A quarta onda de imigração brasileira para Portugal trouxe ao país muitos imigrantes qualificados, que contribuem economicamente, mas também social e culturalmente para o país. Mas o crescimento de discurso xenófobo tem colocado em causa esta comunidade. Quantos são, onde e como vivem?
por Daniel Moura Borges, militante do partido “Bloco de Esquerda” em Portugal
“A solidão faz parte do cotidiano de migrantes”, é uma das conclusões de um estudo intitulado A quarta onda de imigrantes brasileiras e brasileiros em Portugal. Apesar da frase ser redutora da experiência de imigração, está ligada à caracterização da mais recente vaga de imigração brasileira em Portugal, que começou em 2015.
A “quarta onda”, não deixando de ser heterogénea, difere muito das anteriores. Como diz Álvaro Filho, jornalista e escritor brasileiro que vive em Portugal, “é a primeira vaga que não sai [só] por necessidade financeira”, mas que “sai porque não quer concordar e vivenciar o bolsonarismo”, ou “vieram por outras necessidades e tiveram que se virar de outra forma”, mas “é uma vaga que vem com outros skills”.
O escritor considera que esta vaga causa também um “atrito maior” porque, sendo mais qualificada, “começa a ocupar um espaço que o local não estava à espera”. De facto, em 2022, a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR), registava que desde 2017 os casos de xenofobia contra imigrantes brasileiros tinham aumentado 433%, com denúncias de confrontos como “não é problema meu se você não sabe falar português”, “mulher brasileira vem para cá para roubar o marido das portuguesas” e “você não entende nada, é burra”. Também um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, publicado em dezembro de 2024, indicava que cinco em cada dez cidadãos portugueses querem que a presença brasileira em Portugal diminua.
Os imigrantes brasileiros são a maior fatia dos imigrantes em Portugal (cerca de 35,3%, segundo os dados da AIMA de 2023). O relatório de migrações e asilo de 2024, produzido pela Agência para a Integração, Migração e Asilo (AIMA), dava conta de 368.449 residentes brasileiros em Portugal. Para além da contribuição em termos de força de trabalho, são também centenas de milhares de pessoas que contribuem para enriquecer a cultura e a sociedade portuguesa com as suas experiências.
Apesar disso, o estudo sobre a quarta onda de imigração do Brasil para Portugal, produzido por Andrea Oltramari, Laura Scherer, Aline Fraga, João Peixoto e Duval Fernandes, dá conta de um mau acolhimento dos imigrantes por parte das instituições portuguesas e de vários desafios sociais, como a solidão, com que essas pessoas se confrontam em Portugal.
Quem são os imigrantes brasileiros em Portugal?
Em traços gerais, a quarta onda de imigração é, segundo os estudos disponíveis, composta por quatro grupos com caraterísticas diferentes entre si. O primeiro é composto por pessoas jovens com qualificações (estudos no ensino superior), que atuam na sua área de formação. Em muitos dos casos, entraram na Europa por terem alguma nacionalidade europeia, principalmente italiana, adquirida por parentesco. Há também um segundo grupo, de pessoas mais velhas, “altamente qualificadas”, com experiência na sua área de formação e que praticam as suas profissões em Portugal.
Por contraste, o terceiro grupo terá qualificações, mas “passa por desqualificação no destino”. Isto é, deixam de atuar na sua área de formação e assumem outras profissões em Portugal, que não precisam de formação específica para exercer. São trabalhos na restauração e no atendimento ao cliente, com condições com “insegurança contratual, baixos salários, poucas oportunidades de promoção, ausência de proteção social e baixo status social”, como definem os autores do estudo sobre a quarta onda de imigração para Portugal.
Em último lugar, um grupo de pessoas que atuam “em campos tanto precarizados quanto não precarizados”, que entram em Portugal com visto de estudante, e que, investindo na sua formação cá, procuram trabalho na sua área. Entretanto, podem operar simultaneamente em trabalhos associados à plataformização, em profissões como TVDE, estafetas ou freelancers em aplicações.
Na procura de trabalho, estes imigrantes encontraram maior fixação nas grandes cidades. Por isso, os dados do Gabinete de Estratégias e Estudos sobre a população brasileira residente em Portugal (cujas informações mais recentes são de 2021), dá conta de 77.110 imigrantes brasileiros a residir em Lisboa e 27.496 no Porto. A terceira cidade com a maior comunidade brasileira é Setúbal, com 24.907 pessoas, seguida de Faro, Braga e Aveiro, com comunidades entre os 17.00 e as 8.000 pessoas. Segundo os mesmos dados, a esmagadora maioria da população brasileira em Portugal está em idade adulta ativa. Cerca de 85% estarão entre os 18 e os 64 anos.
Para além dos estudos, associações que reúnem a comunidade brasileira, como a Casa do Brasil de Lisboa, indicam que há um universo significativo de pessoas brasileiras que atuam na área do empreendedorismo, e ainda que esta comunidade em particular tem uma grande presença nos movimentos sociais em Portugal e uma participação social e política muito elevada.
Imigrantes de longa data
Mas nestas centenas de milhares de pessoas, não estão apenas os membros da quarta onda de imigração. Se entre 2015 e 2021 vieram trabalhar para Portugal cerca de 120.000 novos imigrantes brasileiros, é verdade que as anteriores ondas de imigração já tinham trazido para o país cerca de 80.000 imigrantes. Aliás, em 2011, havia mais de 100.000 cidadãos brasileiras a trabalhar em Portugal, mas com a crise económica que o país viveu, cerca de 20.000 saíram do país.
Os autores e autoras do estudo sobre a quarta onda de emigração do Brasil para Portugal, não se escusam de contar a história das anteriores fases (o estudo limita-se à análise da imigração brasileira no Portugal democrático). A primeira, anterior a 1990, sobretudo de trabalhadores qualificados que se integram no mercado de trabalho português. Mas as duas seguintes, que acompanham ciclos de crescimento da economia portuguesa na década de 90 e na década de 2000, são caraterizadas sobretudo pela inserção de trabalhadores com pouca escolaridade, em serviços pessoais e construção civil.
“Nas vagas anteriores, os brasileiros já eram vítimas de um certo preconceito financeiro no próprio Brasil”, explica Álvaro Filho. “Então quando eles vêm para cá, mudam de país mas a realidade é a mesma – está num emprego em que alguém lhe trata mal, mas era maltratado lá também e aqui está ganhando dinheiro e manda para o Brasil”.
Com uma comunidade tão extensa em Portugal, é também entre os brasileiros que vivem cá que se regista o maior número de pedidos de nacionalidade. Só em 2024, foram 26.591, tendo sido ainda concedidos 147.262 títulos de residência. Além disso, a nacionalidade brasileira é uma das mais representativas nas concessões de autorização de residência para atividades de investimento, ficando apenas atrás dos Estados Unidos da América, da China e do Reino Unido.
Como são acolhidos?
Se o estudo sobre a quarta onda de imigração em Portugal dá conta de que “urge organizar o acolhimento na partida e na chegada de imigrantes do Brasil em Portugal”, e de que “as vulnerabilidade das mulheres, de trabalhadores e trabalhadoras com menor qualificação ou com pouca reserva financeira se evidencia”, essa luta tem sido feito na prática pelas organizações de imigrantes que apoiam a comunidade brasileiras em Portugal.
Desde logo com o fim da manifestação de interesse, operada pelo governo de Luís Montenegro. Nesse caso, as associações de imigrantes como a Casa do Brasil de Lisboa e a Solidariedade Imigrante denunciaram o “retrocesso de pelo menos 17 anos em políticas de imigração” com o regresso ao paradigma dos anos 90, em que “dezenas de milhares de pessoas imigrantes permaneciam em situação irregular sujeitos/as à arbitrariedade das entidades empregadoras sem escrúpulos e das máfias”.
Mas também contra os problemas inerentes ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e com a sua substituição pela Agência para a Integração, Migração e Asilo e pela falta de meios de que esta é dotada, bem como contra a intenção do governo de Luís Montenegro de criar na Polícia de Segurança Pública uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras, que entretanto não passou na Assembleia da República.
Apontando como problema de fundo o desinvestimento nas instituições que lidam com a imigração e a sua falta de meios, as associações de imigrantes defendem que “Portugal tem falhado na imigração” e que está instalado o “caos” na imigração com, por exemplo, as situações de atraso na análise dos vistos consulares pedidos no Brasil.