MULTILINGUAGEM

Por Lucas Gustavo Carmo

Teatro Sérgio Porto convida público para conhecer lembranças afetivas de um artista que estreia no mundo das exposições

“Um quarto que se abre, um peito diante do mundo”: é com esta proposta que o artista multidisciplinar paulista Lucas César inaugura sua primeira exposição no Teatro Sérgio Porto, no Rio de Janeiro. A instalação poética traz aos visitantes a experiência da memória surgindo e se desfazendo com base nas vivências e no corpo do jovem, que passou anos compreendendo a si mesmo dentro de um quarto que, agora, é lançado para fora numa instalação que toma conta da galeria do teatro pelos próximos dois meses.

Nascido em São José dos Campos, interior de São Paulo, Lucas tem a cultura popular como principal referência em seus processos artísticos. Entre teatros de rua, apresentações de igreja e artesanatos feitos pela avó, o jovem sempre se enxergou como um corpo desviante: não era esperado que uma criança LGBTQIA+, interiorana e de uma família de baixa renda fosse artista, mas foi a arte que potencializou o entendimento de si: “Durante 18 anos da minha vida eu não soube dizer sobre isso, não soube falar sobre mim, eu me apresentava de outras formas, me performava. Então o resgate de compreensão de mim agora vai ganhando firmeza, porque eu tenho mais tempo de vida mentindo sobre mim do que me apresentando como eu de fato sou, conta.

Agora, aos 27, o artista compartilha as questões que vem ruminando nos processos de análise e resgata suas lembranças em “ficou o que não sei”, projeto final de sua pós-graduação em Escritas Performáticas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Morando no Rio, o jovem busca compreender como é este corpo interiorano e suas recordações afetivas na cidade grande, para a qual migrou desde que foi aprovado para cursar Artes Cênicas também na PUC, pelo ProUni, em 2016. Para externar o que ficou somente dentro do seu cômodo por anos, conta com a sua avó Lídia de Oliveira, artesã de 72 anos que também participa da instalação.

Nas obras, Lucas abre um diálogo com o público, que é convidado a refletir sobre a experiência de estar vivo, lembrar, de construir o amor e se transformar. A mostra traz o movimento de um corpo que segue, através das suas precariedades, inaugurando possibilidades poéticas. Os trabalhos, desenvolvidos em uma mistura de vídeo, fotos e dramaturgia, inauguraram um movimento em busca de coragem. “Cartas de amor”, composta por envelopes, elabora as 3 fases de sua vivência amorosa: as primeiras memórias afetivas com a sua avó costureira entre linhas e tecidos, o peso do silêncio a respeito de sua sexualidade e, finalmente, a pulsão da sexualidade, onde escapa.

Resgatando o menino de São José dos Campos, o quarto lança ao público ideias que seguirão para sempre em desenvolvimento. Como afirma Lucas, “ali são as minhas dúvidas. E eu acho que é o que continua. A partir do momento que eu tenho certeza, aquilo vai. Quase como se eu jogasse no vento. ‘ficou o que não sei’ muito nessa provocação de que ficaram as minhas dúvidas e pensando, também, que as coisas importantes são sempre uma interrogação, também a se investigar”.  As questões são elaboradas com o público, numa relação de diálogo estabelecida dentro da própria galeria.

Em “Paisagens Ignoráveis”, série de 29 fotografias analógicas tiradas em 35mm, é possível perceber a busca por um olhar cotidiano às coisas que se perdem em meio à correria da vida adulta: são registros feitos fora do quarto e de ações ordinárias cujas composições evocam o passado, numa textura própria que instiga, também, a memória: “olhei, achei interessante, cliquei, esqueço. E aí depois aquilo me volta, de novo, de alguma forma”, comenta ele sobre o acaso da fotografia analógica, que não permite um resultado imediato.

Em diálogo constante com a ideia da “paisagem” como um local afetivo do geógrafo Milton Santos e do “tempo espiralar” — onde passado, presente e futuro coexistem — da dramaturga Leda Maria Martins, o paulista traz à imersão o vídeo “Isca de umbigo”, de 14 minutos, reproduzido numa colcha de retalhos branca costurada por Lídia, sua avó, na cidade natal. É uma sobreposição de imagens analógicas, áudios, músicas e vídeos que revelam memórias e camadas afetivas da vida pessoal do artista:

“O trabalho nesse filme é puro e simplesmente a sobreposição e transparência de fotos analógicas com vídeos em câmera lenta. É só isso. Eu pretendo, através desse filme, refletir o movimento da memória acontecendo. Eu abro e expando esse pensamento para todo o ambiente da exposição, mas é no filme que aquilo tá bem circunscrito […] O filme tá o tempo todo pensando o quanto a memória vai se construindo e desconstruindo, porque com a mesma força que a imagem vem ela vai. Ela chega, se estabelece e já vai indo.”

A mostra conta, ainda, com a obra “Cabeça de vento”, indicando uma memória que, com o passar dos dias, toma conta do espaço e se fragmenta em outros pedaços de tecido espalhados pelo cômodo. Este é o material que representa o corpo de Lucas pela questão afetiva ligada à avó costureira e pelo fato do tecido ser formado de fios, numa metáfora com sua própria vida e poética, pensando na sensibilidade da vida e em suas possibilidades.

“ficou o que não sei” é um convite à experimentação e investigação da memória acontecendo e se desfazendo. É a primeira exposição de Lucas Cézar e está localizada na galeria do Teatro Sérgio Porto até 26 de janeiro de 2025. A visitação pode ser feita de quarta a domingo, das 16h às 21h. A entrada é gratuita e a classificação é livre.

SERVIÇO:

QUARTO-INSTALAÇÃO: ficou o que não sei
De 07 a 15/12/2024 e de 08 a 26/01/2025
Visitação de quarta a domingo, das 16h às 21h
Teatro Sérgio Porto – Rua Visconde de Silva, s/n, ao lado do 292, Humaitá
Classificação livre, entrada gratuita

FICHA TÉCNICA:

“ficou o que não sei”, uma instalação de Lucas Cézar
Participação de Lidia de Oliveira
Orientação de Adriana Maciel, Raissa de Góes e Lia Duarte Mota
Expografia: Marisa Rolón
Fotos de divulgação: Ana Paula Rolon | Foto olhar
Montagem: Cleiton Almeida, Ana Paula Rolón, Livia Vreuls e Lucas Cézar
Assessoria de Imprensa: Luís Gustavo Carmo
Designer do Programa: Vitor Moniz
Catering Abertura: Bruno Araújo
Realização: APALAVRIMAGEM
Apoio: Mani Gráfica e Editora e Diplomata Papéis
Apoio Institucional: Espaço Sérgio Porto, Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro

CONTATO ASSESSORIA: luisgustavomcarmo@gmail.com | (35) 99840-3871