MÚSICA

Por Gilmar Monte (adaptação final de Renan Simões)

 

A série Discografias aborda a obra de alguns artistas que cruzaram minhas apreciações musicais, muitos dos quais com pouquíssimas publicações a seu respeito. O segundo artista da série é Gimu, grande amigo e influenciador que produziu uma obra espetacular e única no cenário brasileiro de música experimental. O próprio Gimu tem elaborado textos sobre seus álbuns favoritos:

Sabe quando o bagulho passa a ser somente tocar a vida, mas parece que não tem um sentimento bom rolando enquanto vc segue e faz suas coisas?

Fui deixando alguns álbuns para o final, para escrever por último sobre eles, pq fazer isso quer dizer ter que assumir pra mim mesmo, aqui nessas palavras, que parece que nada bom estava rolando na minha vida enquanto criava as canções que virariam o álbum “tal”. Sorrow was an embryo é um deles. Acho esse título um acerto de junção de palavras. E não saiu de nenhum lugar, os meus “roubos”. Foi só da minha cabeça mesmo, num daqueles momentos em que você fica pensando que achava que a vida era ou estava ruim em algum momento, e se esqueceu de pensar que poderia piorar.

Sorrow é tristeza, mágoa, pesar, sofrimento. Escolhe uma delas. Embryo é embrião. Ou seja, quando o sofrimento ou a tristeza (ou…) era somente um embrião, pq cresceria, viraria outra coisa, e eu não podia imaginar. Podia, mas acho que não imaginei. Vai ver sou até otimista, pensando aqui, quando não esperei “o pior” 🙂 O pior não veio ainda. Quando você sabe que é o pior vindo ou foi ele que veio? O pior TEM QUE ser a morte? Pra quem? O pior é o sofrimento que não termina nunca, a dor que remédio nenhum corta, a depressão que parece incurável, depois de quase seis anos, e de vários remédios, procedimentos. E quem diria que não seria a minha depressão que causaria o descarrilamento da vida, depois de TUDO, mas a do meu marido? E vc achando que a vida é muito doida. É sim. Pode continuar achando. 🙂

E pode piorar, tá? Mas melhora também. Vai que vc lendo isso aqui é um rabudo e sua vida de um tal momento até hoje só melhorou ou sempre foi maravilhosamente foda ou fodamente maravilhosa. Rabudo! Mande a água do seu banho pra gente! 🙂 Vc sabe quão sortudo você é por sempre ter tido uma vida legal, sem muito tumulto, sem muita dor de cabeça, simplesmente vivendo, se sentindo quase sempre bem e conquistando o que quer conquistar, e quando te perguntam ou vc pensa sobre, você conclui que é uma pessoa feliz e de bem com a vida? Não foi uma escolha sua, tá? O seu cérebro funciona bem. É só isso. Ou não levou um mundo de pancadas até virar uma meleca e aquilo que vc chama de “eu” ficar com todas as dores, e com todas as contas de médicos e remédios.

Então vai ali na janela, olha para fora, dá aquela inspirada e pensa assim: “Que vida massa que eu tenho. Valeu, universo!” Tem como você saber disso sem conhecer A DOR? Se você vive uma “existência autêntica” (Heidegger), você saberá. E eu sei lá se te parabenizo ou sinto pena de vc por tê-la. Porque eu penso todos os dias que viver no escuro talvez seja uma forma bacana de não sofrer. Balela. Não há vida sem sofrimento, mas uns sofrimentos são mais parrudos. Qual o peso do seu?

A segunda música em Sorrow was an embryo se chama Life in a lackluster loop, e quer dizer “vida em um ciclo sem brilho”. Resumindo… 🙂

Enquanto eu trabalhava nas canções do álbum, descobri que tem auroras boreais em Urano. Assim como na Terra e em outros planetas com campos magnéticos, como Júpiter e Saturno, Urano também apresenta auroras. Essas auroras são causadas quando partículas carregadas do vento solar interagem com o campo magnético do planeta e são canalizadas para as regiões polares, onde colidem com gases na atmosfera, produzindo luz.

Fiquei encantado.

Auroras in Uranus é a primeira música do álbum, e é praticamente um trava-língua em inglês por causa de tanto som de R (haha ou “rrarra”).

Eu queria TANTO lembrar pq chamei a terceira música de THE PULL (o puxão). Tem algo bem profundo nisso, é conceito de algo ligado à espiritualidade ou à física da consciência, ou ao inconsciente, qualquer coisa a ver com neurociência ou nada a ver, e que é sobre qualquer coisa que não pode ser explicado, etc, etc? (??). Queria muito lembrar, pq eu jamais chamaria uma canção de O PUXÃO à toa. 

Don’t say anything while we’re kissing é exatamente isso: fica quieto, porra. Tô te beijando. Não fala nada agora. Não aproveita esse momento em que tô todo derretido para mandar algum papo chato sobre algo chato. Fica quieto e me beija, porra. Só isso 😀 Essa música é maravilhosa. Sons fritando. Normalmente minhas músicas não têm títulos assim. 

Stingray in amber. Música 5. Stingray é “arraia”, aquele animal lindo. Amber é âmbar. Arraia em âmbar se refere a um fóssil que contém a impressão de uma arraia preservada no âmbar. O âmbar é uma resina fossilizada de árvores que pode encapsular e preservar organismos e materiais por milhões de anos. A metáfora aqui evoca imagens de preservação, beleza e a passagem do tempo. O Word quer corrigir “arraia” para “arraiÁ”. Hahaha.

Música 6: Tears swell. Lágrimas se acumulam. Nem vou explicar. Um dia nosso apartamento terá virado um mar.

Última música, também conhecida como a sétima: Post hope.

Se a esperança é a última que morre, e ela já morreu faz tempo, qual é o sentimento que vem depois dela? Um dia me dei conta de que, por mais raiva que possa sentir – e não quero mais sentir raiva de nada – em relação a isso, de viver na esperança de, ou viver com esperança de que, eu vinha vivendo exatamente assim, esperando pelo dia em que a vida voltaria AO NORMAL, para viver momentos felizes novamente. Quase como uma oficialização do acontecimento: HOJE EU DECLARO QUE A VIDA VOLTOU AO NORMAL E EU NÃO PRECISO MAIS VIVER DE ESPERANÇA! Não caí do cavalo. Eu simplesmente desci dele, dei um beijo nele, e passei a viver. Só isso. Eu acordo, faço o que precisa ser feito, se tô bem, bem, se não tô, não tô. Entre a hora em que acordo e a hora em que finalmente apagarei novamente, faço trocentas coisas e não tenho muito tempo para outras coisas que não sejam dar minhas aulas de inglês, fazer o meu mestrado, comer de qualquer jeito, tentar trabalhar em música, ler, assistir, fazer carinho na Genoveva, rolar com ela, beijá-la muito, torcer para meu amor ter um dia menos pesado, sem lágrimas virando lagoas, sem desespero engolindo-o, engolindo a gente. A vida só é realmente boa quando todo mundo que a gente ama tá muito bem, “alive and kicking”.

Se um dia tudo isso passar, vai ser muito massa. 

Vou colocar Good life pra tocar e vou cantar junto, aos berros:

Love is shining

Life is thriving

In the good life

Good life

Good life, good life

Good life, good life

In the good life

Good life

😅

Se isso é o que a vida passou a ser, vamos lá, existência, sua sacana!

O sofrimento ainda é um embrião apenas?! Eu canto Good life de qualquer jeito e foda-se.

Obs.: A capa de Sorrow é uma foto que meu amado amigo Luciano Bravo fez enquanto sua casa estava sendo construída. O olho para sacar aquele momento. O moço da foto, cujo nome eu vergonhosamente não lembro, não acreditou que estava na capa de um álbum. Não me cobrou pelo uso de sua imagem. haha.

Assim que vi a foto, eu soube que seria a capa.