação e sua destinação para cuidados com a Covid-19 (conjuntamente com associação de empresários e comerciários se manifestaram contra abertura da Comissão).
Não professam mais o acolhimento, a compreensão, a paz, a compaixão, incitam sim o egoísmo, a ganancia do sucesso a qualquer preço e, pior, submetem a sacralidadede da vida a um dogma mundano demasiado mundano de justificativa barata de financiadores!
Saio de uma aula de física e, assistindo a um acidente, ao invés de priorizar o socorro imediato da vítima paro para elocubrar sobre as causas mecânicas do incidente; isso ocorreria pela distorção ideológica que aquele campo de conhecimento entranhou em mim. Claro que não passa de uma ilustração, mas podemos aplicar isso a um grupo de seminaristas que, indo para uma aula de caridade, desviam o olhar dos mendigos que estão pelo caminho (esse exemplo é de Frei Betto).
Então, o que é o mais importante? O meu campo de conhecimento, ou o entendimento desse meu conhecimento em contato com a realidade plural da vida e da natureza em que vivemos? A ideologia – palavra tão malversada nos dias de hoje devido ao elogia da ignorância e violência como forma deturpada de virtude, – é esse distanciamento entre a realidade total e o meu adestramento de visão de mundo.
O fator humano está posto em segundo plano quando se determinou que há uma sola scriptura, porque, a pesar de não ser sua pretensão imediata, teve por consequência colateral negativa a ruptura com uma visão humanista, sendo que o ser humano não interessa como primordial no condicionamento de minha ação, – o que importa é entender e isolar-me na Salvação. Julgo a identidade de pessoas, condeno-as ao ostracismo social como leprosos, desenvolvo a apologia da violência e da tortura em nome de um bem maior: esqueço, nesse ponto, que estou, ao julgar pessoas, idolatrando ao meu ego, pois me ponho, criatura, em um “justificável” simulacro, no lugar de meu Criador, que é a quem cabe julgar. Ulstra, Pinochet e Strossner são, pela realidade e não pela ideologia, assassinos, estupradores de crianças e sádicos, não esqueça que o Fleury identificava o DOI-CODI como a sucursal do inferno. Como posso diminuir a Bíblia a uma fonte de justificativa e redenção de estupradores de crianças? “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Romanos 12:21).
Quando a violência e a ganância dominam minha vida sou um apóstata, não adianta decorar textos de bíblias se ajo de fato, no caso concreto, com o sentimento de renúncia da fé. Renuncio a fé quando, para manter a taxa estratosférica de lucro de alguns empresários em detrimento do trabalho, apoio a ideia de contenção de gastos públicos mesmo que leve à morte dos trabalhadores. Vemos a todo dia a ideologia economicista afirmar que, na atual configuração do modo de produção, o trabalho é um elemento de menos importância, se é, por que, então, a economia nesse momento se mostra tão necessitada dos trabalhadores?
O governo possui US$ 372 de reservas cambiais (pelo menos possuía como legado de Lula), mesmo com a venda de ativos para conter o dólar (esse é um fato real que prescinde a ideologia). O Estado, como já ocorrera com a quebra da bolsa de Nova York em 1939 devido à sanha dos comedores de dinheiro da época, deve ser o agente fomentador e estabilizador da realidade econômica em tempos de crises. O que vemos com o presidente do país é ser priorizada a manutenção e possibilidades de incremento das finanças de alguns escolhidos contra uma medida sanitária básica a ser adotada para estancar um vírus mortal.
A ganância não é uma virtude cristã, assim como o estupro de crianças e assassinatos de pessoas já rendidas e torturadas também não, não importando a sua ou a minha ideologia.
A ciência ou conhecimento é uma virtude bíblica: “A esses quatro jovens Deus deu sabedoria e inteligência para conhecerem todos os aspectos da cultura e da ciência. E Daniel, além disso, sabia interpretar todo tipo de visões e sonhos”. (Daniel 1:17); “Moisés foi educado em toda a sabedoria dos egípcios e veio a ser poderoso em palavras e obras”. (Ato dos Apóstolos 7:22).
Munido da informação prestada pela ciência, a responsabilidade é sua na orientação de sua congregação, pode aconselhar a acatar a verdade distorcida da ideologia do ódio, da divisão e da ignorância, ou, com a prudência do conhecimento, livrar-se da limitação hermenêutica do seu campo de conhecimento, que é a exegese bíblica, e compreender plenamente o que está acontecendo.
Nesse momento podemos associar a Bíblia como fonte real, concreta, de libertação, através da compreensão do todo, estudar e entender o que se está vendo, revestidos da virtude cristã que deve agir no real e não servir à uma ideologia de ódio.
Sempre prevalecendo a REAL NECESSIDADE DO SER HUMANO (comer, beber e ter onde morar).
O sacrifício sagrado rememorado nesta sexta-feira não deve ser entendido como ato constitutivo de nascimento de empresas em Cartório, muito menos como abertura de capital na Bolsa de Valores de São Paulo.
O sacrifício sagrado está como a preocupação com o exemplo histórico da figura do Cristo acima dos ídolos políticos e líderes religiosos pervertidos. Com efeito, está na interação com a imolação pelo vírus e pela corrupção das 608 pessoas de Teresópolis e de todas pelo mundo afora.
Que a lembrança de que a vida é o que importa e o entendimento de que o sacrifício de Jesus foi ter se tornado homem para mostrar a importância que a humildade e a igualdade tem para a efetiva salvação de alma ou, melhor ainda, da própria vida.
Apenas, para finalizar, explícito ser ateu, porém com muito sentimento de irmandade e busca de igualdade em meus sentimentos.
Créditos do vídeo:
Sandro Sabino e Leo Bittencourt
Música Agnus Dei de Samuel Barber transcrita para violão clássico por Dave Seck.