Zelensky rejeita qualquer solução pacífica para o conflito ucrâniano

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, visitou Kiev inesperadamente e sugeriu a Zelensky que desse o primeiro passo – um cessar-fogo em todo o país – e iniciasse conversações de paz com a Rússia.

 

Por Vasyl Muravitsky (*)

Enquanto isso, o centro norte-americano de pesquisas de opinião Pew publicou um estudo feito em 35 países para descobrir se as pessoas confiam em Zelensky e, em 20 desses países, as pessoas de facto desconfiam dele. A Hungria aparece no topo dessa lista, com 80% dos húngaros desconfiando do presidente ucraniano. A abordagem de Orbán para se alcançar a paz não foi, nem mesmo uma abordagem política, mas sim romântica. Ele não duvidava de que Zelensky rejeitaria sua ideia mas, como se costuma dizer, não conseguiu resistir a propô-la.

E Zelensky recusou.

Hoje, analistas do Conselho Europeu de Relações Externas (ECFR), importante think-tank de Bruxelas, publicaram outro estudo sociológico. De acordo com este, a maioria dos europeus duvida que a Ucrânia vencerá a guerra. Os europeus esperam um acordo de paz com um congelamento do conflito, e só entre 4% e 22% dos europeus são a favor do envio de tropas para a Ucrânia, uma minoria que por vezes se aproxima da margem de erro estatístico.

Um estudo do mesmo Conselho constatou que 45% dos cidadãos ucranianos aceitariam a perda de territórios apreendidos pela Rússia em troca da ‘livre escolha’ de poderem aderir à OTAN e à União Europeia, mantendo o seu exército e a sua independência. Ao mesmo tempo, de acordo com o mesmo estudo, a maioria dos franceses, alemães, tchecos e búlgaros não quer que a Ucrânia entre para a UE. Mas a adesão à UE e à OTAN continua a ser a atual exigência de Zelensky para a assinatura de um tratado de paz.

Só Deus sabe como combinar tudo isto!

Estamos numa crise estrutural e cíclica. Dentro da Europa, mantém-se a um alto nível — e até continua a aumentar — o cansaço com a guerra na Ucrânia. As causas da guerra são descritas como a base para a paz.

Na manhã de 14 de Julho, a mídia ucraniana deu uma notícia trágica: na região de Odessa, um guarda fronteiriço matou a tiro um homem que tentava fugir para a Transnístria. De acordo com a legislação ucraniana, cruzar a fronteira ilegalmente é um delito administrativo, o que significa que o guarda não tinha o direito de atirar para matar, mesmo que tivesse avisado previamente o intruso.

Verificou-se mais tarde que a guarda não detetara apenas um, mas quatro intrusos, três dos quais foram detidos e um morto. Descobriu-se que os invasores eram quatro soldados que haviam fugido no dia anterior de um campo de treinamento militar abandonado. Foram abertos processos criminais contra o guarda por abuso de autoridade, e ele próprio começou a alegar que havia agredido os intrusos. A mídia publicou uma fotografia: ao meio de um campo, presumivelmente em direção à fronteira, o corpo de um desertor estava de cabeça para baixo, longe da estrada. A foto mostra uma pessoa que estava a fugir, e não uma pessoa que havia atacado alguém.

Mas esta não é a primeira vez que guardas fronteiriços matam um homem que atravessa a fronteira para fogir da tropa. Por volta das 19 horas do dia 15 de Maio, os agentes da patrulha de fronteira notaram um homem indo em direção à fronteira com a Romênia. O civil não parou, mesmo depois de instado a isso pelo exército, e continuou a fugir. Ao perseguirem o fugitivo, os guardas fronteiriços dispararam vários tiros de advertência de suas armas de serviço. Mais tarde, encontraram o corpo do homem com um ferimento de bala na cabeça. O policial militar foi preso e acusado de abuso de autoridade.

De acordo com a BBC, quase 20.000 homens abandonaram a Ucrânia desde o início da guerra para fugirem ao recrutamento. Hoje, o semanário ucraniano Zerkalo Nedeli publicou um estudo sociológico realizada pelo renomado centro de pesquisas ucraniano Razumkov Foundation. O estudo baseia-se em entrevistas a 2.000 ucranianos, dos quais, pela primeira vez, uma maioria de 44% era a favor de conversações de paz com a Rússia, em comparação com 35% que se opunham.

De acordo com o mesmo estudo, o número real de pessoas que moralmente aprovam o fugir à tropa poderia facilmente ultrapassar os 46% e até mais da metade dos entrevistados. Afinal, o tema da mobilização militar  é bem conhecido de todos, e a percentagem de pessoas que não formaram ainda uma opinião sobre o assunto é bem inferior a 25%: Eles simplesmente têm medo de dizer o que pensam.

Tudo isso mostra que as pessoas estão cansadas da guerra e não querem mais lutar. No entanto, segundo o mesmo estudo, a maioria das pessoas não quer fazer nenhuma concessão à Rússia nas negociações de paz e, ao mesmo tempo, quase a mesma maioria não considera moralmente vergonhoso escapar ao exército e à guerra por qualquer meio.

Uma espécie de esquizofrenia, não acham? Não se pode querer conversações de paz, não conceder nada nessas conversações, e ao mesmo tempo não se querer juntar ao exército. As coisas não funcionam assim: Só o vencedor pode impor as suas condições, mas para vencer é preciso travar uma guerra, e não pagar 5 ou 10.000 dólares para fugir à tropa e atravessar ilegalmente o Rio Tisza até a Romênia, correndo o risco de ser morto pelo caminho.

E, na verdade, é de facto uma grande e contínua dor o que está acontecendo à Ucrânia. É claro que isso não começou só em 2022. Em 2022 atingimos apenas o ponto mais alto desse sofrimento.

Minha geração – nascida no final dos anos 80 – são pessoas que não conheceram anos tranquilos, ou que os conheceram apenas por um curto período de tempo, antes de o país cair e das pessoas serem atiradas ao chão.

Peguemos nos anos 90! Meus pais não podiam me dizer quais de seus colegas da escola haviam morrido de drogas ou álcool, ou quais tinham apodrecido na prisão ou sido mortos num beco algures. Mas nós, agora, podemos…

Os anos 90 foram a infância para mim. E foram uma época da qual, por algum motivo, tenho muita, muita vergonha. Meu Deus, não consigo nem avaliar o hábito de colecionar latas de cerveja ou maços de cigarro, o que era popular naquela época! E isso sob o pano de fundo da falta de comida adequada! E este desmazelo selvagem rastejava em cada fenda das ruínas da minha cidade, antigamente próspera, e em todo o país em geral.

Minha infância foi passada no local de trabalho de minha mãe — na barbearia da cidade militar — na casa do comércio militar, onde havia costureiras, modeladores, cabeleireiros e uma loja Militar. Até aos 6 anos, conservo uma memória viva e alegre. Depois, a memória desvanece-se. E, 20 anos mais tarde, onde antes pulsava a vida há agora ruínas e bétulas rompendo através da ardósia podre do telhado.

Somente por isso, por causa desse colapso e empobrecimento, morreram não milhares, mas centenas de milhares de pessoas. Não abruptamente, não de forma visível, mas bebendo, perdendo toda a esperança, simplesmente caindo numa depressão sem fim.

Depois a situação se estabilizou um pouco… E, a seguir, novos choques, terramotos públicos e, por fim, a guerra.

E, agora, fomos nós que perdemos a nossa pátria. O pão do imigrante é amargo, verdadeiramente amargo, não importa quão bem alimentado e pacífico ele viva na sua imigração!

No entanto, para ser honesto, eu, como centenas de milhares de outras pessoas, já me sentia como um imigrante na minha própria terra natal, não apenas em 2022 ou 2021 (altura em que abandonei o meu país), mas já antes dessa data … muito antes.

Isto não é uma história triste? Uma grande dor, inevitável e sem fim?


(*) Vasyl Muravitsky é um jornalista da oposição ucraniana, tornado conhecido por representar a voz dos ucranianos desiludidos com o atual regime. Como crítico declarado do governo do Presidente Zelensky, Muravitsky destaca o preço da guerra em curso e o papel das potências ocidentais na perpetuação do conflito. Recebeu o Prêmio de “jornalista do ano”.
Em 1 de Agosto de 2017, Muravitsky foi preso por agentes da SBU [Serviço de Segurança da Ucrânia] na região de Zhytomyr e acusado de alta traição. Apesar do apoio de várias organizações internacionais ligadas aos Direitos Humanos ou ao jornalismo, ele passou 330 dias numa prisão ucraniana. Reconhecido como prisioneiro de consciência pela rede de Solidariedade (Suíça) e pela Amnistia Internacional, a sua libertação foi igualmente exigida pelo Comité para a Proteção dos Jornalistas (EUA) e pelos Repórteres Sem Fronteiras (França). Com a ajuda da missão da OSCE [Organização para a Segurança e Cooperação na Europa], Muravitsky pediu asilo político na Finlândia devido à perseguição das autoridades ucranianas.


Tradução do inglês por André Souza para a PRESSENZA