Por Diogo Lima/ururau
Sabemos que o racismo e suas consequências se pautam numa lógica de segregação e exploração do povo brasileiro. É fato que ao nos perguntarmos sobre os motivos de pessoas negras não se candidatarem e votarem entre si, o racismo seja a primeira palavra que nos vem à cabeça. O desafio de hoje é refletir sobre os aspectos sociais, os “porquês”, tentando relacionar o racismo e o ambiente que parte do indivíduo para a sociedade e vice-versa.
Primeiro de tudo, os aspectos psicossociais. Muitas autoras e autores, como Neusa Santos e Frantz Fanon, falam das consequências da branquitude na construção da subjetividade de pessoas negras, e como o racismo construído a partir de uma lógica branca, afeta sua construção e ações. É um desafio se entender, se tornar “negro” numa sociedade em que tudo que é associado a nós foi apagado ou destruído de maneira intencional. É um abismo existencial para nos manter em posições subalternas ou gerando conflitos entre nós mesmos. Se colocar à disposição para uma disputa pública, defendendo uma pauta dolorosa e tão cheia de percalços para o indivíduo e toda sua trajetória de vida, e ainda comprometida com uma visão/ação antirracista é um desafio e requer muita maturidade emocional. Em um país racista e extremamente desigual, há naturalização de só ver pessoas brancas no poder.
Até este ano, não havia estrutura de recursos financeiros, nem espaço garantido de propaganda para as candidaturas negras. Pessoas negras estão ocupando a força de trabalho de base na sociedade, ganhando os piores salários e lidando com mazelas sociais como residir em espaços sem infraestrutura, expostos à violência. Nos partidos, seja na esquerda ou na direita, pouco se tinha em relação à concretização de candidaturas de pessoas negras. As candidaturas que se elegeram até o momento, desde início da redemocratização (a partir de 88), são heróicas, pois tiveram de romper ou conviver com todo tipo de mazela. Talvez ao ver um ou outro negro(a) eleito(a), as pessoas se perguntam: “mas e fulano?”. Essa pessoa foi uma no meio de tantas outras potenciais, que não tiveram estrutura ou estão enfrentando o desafio da mobilidade social, tentando salvar a si mesmos e suas famílias. Por isso ações afirmativas e focalizadas, pensando raça e demais atravessamentos como gênero e sexualidade são fundamentais para que negras e negros ocupem o poder político.
Construção de narrativas e espaços de comunicação. Muita gente fala do “quarto poder”, o poder da imprensa. A novas mídias são recentes, e dispersas em diversos assuntos ou temas de interesse. A TV/rádio ainda são fortalezas, que constroem narrativas e são espelho para construção do imaginário das pessoas. É por esses canais que ainda muitos se informam ou trazem um assunto na mesa de jantar da família depois de ver algo na novela. É também por essas mídias que as pessoas pautam seu comportamento, estética e afins. Isso se conecta muito com o primeiro tópico, da subjetividade e branquitude, mas aqui de maneira massificada. É uma indústria que pauta a mente das pessoas. Precisamos de representatividade e estabelecer novas narrativas em TODOS os mecanismos de mídia, para impulsionar a mudança cultural que tanto queremos. A política está no preço do pão, mas também está naquele programa de TV que só mostra preto em camburão e no jornal que estampa os rostos de pessoas negras como assassinas e propensas à violência. Também é aquele que satiriza o comportamento e cultura de um povo no humor ou da novela que não experimenta um elenco que representa o Brasil e sua diversidade étnica. Como romper com a lógica de construção, se somos bombardeados de conteúdo que nos coloca como inferiores e subalternos?
Para esquentar ainda mais: qual a representatividade de pessoas negras no serviço público? E nos sindicatos? Na academia? Nas empresas, seja como proprietários ou ocupando posições de destaque? Tudo isso está relacionado ao poder, e articulação destes espaços determina muita coisa em termos eleitorais. Todo mundo conhece aquele candidato representante do trabalhador, ou intelectual. Perguntar-se e criticar onde estão os negros nesses espaços é fundamental, principalmente quando olhamos para o cenário de construção nacional.
Você leitor(a), deve ser lendo isso e pensando: “nossa, Diogo. É só coisa difícil, lendo você parece que não iremos mudar esse quadro em vida.”
E penso que é possível transformar, sim! Mas sem ingenuidade, e com um pensamento e ações que conectem objetivos de curto, médio e longo prazo, atacando esses e outros tantos pontos que não caberia nesse texto. Acredito que será uma revolução institucional se pintarmos as câmaras e prefeituras este ano com pessoas negras e indígenas, lembrando sempre de misturar gênero, sexualidade, classe e por aí vai. Por isso, no próximo texto vou trazer algumas experiências de candidaturas que já estão mudando a lógica do sistema e contrariando as estruturas, quais técnicas/ferramentas estão sendo utilizadas e qual o impacto político que isso tem para a estrutura de poder.