Por Nozomi Hayase
Na audiência da última quinta-feira, em Westminster, Londres, foi estabelecido o cronograma do caso de extradição de Julian Assange para os Estados Unidos. As equipes jurídicas de Assange nos EUA fizeram um pedido para que a audiência de extradição fosse dividida em duas fases. Seu advogado de defesa, Edward Fitzgerald, explicou ao tribunal que eles não estarão prontos para apresentar o corpo principal de suas provas até depois da primeira semana da audiência, que começar, segundo se prevê, no final de fevereiro.
Assange foi indiciado por 17 acusações de espionagem, entre elas, por ter publicado documentos sobre a guerra dos EUA no Irã e no Afeganistão, e sobre as torturas na prisão de Guantánamo. Na audiência anterior, na segunda-feira 13 de janeiro, seu advogado, Gareth Peirce, levantou a questão que o preocupa: até agora, Assange não teve acesso a apoio jurídico, o que dificulta uma preparação adequada para sua defesa — ainda mais quando se enfrenta a sentenças que podem somar 175 anos de prisão.
Recentemente, surgiram novas evidências que provam que a CIA contratou a empresa de segurança espanhola, US Global, para espionar Assange dentro da Embaixada do Equador em Londres, na época em que ele habitou o local sob asilo político. Os alvos da vigilância incluíam seus advogados, médicos e visitas. Agora, três ex-funcionários da companhia se apresentaram como testemunhas, confirmando que seu então chefe, David Morales, ordenou que os trabalhadores instalassem na embaixada novas câmeras de vídeo, com capacidade de gravação de áudio, em dezembro de 2017.
Na saída da corte, após a audiência, o editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, declarou: “Com os depoimentos apresentados pelos EUA, nós agora aprendemos que eles não consideram que os estrangeiros possam ter proteção pela Primeira Emenda [à Constituição norte-americana, que assegura liberdade de expressão].” Ele insistiu em como isso é uma perseguição política contra um jornalista — e um grave ataque à liberdade de imprensa, com repercussão mundial.
John Reed, um dos representantes da campanha “Don’t Extradite Assange” (“Não à extradição de Assange”), criada pelo WikiLeaks no Reino Unido, também falou com a imprensa:
“Se Assange for extraditado, ele será imediatamente submetido às “Medidas Administrativas Especiais”, ou seja, ele e sua equipe jurídica não poderão falar com a imprensa nem com o público… ele será jogado para um buraco negro”. Em seguida, alertou o público: “Isso é guerra contra o jornalismo. Nenhum tipo de jornalismo estará a salvo com as acusações e perseguições atuais. Se o julgamento de Assange for levado adiante, isso pode acontecer.”
A equipe jurídica de Assange tem alertado sobre a ameaça à liberdade de imprensa por parte da ação judicial do governo dos EUA — ao processar um jornalista estrangeiro, negar a proteção da Primeira Emenda e aplicar a Lei de Espionagem.
Até a mídia mainstream chamou a atenção para estes fatos assim que as acusações contra Assange foram revelados, em 2018. Sobre a perseguição ao criador do WikiLeaks, o New York Times declarou: “Uma acusação centrada na publicação de informações de interesse público… gera um precedente com profundas implicações para a liberdade de imprensa”. O The Atlantic apontou: “Se o governo dos EUA processar o editor do WikiLeaks por publicar material classificado, todos os meios de comunicação estarão em risco”.
Agora, o “precedente de Assange” parece estar se estabelecendo silenciosamente. A fagulha da guerra ao jornalismo aumentou. Na terça-feira, Glenn Greenwald, jornalista do The Intercept, foi indiciado por crimes cibernéticos no Brasil. Grupos de liberdade de imprensa saíram rapidamente em sua defesa, condenando o ato de criminalização do jornalismo pelo governo brasileiro. James Jaffer, diretor do Instituto da Primeira Emenda na Universidade de Columbia, ressaltou as graves semelhanças entre o caso de Greenwald e o de Assange:
“É terrível ver isto acontecendo. A ideia de que jornalistas possam ser processados por publicar informações que outros obtiveram ilegalmente (eu assumo que essa seja a ideia ou teoria em questão, apesar das reviravoltas do caso) é, claramente, a base do indiciamento dos EUA contra Julian Assange, também”.
À medida em que o ataque aos princípios da Primeira Emenda aumenta no mundo todo, Assange, prisioneiro desta guerra, permanece em completo isolamento na prisão de Belmarsh, em Londres. Desde o dia 22 de setembro de 2019, ele está preso apenas pelo pedido de extradição dos EUA.
Nils Melzer, Relator Especial da ONU sobre Tortura, alertou com preocupação que Assange, cuja saúde entrou em uma “espiral descendente” dentro da prisão, é vítima de tortura psicológica.
A audiência de extradição de Assange está marcada para começar em 24 de fevereiro, dividida em duas partes: primeiro, ao longo de uma ou duas semanas; em seguida, após o dia 18 de maio, por mais três semanas. Este é o caso mais importante contra a liberdade de imprensa do século XXI. As pessoas precisam se engajar na luta pelo fim da guerra ao jornalismo.