[Nota do editor:] o artigo que publicamos a seguir, do jornal “neues deutschland”, próximo do partido alemão “Die Linke” que faz parte da fração “EL” dos partidos de esquerda no Parlamento Europeu, mostra como a guerra na Ucrânia (e não só) conduziu à cisão duma parte dos partidos de esquerda por serem mais criticos em relação ao papel da OTAN nessa guerra. 
Um fenómeno semelhante se tinha verificado já nos partidos da extrema-direita no mesmo Parlamento: também eles estão divididos por posições diferentes em relação à  Rússia, à Ucrânia e à OTAN/Estados Unidos: a fração de extrema-direita mais forte, os “Patriotas pela Europa” (dos quais fazem parte partidos como o Fidesz da Hungria, a Lega italiana, a FPÖ austríaca, a VOX espanhola, o PVV holandês, e sobretudo a União Nacional francesa de Marine le Pen), assim como a terceira fração da extrema-direita “Europa dos Estados Soberanos” (constituída sobretudo pela AfD da Alemanha) são tendencialmente por não apoiar militarmente a Ucrânia e por negociações com a Rússia; em contrapartida, a segunda maior fração de extrema-direita, os “Conservadores e Reformistas Europeus” (dos quais fazem parte o PiS da Polónia e os Fratelli d’Italia italianos) apoiam a continuação do apoio militar à Ucrânia.

A cisão da esquerda a nível europeu está consumada: o partido rival da atual esquerda europeia pede autorização para se constituir como grupo autónomo às autoridades da UE.

Uwe Sattler, nd, Parlamento Europeu em Estrasburgo
05.09.2024

A autoridade europeia responsável por partidos políticos e fundações políticas europeias, não deve ter muito que fazer. A sua tarefa é a de registar e controlar as famílias dos partidos europeus e os seus grupos de reflexão. Atualmente, existem dez destas alianças multinacionais, desde o conservador Partido Popular Europeu (PPE), passando pelos Verdes europeus e por várias organizações de direita, até ao Partido da Esquerda Europeia (EL, European Left). As respetivas frações políticas no Parlamento Europeu são, em grande parte, formadas a partir das suas fileiras. Mas, acima de tudo, os partidos europeus reconhecidos e as suas fundações podem receber financiamento a partir do orçamento da EU: o PPE, este ano, poderá receber 13,6 milhões de euros, e a EL 1,9 milhões.

No entanto, numa carta datada de 29 de Agosto, a autoridade europeia recebeu um pedido muito controverso: uma “Aliança da Esquerda Europeia para o Povo e o Planeta” (ELA) pede a sua aprovação como partido político europeu. “A Aliança reúne partidos de esquerda, verdes e feministas, com o objetivo de construir uma Europa diferente”, lê-se nos estatutos apresentados. O progresso social e os direitos laborais, a paz, a solidariedade e a igualdade, a justiça climática e a proteção do ambiente são apontados como pontos de partida. O novo partido quer lutar contra os “dogmas neoliberais”, sublinha o preâmbulo. Os documentos de registo foram assinados pelos partidos da La France Insoumise, pela Aliança de Esquerda finlandesa, pelo Razem polaco e o Podemos espanhol, pelo Bloco de Esquerda de Portugal, pela Aliança Vermelho-Verde dinamarquesa e pelo Partido de Esquerda sueco.

A fundação de um partido europeu de esquerda seria certamente uma boa notícia – se o EL não existisse já. Os partidos acima mencionados – que até há pouco tempo funcionavam como um agrupamento sob o nome de “Now the People“ – reuniram-se em Copenhaga em Fevereiro passado, e concordaram em deixar o EL à margem desta reunião. As primeiras cartas de demissão foram recebidas pelo gabinete da Esquerda Europeia pouco depois das eleições europeias de Junho. O Sinistra Italiana e o Partido da Esquerda Alemão também participaram na reunião na capital dinamarquesa, embora não tenham assinado os documentos de fundação da nova Aliança da Esquerda Europeia ELA.

Depois de aprovado o pedido da ELA, a cisão da EL ficará legalmente selada. Essa cisão foi precedida de um conflito no seio da Esquerda Europeia, desencadeado pela guerra russa contra a Ucrânia e pelo papel da OTAN como garantia de segurança contra eventuais planos de agressão de Vladimir Putin. Enquanto os partidos de esquerda do Norte da Europa e os partidos de esquerda-verdes consideram real a ameaça representada pelo Presidente russo, dado estarem mais próximos do conflito, os partidos de esquerda do Sul da Europa tendem a ver a OTAN como o verdadeiro motor da escalada. No congresso eleitoral de Viena, no final de 2022, o EL ainda se salvou duma cisão através dum compromisso: Na declaração final, foi encontrado um mínimo denominador comum através da condenação da agressão russa como um crime e da exigência de um cessar-fogo imediato.

Existem também discrepâncias nas estruturas do EL. Os mecanismos de trabalho, como o rígido princípio da unanimidade, já não correspondem ao estado atual e à estrutura da aliança, disse o presidente da EL, Walter Baier, ao “nd”. De acordo com Baier, também é criticado o facto de os partidos comunistas, em particular, que se saíram pior nas eleições europeias do que os seus rivais nacionais de esquerda, estarem sobre-representados nas comissões da EL. Perante a fratura iminente, a Esquerda Europeia criou, em Outubro, um grupo de trabalho para apresentar as primeiras propostas de reforma.

Mas os partidos da ELA não quiseram esperar até lá. Não é bem claro o que é os distingue da EL, uma vez que os programas são praticamente idênticos. Também não é claro como as duas frações da esquerda europeia tencionam cooperar entre si. É improvável que se chegue a um confronto. Isso levaria o conflito para o grupo de esquerda no Parlamento Europeu, o que já é considerado difícil devido à sua composição muito heterogénea. Luciana Castellina, ícone da esquerda italiana, também o sublinha num comentário publicado no jornal Il Manifesto: no início da legislatura, em Julho, a ameaça de uma cisão “levou a discussões difíceis sobre a composição, os métodos de trabalho e os equilíbrios internos” do grupo. Perante a cisão agora registada, Castellina sublinha que “teria sido melhor manter o espírito unitário, mesmo que tivessem havido mudanças profundas e necessárias”.

O envolvimento do Partido da Esquerda alemã na preparação da fundação da nova aliança partidária – para além da sua participação na reunião de Copenhaga – continua por esclarecer. Uma resolução aprovada pelo executivo do partido a 9 de Julho sublinha a necessidade de uma esquerda forte na Europa “para representar os interesses dos trabalhadores, dos jovens e dos idosos”. Ao mesmo tempo, lamenta que “muitos partidos importantes de esquerda já não sejam membros” do EL. O documento declara que o “objetivo final” é “uma fração europeia de esquerda com o maior número possível de partidos de esquerda fortes, que troquem opiniões sobre os grandes desafios do nosso tempo e, na melhor das hipóteses, estejam em condições de agir em conjunto”. Neste contexto, um grupo de trabalho deverá dialogar com partidos internos e externos “sobre o futuro de uma esquerda europeia unida”. Na próxima conferência federal do partido, está prevista a supressão da referência à EL nos estatutos, a cuja adesão se refere o 1º parágrafo.

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Artigo original pode ser lido aqui

Tradução do alemão por Vasco Esteves para a PRESSENZA