POVOS ORIGINÁRIOS

Por Micheline Batista

 

Primeira mulher indígena a receber o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2021, a escritora, poeta e professora Eliane Potiguara defende que a educação brasileira deveria contemplar a cultura da natureza e valorizar mais sua diversidade étnica como forma de promover uma convivência mais harmônica com o meio ambiente e reduzir as violações aos direitos humanos.

“O Brasil precisa assumir sua identidade indígena. A população brasileira precisa dizer ‘Eu também sou indígena’, porque o brasileiro tem um pezinho nas tradições. O Brasil assumindo, a sociedade assumindo, a gente vai diminuir muito as violações aos direitos dos povos indígenas”, disse Eliane durante o XX Congresso Internacional de Inovação na Educação. O evento, promovido pelo Senac Pernambuco, ocorreu no Recife entre os dias 18 e 20 de setembro e reuniu cerca de dois mil participantes.

Eliane é considerada a primeira escritora indígena do Brasil, tendo escrito em torno de dez livros. A terra é a mãe do índio foi sua primeira obra, lançada em 1980. Ao escrever a apresentação de seu último lançamento, O vento espalha minha voz originária (2023), o professor Kaká Werá, do povo tapuia, afirma que a escritora é uma “semeadora de utopias”, “ativista que invoca uma cultura de paz mas que não foge à luta”. 

O livro foi publicado pela Grumin Edições e é uma coletânea de crônicas, ensaios, poemas, citações e contos. Tem como objetivo subsidiar, com textos reflexivos, professores e professoras no cumprimento à Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Essa lei inclui no currículo oficial da rede de ensino pública e privada de todo o país a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. 

“Eu tenho dito sempre que a educação formal deve assimilar a cultura da natureza. Trabalhar com as crianças os conhecimentos da floresta, de sua própria cultura, seja na Amazônia, no Cerrado ou na Caatinga, fazendo esse grande link que são as florestas, que é a diversidade cultural do Brasil”, afirmou. “Nós temos uma gama de etnias, de povos, como o povo nordestino, o povo do mar, os povos afrodescendentes, os povos indígenas… É toda uma diversidade que precisa ser abordada pelas instituições de ensino”, completou a escritora.

Uma curiosidade sobre Eliane Potiguara, nascida Eliane Lima dos Santos, é que ela foi casada com o cantor e compositor uruguaio Taiguara, pai dos seus três filhos. Estiveram casados de 1978 a 1985. Naturalizado brasileiro, Taiguara é considerado o artista mais censurado pela ditadura brasileira (1964-1985), com mais de 100 canções proibidas pelo regime militar. A canção “Hoje”, gravada em 1969, foi resgatada na trilha sonora do filme franco-brasileiro Aquarius (2016).

Potiguara

A etnia Potiguara se espalha por três municípios do estado da Paraíba: Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), sua população é estimada em cerca de 10,8 mil habitantes nesses três municípios, distribuídos em pouco mais de 30 aldeias. No entanto, há registros desse povo guerreiro também nos estados do Ceará, de Pernambuco e do Rio Grande do Norte, somando cerca de 18,4 mil habitantes.

A Terra Indígena Potiguara, com 21 mil hectares, foi reconhecida pelo governo brasileiro ainda em 1983 e homologada por decreto em 1991. Há todo um histórico de pressões e ameaças por parte de posseiros, fazendeiros e mineradores sobre esse território. Os avós de Eliane, perseguidos, migraram para o Rio de Janeiro, estado onde ela nasceu em 29 de setembro de 1950. No Rio, na década de 1970, formou-se em Letras e em Educação pela UFRJ. Posteriormente, especializou-se em Educação Ambiental pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), em Minas Gerais.

Eliane Potiguara ajudou a fundar o  Enlace Continental de Mujeres Indigenas de Las Americas (ECMIA), que tem como missão articular organizações de mulheres indígenas, incidindo em espaços e processos de decisão para a defesa e conquista de seus direitos. Em 2005, a escritora foi indicada para o projeto internacional Mil Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz. Trabalhou pela Declaração Universal dos Direitos Indígenas, estabelecida pela ONU em 2008, e tornou-se embaixadora da Paz pelo Círculo de Embaixadores da França e da Suíça. Em 2014, recebeu o título de Cavaleiro da Ordem ao Mérito Cultural do governo brasileiro. 

Grumin

Inspirada pela saga de sua família que precisou peregrinar por diversas terras indígenas no Brasil por causa da violência contra os povos originários, até se estabelecer no Rio de Janeiro, Eliane fundou em 1987 a Rede de Comunicação Indígena Grumin. O grupo promove o acesso de indígenas e suas organizações à informação, mobilizando-os para o desenvolvimento socio-político-econômico de suas culturas e tradições. O Grumin busca apoiar mulheres indígenas, caboclas e descendentes que sofrem discriminação por sua origem social, étnica, racial ou de gênero.