Por Alexandra Lopes / Observatório dos Direitos Humanos
Imagine-se em Moria, mais concretamente num dos locais mais letais neste momento, o seu campo de Refugiados (e não, não creio estar a usar esta palavra com tons de leviandade) que não raras vezes consta dos relatórios internacionais por maus motivos.
Perante a crise pandémica com que nos defrontamos e a consequente decretação do Estado de Emergência (ou o seu equivalente jurídico) por parte de alguns Estados Membros surge uma questão inquietante: Terá a crise migratória passado para segundo plano?
Agora que a Europa constitui o centro geográfico da epidemia, poder-se-ia facilmente esquecer as dezenas de migrantes que ainda se encontram nos campos de refugiados à espera de uma luz de esperança concretizada na concessão de proteção internacional.
O Conceito de Segurança não mais poderá vislumbrar-se como uma realidade interna de cada um dos Estados. O próprio conceito de Estado está em reconfiguração face à emergência de novos atores no plano internacional, os quais, por sua vez, nos permitem questionar os princípios mais elementares do Direito Internacional Clássico, entre os quais se salientam os critérios de atribuição de personalidade jurídica Internacional, questão esta, aliás cuja resposta poderá surgir no sentido de uma ampliação conceptual que permitiria incluir a pessoa humana e, desde logo, os refugiados no seu âmbito.
Mas centremo-nos na presente conjuntura. Parece evidente que, mais uma vez, os refugiados se veem preteridos perante a crise sem precedentes que vivemos. O asilo é um direito fundamental amplamente reconhecido na Convenção de Genebra de 1951 sobre a proteção dos refugiados e, não obstante a existência de um quadro normativo europeu a este nível, parece evidente que o SECA (Sistema Europeu Comum de Asilo) continua na dependência de interesses estratégicos nacionais.
Por outro lado, a emergência de vagas populistas em vários Estados-Membros tem conduzido a uma resposta ainda mais controversa ao nível da crise dos refugiados oriundos, sobretudo da Síria, mas não só.
Face ao desmantelamento do acordo com a Turquia e a respetiva abertura de fronteiras de acesso à União Europeia desvenda-se, por um lado, a hipocrisia com que têm sido conduzidas as políticas migratórias por parte da União Europeia e, por outro, um desastre humanitário em iminência e cujas consequências poderão intensificar-se com a expansão do surto epidémico aos campos de refugiados da Grécia, cuja dignidade humana é agora uma miragem ainda mais ténue face ao que se avizinha.
O cenário já começou a ser deslindado. Além da suspensão dos requerimentos de asilo, o que, previsivelmente conduzirá à deportação de muitos migrantes para os seus países de origem, surge ainda a questão premente para a qual ainda não existe resposta: Como evitar a propagação do vírus nos campos de refugiados e, especialmente, em Moria?
Em Teoria, o Parlamento e o Conselho Europeu já prepararam ajustes orçamentais que deverão ser executados pela Comissão Europeia. No que diz respeito à pressão migratória potenciada pela proliferação da COVID-19, salientam-se como medidas imediatas: a construção de cinco centros polivalentes de receção e identificação nas ilhas gregas (Multi-Purpose Reception and Identification Centres, MPRICs) cujo objetivo se centraria no acolhimento dos requerentes de asilo, bem como daqueles cujo requerimento haja sido denegado e, como tal, deverão regressar aos sues países de origem; o aumento dos programas de reintegração e regresso voluntário (Voluntary Return and Reintegration Assistance, AVRR); um reforço da FRONTEX e a disponibilização de serviços adicionais para os campos de refugiados já existentes.
Ainda que estas medidas possam ser benéficas, não parece que se traduzirão em melhorias significativas na vida dos refugiados de Lesbos que vivem no limiar da dignidade humana. Em bom rigor, uma evacuação preventiva dos campos parece ser mais eficiente, mas não é certo que a União Europeia esteja disposta a tanto. O que parece evidente é a falta de solidariedade não só a nível externo, como também no seu interior. Os Estados-Membros parecem não apreciar medidas solidárias como uma emissão de dívida conjunta o qual me leva à seguinte questão: se não somos solidários entre nós poderemos sê-lo para com os outros?
Ao nível da política migratória e, perante a falta de uma estratégia comum por parte dos Estados-Membros, penso que Portugal, nesta sede, possa servir de exemplo.
A assustadora propagação do vírus em países vizinhos como Espanha, Itália e França impulsionou uma atuação preventiva e, nesse sentido, tem-se procurado evitar o descalabro humanitário que se tem vindo a assistir nestes países. No entanto, há quem se revele reticente quanto à decretação do Estado de Emergência.
Não há dúvida que uma decisão como esta está a custar aos portugueses a restrição de direitos, liberdades e garantias fundamentais que poderiam, possivelmente, ser melhor enquadradas num estado intermédio de calamidade, tal como o que foi aplicado em Ovar.
Em qualquer caso, mais do que criticar a correção da medida que, desde o meu ponto de vista, ao não ser tomada poderia vir a servir de arremesso político por parte da oposição para fundamentar o que seria uma resposta tardia e ineficiente, concentrar-meei na iniciativa do Estado português em relação aos migrantes menores desacompanhados.
Ao atuar como parte de uma coligação internacional composta por vários EstadosMembros, Portugal disponibilizou-se para receber migrantes menores desacompanhados. Além desta iniciativa, mediante acordo bilateral com a Grécia, Portugal ter-se-á ainda disponibilizado para receber 1000 migrantes das ilhas gregas.
Estas medidas não resolverão o problema na sua essência, porém, representam uma atitude louvável em relação ao antagonismo com que esta questão tem vindo a ser gerida pelos Estados-membros.
Com o risco de o Estado de Emergência poder conduzir à restrição de direitos fundamentais e, em alguns aspetos, plasmar-se em exemplos concretos de má gestão, penso que em geral, mesmo em períodos conturbados, deverá haver sempre espaço para a solidariedade, espaço este que deve incluir, por imperativos morais, os migrantes.