MINERAÇÃO
Por Fernanda Perdigão
Janeiro. Mês de promessas e reflexões.
Em Minas Gerais, ele se divide entre o Branco, que simboliza a busca pela saúde mental, e o Marrom, que escancara as feridas abertas pelos crimes socioambientais. Mas, em Brumadinho e nos 26 municípios atingidos na Bacia do rio Paraopeba, seis anos após o rompimento da Barragem B1, as cores da esperança e da justiça ainda não chegaram.
O rompimento, que levou 272 vidas e devastou 26 municípios, resultou em um Acordo Judicial de R$ 37,6 bilhões. Firmado entre o Estado de Minas Gerais, os Ministérios Públicos Estadual e Federal, a Defensoria Pública e a Vale, o acordo trazia consigo a promessa de reparação integral. Reparação integral significa restituir os direitos violados, reparar os danos ambientais e garantir a dignidade das vítimas. É um conceito que, em um verdadeiro Estado Democrático de Direito, deve ser mais do que uma intenção; deve ser uma obrigação.
O Estado Democrático de Direito é aquele em que todos – cidadãos e governantes – estão subordinados às leis, garantidas pela Constituição. Nele, direitos fundamentais não são negociáveis, e o poder é limitado por normas que protegem a liberdade e a igualdade. Mas, na prática, o que vemos em Brumadinho e em toda a Bacia do Paraopeba é o reflexo de um Estado que se aproxima do modelo pós-democrático, descrito por Rubens Casara – Estado Pós-Democrático: Neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis – , onde direitos são relativizados em nome do mercado e da racionalidade neoliberal.
Um exemplo claro, que reflete a relativização dos direitos, está estampado no “Plano Estadual de Mineração” que carrega o Selo oficial de identificação que: “tem o objetivo de identificar e de sinalizar as ações e as iniciativas realizadas com recursos da reparação ao desastre, que provocou 272 mortes e diversos danos sociais, econômicos e ambientais.”
O neoliberalismo, por sua vez, transforma tudo em mercadoria – até mesmo o meio ambiente e os direitos humanos. Nesse cenário, decisões são tomadas com base no lucro e na eficiência, ignorando os limites éticos e sociais. Essa lógica se reflete na maneira como a participação social foi tratada no acordo.
Os compromitentes do acordo destacam uma suposta participação pública, mas, na prática, isso se reduziu a processos como uma consulta pública em que os atingidos deveriam votar em projetos por meio de um sistema online. Isso em um estado onde a precariedade de acesso à internet é a realidade para muitos. O que chamam de “participação” são, na verdade, sites que mais parecem murais burocráticos: resumos técnicos do que já foi feito, limitados a quem tem acesso e condições para entendê-los. Não há espaço para os atingidos expressarem seus anseios. Não há escuta, só silêncio.
Enquanto isso, o meio ambiente tenta se regenerar sozinho. O Rio Paraopeba, antes fonte de vida, segue poluído. Crianças em comunidades atingidas carregam metais pesados no sangue. E as promessas de transformação parecem distantes.
Janeiro Branco nos ensina que não há saúde mental sem dignidade, sem segurança, sem justiça. Janeiro Marrom nos lembra que não há reparação sem participação verdadeira e sem responsabilização. Mas em Brumadinho e em toda a Bacia do rio Paraopeba, o janeiro permanece em tons desbotados.
Seis anos depois, o branco e o marrom se misturam à lama. E o que falta, acima de tudo, são as cores da justiça, da reparação e da dignidade humana.