Por Mauricio Redolés*
Como um deja-vu das imagens do que aconteceu às portas do Teatro Municipal de Santiago no distante 24 de Setembro de 1987, quando o polícia Orlando Tomás Sotomayor Zuñiga disparou à cabeça da jovem pianista María Paz Santibáñez Viani, num dia de protesto contra o reitor da Universidade do Chile José Luis Federici, nomeado por Pinochet, hoje podemos ver as imagens de outro polícia a disparar contra outro jovem artista. Desta vez a 5 de Fevereiro de 2021, num canto da Plaza de Armas em Panguipulli. Desta vez, ao contrário do que aconteceu com a pianista, o jovem malabarista Francisco Martínez Romero morreu rodeado pelos seus sabres de brinquedo e pelo estupor dos habitantes da cidade.
Tal como no caso da pianista María Paz Santibáñez, quando foi ferida por uma bala na cabeça, foi presa e foi dito pelas autoridades da ditadura que ela tinha atacado o polícia, facto negado graças ao facto de o vil ataque do polícia ter sido gravado em vídeo pelos meios de comunicação social Teleanálisisis. Tal permitiu que o polícia fosse acusado de “quase delito de lesão” e “condenado” pela justiça militar (juiz e parte) à pena “enorme e muito dura” de 61 dias de assinatura e continuou ao serviço. Do mesmo modo, nesta nova ditadura, disfarçada de “democracia”, Carabineros defende as ações do oficial fardado que matou o malabarista de Panguipulli, salientando que foi em “legítima autodefesa” (declaração do Tenente Coronel Boris Alegría).
Este crime, juntamente com centenas de outros crimes cometidos por Carabineros e que não recebem punição adequada por serem processados apenas pela chamada “justiça militar”, desonra e agrava a nossa dignidade como país. Isto sem considerar a “mão suave” dos Carabineros produto da sua cobardia para enfrentar os gangs da droga e as máfias dos camionistas entre outros privilegiados deste país que possui uma polícia uniformizada e desprovida de dignidade, sujando-nos a todos com o seu comportamento, que há muito deveria estar no caixote do lixo da história.
Concordo plenamente com o advogado Jaime Bassa que apela a “dissolver os Carabineros de Chile e construir uma nova força policial que respeite os nossos direitos e garantias básicas. Não concordo com o apelo a uma “refundação dos Carabineros”, porque a marca de uma força policial que causou mais danos ao país do que qualquer outra coisa irá permanecer. O que devemos exigir não é uma “refundação” , mas uma “Dissolução dos Carabineros”, para começar do zero e terminar com esta força policial, ás do saque e do abuso dos habitantes mais humildes deste país, como o crime da jovem operária Ramona Parra assassinada em 28 de Janeiro de 1946, como o crime do professor Manuel Guerrero Ceballos assassinado em 30 de Março de 1985, como o crime do jovem Mapuche Camilo Catrillanca, assassinado em 14 de Novembro de 2018, como o crime do jovem artista Francisco Martínez Romero assassinado em 5 de Fevereiro de 2021, entre centenas de homens e mulheres chilenos assassinados por Carabineros.
Quantos mais crimes devem os Carabineros de Chile cometer antes que o Estado chileno compreenda que esta polícia uniformizada é um verdadeiro “inimigo interno” que leva milhares de pessoas a ter o desejo legítimo de incendiar o país? Em Panguipulli, a esta hora da madrugada de 6 de Fevereiro de 2021, centenas de jovens já o estão a fazer. Isto já não dá para mais. Há muito tempo que não dá para mais.
*Poeta chileno
Tradução de Pedro Braga