Por Adrián Atehortúa
Apresentamos a reportagem número 13 do especial jornalístico sobre a crise humanitária dos povos indígenas na Colômbia, feito pelo nosso parceiro Hacemos memoria. Fazemos isso dentro da estrutura do acordo entre Pressenza e Hacemos Memoria, que nos integra à Red de Periodismo y Memoria (Rede de Jornalismo e Memória), com o objetivo de aproximar o público internacional dos atos de violência política que têm afetado historicamente as comunidades mais vulneráveis deste país sul-americano, devido ao conflito armado interno e à evidente exclusão social e política.
Embora diferentes leis exijam que o Estado proteja os povos ancestrais da Colômbia, sua omissão ou não cumprimento se tornou constantes. Esse artigo mostra algumas das leis que, segundo vários líderes nativos, não são cumpridas hoje. Décima terceira edição de uma série jornalística sobre a crise dos povos indígenas.
Em dezembro de 2019, a grosseria que o presidente da Colômbia, Iván Duque Márquez, fez ao povo Wayúu foi notícia nas manchetes da imprensa, depois que o presidente não compareceu a uma audiência pública para a qual foi convocado pelo Tribunal Superior de La Guajira, em 6 de dezembro, como parte de um incidente de desacato à decisão do Tribunal Constitucional T-302 de 2017, que declarou a situação inconstitucional naquele departamento. Essa situação retrata a realidade dos povos indígenas que vivem no país em relação à desatenção dos governantes ao cumprimento de leis, decretos, ordens e sentenças que protegem seus direitos.
De fato, a citação ao presidente se deu a partir de uma ação de tutela movida por membros da comunidade, que exigiram do Estado garantias para o gozo efetivo dos direitos fundamentais a saúde, água potável, alimentação e segurança alimentar aos meninos e meninas do povo Wayúu nos municípios de Riohacha, Manaure, Maicao e Uribía. A partir daí, em sua decisão o Tribunal exigiu ao Governo a definição de um plano de ação para atender as necessidades básicas da comunidade nesse departamento, e também convocar os Ministros da Educação, Habitação, Meio Ambiente, Agricultura, Saúde, Transporte, Finanças e Interior, que também não compareceram à audiência e, assim como o presidente, delegou assessores jurídicos.
Como aconteceu em La Guajira, a grosseria ou a violação do Governo são comuns aos povos ancestrais na hora de reivindicar os direitos que lhes foram concedidos na Constituição de 1991. E apesar da carta constitucional ter reconhecido a Colômbia como um país multicultural e multiétnico, alguns líderes indígenas acreditam que seus direitos permaneceram apenas no papel.
“O governo assina tudo para nós: leis, decretos e todo tipo de regulamentação, mas o cumprimento e a implementação são quase nulos. Regulamentação não é o tema, pois temos toda a necessária. O problema é a falta de vontade para que haja o cumprimento como deve ser: com foco no território, diferencial e até orçamentário”, disse Óscar Montero de La Rosa, líder do povo Kankuamo.
Segue abaixo algumas das principais leis, decretos, sentenças e ordens cujo o cumprimento é exigido pelos diversos povos indígenas do país, consultados para o especial jornalístico La crisis humanitaria de los indígenas en Colombia realizado pelo Hacemos Memoria.
Por meio desta lei, o Congresso da República aprovou a aplicação na Colômbia da Convenção 169 sobre povos indígenas e tribais em países independentes, adotado pela 76 conferência internacional da Organização Internacional do Trabalho realizada em Genebra em 1989. O artigo número 2 dessa lei, estabelece que “Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com o objetivo de proteger os direitos desses povos e garantir o respeito á sua integridade”.
Uma das principais ações estabelecidas pelo Governo para a implementação e cumprimento desta lei é o desenvolvimento de consultas prévias para projetos, obras ou atividades que afetem diretamente as comunidades étnicas.
No entanto, em regiões como Norte de Santander, esse regulamento não foi cumprido, segundo Juan Titira, líder da Associação das Autoridades Tradicionais do Povo Barí, que denunciou que na área há “26 firmas de mineração, que já tem licença para extrair Carvão em nosso território, mas não fizeram as consultas prévias; eles vêm e procuram os camponeses, as juntas de ação comunitária para que eles façam esse trabalho e os direitos indígenas não sejam refletidos, e a gente não tenha sido levado em conta”.
Decreto 1396 e 1397 de 1996
Ambos os decretos são de grande importância para a conformação da estrutura de governo próprio dos povos étnicos na Colômbia. Por meio do Decreto 1396 de 1996, foi criada a Comissão de Direitos Humanos dos Povos Indígenas e o Programa Especial de Atenção aos Povos Indígenas, que ordenou ao Estado a elaboração de planos e medidas preventivas contra as violações dos direitos humanos dessas populações.
Por sua vez, o Decreto 1397 de 1996 criou a Comissão Nacional de Territórios Indígenas e a Mesa-redonda Permanente, dando o poder de zelar, entre outras coisas, pela integridade, o ordenamento territorial, a conservação da diversidade étnica e cultural dos povos indígenas, por meio de ferramentas como a preparação de planos e orçamentos anuais, e a representação ativa dentro do Ministério da Agricultura.
Por meio desta decisão, o Tribunal Constitucional declarou a existência de um estado de coisas inconstitucionais na situação de deslocamento forçado na Colômbia devido ao conflito armado. Na referida decisão, o Conselho Nacional de Atenção Integral à População Deslocada pela Violência foi encarregado de elaborar e implementar um plano de ação para superar o problema, priorizando a ajuda humanitária à população deslocada.
Na referida decisão, as associações de deslocados foram legitimadas para que pudessem instaurar ações de tutela para a proteção dos direitos dos seus associados, tendo em vista a situação de vulnerabilidade das vítimas de deslocação para exercer a sua própria defesa ou contratar advogado. A esse respeito, a página 26 da seção de considerações e fundamentos da Sentença T-025 de 2004 diz: “dada a extrema vulnerabilidade da população deslocada, não só pelo fato do deslocamento, mas também pela maior parte dos casos se tratar de pessoas amparadas pela Constituição – como mulheres chefes de família, menores de idade, minorias étnicas e idosos – a exigência de apresentar diretamente ou por meio de advogado as ações de tutela para a proteção de seus direitos é excessivamente difícil para essas pessoas”.
No entanto, a respeito da implementação desta sentença, Alexis Espitia, professor e conselheiro da Organização Indígena de Antioquia, afirmou que o Tribunal Constitucional “ordenou ao Estado que formulasse planos de salvaguarda para 34 povos indígenas, incluindo os cinco povos que habitam Antioquia, mas que até o momento de sua implementação não foram efetivos. A cada dia que passa, os povos indígenas estão se extinguindo física e culturalmente, principalmente neste momento em que se agravou o conflito armado em Antioquia”.
Através deste decreto “é redefinido o território ancestral dos povos Arhuaco, Kogui, Wiwa e Kankuamo da Sierra Nevada de Santa Marta, expresso no sistema de espaços sagrados da ‘Linha Negra’, como área tradicional, de especial proteção, valor espiritual, cultural e ambiental, de acordo com os princípios e fundamentos da Lei de Origem, e da Lei 21 de 1991, e outras disposições sejam ditadas”.
Contudo, neste momento este decreto está sendo violado “devido às pressões de grupos empresariais e pessoas que têm interesses na exploração dos territórios da Serra” para atividades econômicas de pecuária, turismo e construção imobiliária, disse o líder indígena Óscar Montero de la Rosa.
Criada como ferramenta para se fazer cumprir o que foi estipulado na sentença T-025 de 2004, essa ordem aprofundou a proteção da população indígena vítima ou em risco de deslocamento. A medida estipulou a obrigação do Estado de fornecer uma solução que atenda às dimensões e consequências dessas violações por meio de ferramentas como os planos de salvaguarda.
Segundo Arbey Gañán, líder Emberá do Conselho Regional Indígena de Caldas, “o Tribunal Constitucional, por meio da Ordem 004 de 2009, manifestou que existem vários povos em vias de extermínio físico e cultural, devido ao conflito social e armado. E entre esses o povo Emberá. Mas até agora só recebemos do governo microprojetos, que não atendem às necessidades nem a salvaguarda dos povos indígenas. É o que continuam oferecendo às populações que seguem sendo vítimas do conflito social e armado.
Através deste decreto, o Ministério do Interior expediu medidas de assistência, atendimento, reparação integral e restituição dos direitos territoriais às vítimas pertencentes a comunidades e povos indígenas. Para a geração desse quadro jurídico e institucional, foram levados em consideração os princípios e direitos dos povos indígenas consignados na Constituição de 1991, na Lei de Origem, no Direito Natural, no Direito Maior ou no Direito Próprio.
Contudo, Elizabeth Apolinar, líder indígena de Orinoquía e advogada da Organização Indígena da Colômbia (ONIC), disse que a aplicação deste decreto tem sido incipiente em regiões como Llanos Orientales (também conhecido como Orinoquía), “um dos territórios onde mais houve desapropriação de povos indígenas. Até muito recentemente, foi proferida a primeira sentença de restituição dos direitos territoriais da Unidade de Restituição de Terras, que era o caso de Kanalitojo em Vichada. Mas a partir daí não há mais avanços. Desde que entrou em vigor o Decreto 4633 de 2011, já se passaram nove anos e há apenas uma sentença de restituição de direitos, que fala muito em apoio institucional”.
Esse decreto estabeleceu os mecanismos de proteção e segurança jurídica das áreas ocupadas ou de propriedade ancestral ou tradicional dos povos indígenas com base em seus costumes e relações com o espaço. Em seus princípios, este regulamento protege a identidade que os povos indígenas mantêm com seus territórios ancestrais nos quais desenvolvem plenamente sua vida, visão de mundo, sabedoria, conhecimento, costumes e práticas tradicionais.
O Decreto 2333 de 2014 reconhece os territórios ancestrais e, de forma preventiva, diz que devem ser geradas garantias para protegê-los durante a titulação, lembrou Elizabeth Apolinar, líder indígena de Orinoquía e advogada da Organização Indígena da Colômbia (ONIC), acrescentando que “este decreto foi inspirado na Orinoquía colombiana porque nossos territórios estão aparentemente vazios, mas para nós a palavra “vazio” não existe. Para nós, eles não são territórios vazios, são territórios ancestrais. Pois é, já se passaram seis anos e ainda não temos a primeira resolução para a proteção do território ancestral.”
Através deste decreto, a Presidência da República editou as normas fiscais necessárias para colocar em funcionamento os territórios indígenas localizados em áreas não municipalizadas dos setores do Amazonas, Guainía e Vaupés. Para sua aplicação, o marco normativo prioriza princípios como, o desenvolvimento dos povos indígenas, diversidade cultural e ambiental, governabilidade e economia sustentável, autodeterminação, entre outros.
Em relação à implementação deste regulamento, Róbinson López, líder indígena da Organização dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (Opiac), disse que as comunidades ancestrais desta região apresentaram ao Ministério do Interior a Agenda Ambiental da Amazônia, a qual detalha “os principais problemas estruturais da região e o atraso social e ambiental que são historicamente presentes. Nessa agenda estão treze pontos estruturais, entre os quais está o Decreto 632 de 2018. A ideia é que com o decreto, a autonomia e governo sejam dados às autoridades indígenas, e que não sejam criados municípios nesses territórios. Mas, apesar dos oito anos de gestão da Opiac e dos líderes do Conselho Permanente do Acordo Nacional, esse decreto não foi cumprido. Ao contrário, recentemente o presidente Iván Duque esteve lá e criou um município dentro dessas áreas não municipalizadas, violando as leis que protegem os povos indígenas. E fez isso escolhendo a dedo uma indígena que se prestava a isso”.
Traduzido do espanhol por Kaline G. S. Jorge / Revisado por Tatiana Elizabeth