“quem presta serviços, presta-os à nação e nunca ao imperador, que é apenas uma parte da nação (…). nosso imperador é um imperador constitucional e não o nosso dono. Ele é um cidadão que é imperador por favor nosso e chefe do poder executivo, mas nem por isso autorizado a arrogar-se e usurpar poderes que pertencem à nação. Os habitantes do Brasil desejam ser governados, mas não se submeter ao domínio arbitrário”.
Cipriano Barata – Sentinelas da Liberdade – 1822.
Não é de hoje, que o povo brasileiro se submete aos preceitos de uma constituição federal. Ainda na Monarquia, a necessidade de se garantir direitos e definir deveres aos brasileiros já faziam parte das discussões entre monarquistas e republicanos. O tempo passou e muitos avanços foram obtidos, graças ao esforço de homens, que se dedicavam a pensar o Brasil – política e administrativamente. Mas, tinham também os homens, que nem sempre queriam o bem do povo, pois na verdade pouco se importavam com a vontade popular, como por exemplo, as promulgadas em 1937, 1946, 1967, 1969. Os textos, nesses casos, vinham mais para justificar a ação do estado do que propriamente, os interesses da sociedade.
A Constituição de 1988 é um ponto fora da curva na história das leis brasileiras, por isso ganhou o nome de Constituição Cidadã. Nela, o direito à igualdade é consagrado à totalidade dos cidadãos brasileiros. A igualdade no sentido de isonomia, um dos fundamentos do estado de direito, justamente para fazer oposição aos privilégios presentes em sociedades estamentais da idade média. Essa concepção do direito surge, a meu ver, com o objetivo claro, de estabelecer “limites às ações de governo”.
Foram 100 anos de República para que o brasileiro conseguisse chegar ao estágio de cidadão. Sim, estágio. Ainda não conquistamos a plenitude de nossa cidadania, apesar dos avanços.
Quando reis mal coroados usurpam o poder e apontam dedos, desafiando o estabelecido pelas leis é sinal de que alguma coisa anda muito errada em nossa história. Se observarmos o Brasil de 2020, temos razões mais do que claras para desacreditar da soberania do cidadão na construção desta nação. Os números não mentem. São 14 milhões de desempregados e um conjunto de políticas improvisadas ou equivocadas em vários setores, como educação, saúde e segurança. Isso, sem falar no papel dos três poderes. Sim, os três poderes, que se locupletam através de artimanhas sórdidas dentro do campo da livre interpretação do direito constitucional. Uma verdadeira casta de vampiros, que só se interessa pelo sangue e as riquezas da nação.
Homens com espírito público inspirados em aves de rapina, onde só demonstram interesses em saciar a própria fome, seja ela de dinheiro, de poder ou, simplesmente, do ego. Homens covardes que terão seus nomes grafados no submundo da história.
Em 30 anos temos novamente a necessidade de se estabelecer ou fortalecer os códigos de conduta promulgados em 1988. O Brasil passou por um turbilhão nas últimas três décadas. E, hoje vivemos sob o terror de uma pandemia e sendo governados por um desses homens, que durante 30 anos esteve no poder sem produzir nada de relevante para a sociedade. O único benefício que fez foi a si mesmo, reproduzindo-se no poder em várias instâncias, através da sua escarrada prole. Estamos perdendo vidas e retroagindo no campo dos direitos individuais e sociais.
A morte pelo Covid-19, a fome, a desesperança, aliadas à insegurança gerada pela falta de confiança na classe política e no judiciário, nos faz sim, ter o dever de cobrar, gritar e se posicionar em defesa da cidadania e dos direitos individuais. A horda fascista que avança precisa ser neutralizada. A maioria jovem que a alimenta nas redes sociais e na escuridão das cidades precisa ser educada dentro dos princípios da democracia, do respeito às diferenças e da cultura da não violência. Precisamos, antes de tudo, ter a percepção do erro que gerou todo esse caos. Pensadores de direita, esquerda precisam voltar a dialogar e inspirar cada vez mais pessoas, cidadãos, mostrando que a convivência exige, muitas vezes, concessões.
O cenário precisa mudar, pois os atores seguem o mesmo roteiro defasado de inspiração. É mais do mesmo e, com Bolsonaro, muito pior. O excelentíssimo presidente do Brasil nos recolocou na era das trevas com o assassínio da ciência em todos os campos de produção, principalmente a humana. É passado a hora de nos reafirmamos como nação democrática, extirpando de vez de nosso convívio à ameaça fascista.
Em tempos de pandemia e morte, pode parecer insensível defender reformas políticas que apontem caminhos para sairmos dessa encruzilhada, mas não podemos assistir calados as negociatas do poder executivo com o baixo clero de nosso parlamento. Por vezes, o Brasil foi vítima dessas negociatas, perpetuando no poder grupos mafiosos que se escondem atrás de siglas partidárias. Precisamos e, isso, é urgente reestruturar a forma de atuação dos partidos políticos, pois a atual forma, mata muito mais brasileiros do que o Covid-19.
Precisamos sair desse fosso, de forma democrática para ensinar definitivamente a essas anomalias políticas que dominam o país, que não aceitamos a interferência militar capitaneada por Bolsonaro e sua milícia pois somos regidos por uma Constituição e, devemos a ela o nosso verdadeiro e indiscutível patriotismo. Não é a fantasia verde e amarela que nos faz brasileiros, mas o “Preto no Branco” contidos na carta magna de 1988. O país que queremos é o Brasil que não se submete a governos totalitários e que se sustenta arbitrariamente de quem quer que seja – nem milicianos, nem traficantes, nem juízes, nem políticos, nem empresários e nem dos donos dos meios de comunicação.
Cidadania é ser livre para pensar …é ser igual e fraterno. Se naufragar a embarcação, todos correm riscos. E o risco está aí…arrombou a porta e está sentado no palácio ameaçando vidas, histórias, culturas e economia com a sua caneta carregada com a tinta da mediocridade e com suas ideais fascistas.