TEATRO
Por Gisele Machado
Com direção geral de Naruna Costa e direção musical de Emicida, montagem retrata o tema da saúde mental da população negra e periférica em relação ao excesso de trabalho e o esgotamento social.
Refletindo como as questões de saúde mental, esgotamento social, racismo estrutural, o excesso de trabalho, estresse e a necessidade de produtividade afetam a população negra periférica, o espetáculo inédito “Tá Pra Vencer” estreia na sede do Grupo XIX de Teatro, uma temporada popular com apresentações gratuitas, de 27 de novembro até 5 de dezembro, de terça a sábado às 19h30, e domingo às 18h. Especialmente nos dias 01 e 04 será realizada uma roda de bate-papo com o público ao final de cada sessão. Idealizado pelos atores Ailton Barros e Filipe Celestino, e pela atriz e produtora Jennifer Souza, o projeto recebe a direção geral de Naruna Costa (indicada ao Prêmio Shell 2024 pela direção de “Parto Pavilhão”), a dramaturgia de Jhonny Salaberg (indicado ao Prêmio Shell 2024, pela dramaturgia de “Parto Pavilhão”) e a direção musical e trilha sonora original do cantor, compositor e pensador contemporâneo Emicida, estreante no cenário teatral brasileiro. Ao lado de Ailton, Filipe e Jennifer, em cena está ainda a atriz convidada Bia Rezi (atriz do premiado musical “Tatuagem” da Cia da Revista).
Historicamente, oportunidades e qualidade de vida foram limitadas para a população negra, criando uma pressão adicional em uma geração de jovens negros para alcançar sucesso e reconhecimento. O desejo de superar barreiras sistêmicas e alcançar uma qualidade de vida melhor para si e para os seus, resulta em uma camada adicional de estresse e comprometimento da saúde mental. Isso ocorre porque o sistema, de forma contínua, opera para que esses corpos adoeçam. A montagem aborda de forma bem-humorada um tema fundamental para o entendimento da nossa sociedade contemporânea: a saúde mental da população negra e periférica abalada pelas desigualdades sociais e econômicas.
“Vivemos uma onda de esgotamento geral. O cansaço é coletivo. A pressa, a urgência e a necessidade de ser produtivo dão o tom dos dias. Não à toa o assunto da saúde mental está tão em pauta. Mas como essas questões chegam na periferia e, em especial, na população negra periférica?”, questiona Filipe Celestino. O objetivo do espetáculo “Tá Pra Vencer”, ao abordar esse tema, é promover junto ao público uma reflexão mais profunda sobre a saúde mental no contexto de desigualdades estruturais e incentivar uma maior compreensão para aqueles que lidam com as pressões diárias nas periferias e que precisam se esforçar para vencer na vida, acabando por se ver vencidos pelo cansaço e pela impossibilidade de parar.
Na peça, três amigos preparam uma festa de aniversário surpresa para um quarto amigo que está sempre ausente ou atrasado por excesso de trabalho. Enquanto organizam a comemoração, eles compartilham experiências profissionais, revelando contradições, medos e angústias comuns em uma camada da sociedade que diariamente se depara com o racismo e demais preconceitos sociais. Com uma dramaturgia envolvente e temperada de humor, a peça cativa o público e cria um espaço seguro para a reflexão, ao transformar o desconforto em uma oportunidade para questionar e compreender melhor a realidade.
“São coisas nossas e das nossas famílias que, embora não sendo as mesmas experiências, carregam um fio em comum que as une. No desenrolar da história podemos ver as personagens tentando lidar com os seus atravessamentos pessoais, questões da relação com seus trabalhos diversos, cansaço e exaustão mental e tudo isso com uma pressão de que a vida não pode parar e precisamos continuar porque a realidade é um boleto que vence no mês seguinte”, relata Jennifer Souza.
Ao ir na contramão da sua própria estética narrativa e escrevendo uma peça dialógica e contemporânea, o espetáculo escancara a rotina de um domingo na periferia, com falas autênticas e cotidianas muito próximas da realidade de pessoas vindas desse contexto. “Foi um desafio escrever essa peça. O texto nem sempre tem a intenção de ser engraçado, mas, sim, de gerar identificação, que gera memória e o riso. ‘Tá Pra Vencer’ não estaciona só no bom humor, ela passeia por tensões subjetivas e coletivas à medida em que a trama vai crescendo. Nesse sentido, os diálogos convidam as pessoas a uma volta de montanha russa com direito ao ingresso só de ida. Nem o público e nem as personagens sabem onde o conflito vai parar. Foi das anedotas, dos ditados populares, das simpatias, das rezas e bênçãos das nossas famílias que me inspirei na construção das personagens”, declara Jhonny Salaberg.
Participando pela primeira vez de uma produção teatral, o cantor, compositor e pensador contemporâneo Emicida é o responsável por toda trilha sonora da peça, assinando a direção musical. “É um sonho antigo estar mais perto do teatro. Nos últimos anos tive a oportunidade de participar com shows no Festival de Teatro de Curitiba, e estar ali me deu um gás e reavivou esse sonho que estava numa gaveta. Depois disso voltei a estudar, e foi então que surgiu essa oportunidade e esse convite maravilhoso de ajudar a pensar na paisagem sonora da peça ‘Tá Pra Vencer’ junto com esse time dos sonhos! Senti que é mais um chamado irrecusável da arte. Tem sido um aprendizado, mas também uma honra e uma alegria colaborar. O texto do Jhonny está um absurdo e a Naruna é uma força da natureza. Estou feliz, quem sabe não tomo coragem e subo no palco daqui a pouco para me arriscar na atuação, né?”, diverte-se Emicida.
Com uma direção voltada ao estudo profundo das ferramentas de atuação e o estudo da palavra, “Tá Pra Vencer” tem a proposta de levar ao público cenas do cotidiano brasileiro com descontração. “Desenvolvi um trabalho de direção artística junto com o texto e dramaturgia do Jhonny. Foi um trabalho em parceria. A partir do que o texto sugeria, fomos pensando na direção de cada cena. O importante foi tratar essas questões polêmicas sem peso, para não gerar gatilhos na plateia. Foi uma proposta de deixar a dramaturgia mais leve, e só pesar mesmo quando necessário. A questão da pressão no trabalho está presente na vida de toda população urbana, mas quando se trata da população negra, aí piora um pouco mais. Porém, o drama não é o mote central da peça. Optei por uma abordagem mais cotidiana com leveza e bom humor, privilegiando o olhar e o ponto de vista da população periférica negra que ficou e enfrenta as mazelas do dia a dia corrido de trabalho”, afirma Naruna.
O espetáculo “Tá Pra Vencer” apresenta ao público a potência em que os artistas, grupos e projetos de teatro negro vem construindo ao longo dos anos na cidade de São Paulo, firmando o espaço em que esses profissionais ocupam na cidade. “É uma oportunidade de mostrar para o público a importância de refletir e repensar a estrutura racista em que vivemos”, finaliza Jennifer Souza.
SERVIÇO:
“TÁ PRA VENCER”
Data: 27 de novembro até 5 de dezembro
Horário: terça-feira a sábado às 19h30, e domingos às 18h
Ingressos: Gratuitos
Local: Sede do Grupo XIX de Teatro
Endereço: Rua Mário Costa, 13 – Vila Maria Zélia – SP
Obs: Dias 01 e 04 de dezembro será realizada uma roda de bate-papo com o público ao final das apresentações.
FICHA TÉCNICA:
Idealização: Ailton Barros, Filipe Celestino e Jennifer Souza
Direção Geral: Naruna Costa
Direção Musical: Emicida
Texto: Jhonny Salaberg
Elenco: Ailton Barros, Bia Rezi, Filipe Celestino e Jennifer Souza
Trilha Sonora Original: Emicida, Damien Seth
Assistência de Direção: Ailton Barros
Preparação Corporal: Castilho
Preparação Comicidade: Washington Gabriel
Cenografia: Rager Luan
Auxiliar Cenotécnico: Ronaldo Macedo Dias
Figurino: Guilherme Santti
Costureiro: Joseph Eliezaire
Tranças: Erick Malccon | Artesão das Tranças
Desenho de Luz: Gabriele Souza
Operação de Luz: Renan Estevão e Diego França
Operação de Som: DjAkinn
Social Mídia: Luis Felipe Machado
Designer Gráfico: Lais Oliveira
Fotografia: Helbert Rodrigues
Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Comunicação
Direção de Produção: Jéssica Turbiani
Produção: Corpo Rastreado | Jack Santos